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Há alguns dias, quando prestei uma homenagem ao Ronaldo Poletti pelo motivo do seu falecimento, destaquei o fato de que, em nossa Faculdade de Direito, são comuns as sólidas amizades que unem acadêmicos de turmas diferentes. Aduzi que se trata de um fenômeno próprio das instituições tradicionais. E exemplifiquei a minha assertiva com a amizade que me unia ao João Paulo Maffei e ao Cassio Scatena.

Hoje falo do Cassio, que faleceu ontem, dia 9 de Julho, significativamente, no aniversário da epopeia de 1932. E digo “significativamente” porque, como lembra o José Faria Parisi, no aniversário da Revolução, Cassio Scatena ajudava o Chico Emigdio a recepcionar veteranos da grande luta paulista, na Faculdade de Direito...

Quando eu tomava o trote no inicio do ano de 1967, um dos veteranos perguntou o meu nome. Quando eu o dei, o veterano disse: --- “O Cassio Scatena está esperando este calouro!...” e eu fui para as mãos do Cassio, que me deu um porre homérico, no bar do C. A. XI de Agosto!... é claro que eu tomei o pifão, e que o veterano permaneceu sóbrio como um bispo: O “Liminha” e o Wanderlei colocavam pinga em meu copo, e água no copo do Cassio!...

Uma explicação tem que ser dada, a respeito do apelido “Blanco”, sob o qual o Cassio Scatena foi conhecido por toda uma geração acadêmica. Ele tinha a pele muito clara, de uma brancura látea... e ademais gaguejava um pouco. Ao começar uma frase, muitas vezes ele colocava a palavra “Id” como introito. Esta mesma palavra era intercalada na conversa...

Aconteceu que o Cassio fez um programa com uma prostituta argentina... e não pagou a mulher. Esta apareceu na Faculdade e, para descrever o cliente dizia que “era un muchacho mui blanco que sustenia su voz.” Não sei quem deu então o apelido de “Blanco” ao nosso amigo. Suponho que tenha sido o João Paulo Maffei, o “Monstro”, grande amigo do Cassio...

Cassio Scatena, um homem muitíssimo inteligente, era possuidor de uma sólida cultura humanista. Estudara com os jesuítas, primeiro no “Colégio Santo Inácio”, no Rio de Janeiro, e depois no “São Luiz”, em São Paulo. Dou o meu testemunho de que ele era um latinista exímio, possuindo ainda boas noções do Grego. Era ademais dotado de um impressionante senso de humor.

Foi o senso de humor que permitiu, ao “Blanco”, fundar e dirigir na Academia o “Grupo da Tradição”, mais tarde rebatizado como “Grupo II.” O “Grupo II”, de que participei, mantinha no Pátio das Arcadas um jornal mural, denominado “Imural.” Em 1967, nós do “Grupo II” furtamos a estátua do “Menino do Catavento” na entrada do Túnel 9 de Julho, e a trouxemos de caminhão para o Largo, onde está até hoje...

A gagueira do Cassio deu azo a um fato engraçado. Na “República dos Piratas”, vale dizer, do Ribas Ribeiro do Valle Filho e irmãos, na Vila Mariana, o carteado estava fervendo numa determinada noite. O telefone tocou, e “Ribinha” atendeu. Do outro lado uma voz máscula e ameaçadora disse: --- “Alô, é do Degran... está havendo jogo clandestino aí. Vamos aí prender todo o mundo!... vão três viaturas, Id, eu vou também!...” E respondeu o Ribas: --- “Cassio Scatena, vá à puta que o pariu!...”

Em um artigo notável, escrito quando do sesquicentenário da Faculdade de Direito de São Paulo, Clovis de Caparaó apontou, como de acadêmicos símbolo da nossa geração, os nomes de Cassio Scatena e de João Paulo Maffei. E nisto andou com acerto. Aliás, ambos, Cassio e Maffei aparecem com destaque em meu livro “Memorias do Sindicato – Contribuição para a História da Faculdade de Direito de São Paulo”, ora em elaboração.

Pouca gente sabe disto, mas o “Blanco” era também um poeta de mérito. Escreveu um soneto para a nossa Faculdade de Direito, cujos versos finais bem casam com o momento da sua morte. E por isto vou reproduzi-los: “E quando enfim baixar à terra fria, não estranharei muito, porque também és de pedra, minha Academia!...”

  • Bacharel pela Faculdade do Largo de São Francisco, Turma de 1973. Acadêmico Perpétuo da Academia Paulista de Letras Jurídicas, titular da cadeira de nº 60. Patrono: Luiz Antonio da Gama e Silva. Grão-Oficial da Honorífica Ordem Acadêmica de São Francisco das Arcadas