Saudação à Acadêmica Eunice Prudente na APLJ

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Excelentíssima Senhora Deputada Estadual Ediane Maria, Exma. Senhora Elza Paulina, primeira mulher negra a comandar a Guarda Civil Metropolitana de São Paulo, Exma. Senhora Professora Eliza Lucas Rodrigues, Secretária Executiva da Igualdade Racial do Município de São Paulo, Exma. Senhora Professora Ana Eliza Bechara, Vice-Diretora da Faculdade de Direito da USP, Exmo. Senhor Dr. Renato Silveira. Presidente do IASP, Excelentíssimo Senhor Eduardo Dias de Souza Ferreira, Digníssimo Procurador de Justiça em nome de quem saúdo todos os membros do MP, meu querido amigo e digníssimo presidente desta Academia Francisco Jucá em nome de quem saúdo todos os integrantes desta Academia, Minha querida amiga e sempre professora e acadêmica empossanda Eunice de Jesus Prudente em nome de quem saúdo os novos Acadêmicos, minhas amigas, meus amigos,

Se você quer fazer as pazes com seu inimigo, você tem que trabalhar com ele. Em seguida, ele irá tornar-se seu parceiro. Não sei se vocês identificam facilmente o autor desta frase. Talvez se eu lhes disser que se trata de alguém que enobreceu a espécie humana ao longo de sua existência, alguém que devotou praticamente toda sua vida à luta pela igualdade, eu esteja lhes dando pistas decisivas.

Se ainda não for o suficiente, vou lhes dizer que é alguém que, mesmo sofrendo privação de sua liberdade pelo simples motivo de lutar por igualdade por quase um quarto de sua vida, por praticamente três décadas, ao sair da prisão, ao invés de destilar ódio e rancor, aliou-se ao adversário, transformando-o em parceiro.

Isto mesmo, Mandela conseguiu a proeza de construir uma nova África do Sul, e sem rancor virou a odiosa página do appartheid, transformando De Klerk em parceiro de jornada, gesto que conferiu a ambos o prêmio Nobel da Paz em 1993.

Isto não significa que todos os problemas terminaram no âmbito do racismo naquele país, mas foi dado um grande passo, até porque mudanças culturais ocorrem ao longo de gerações. Atos discriminatórios contra negros são frequentes. Nosso craque de futebol Vinicius Jr foi vítima em repetidas ocasiões de hordas de milhares de torcedores espanhóis ensandecidos.

Há crimes violentos reiterados em que a vítima é atacada pelo simples fato de ser negra, como os casos de João Alberto, espancado impiedosamente até a morte no estacionamento do Carrefour de Porto Alegre pelos seguranças e do congolês Moise, de 25 anos, também espancado covardemente até a morte no Rio de Janeiro em 2022. E George Floyd, sufocado até a morte por policiais nos Estados Unidos em 2020. São apenas alguns poucos exemplos mais recentes.

Há poucas semanas, o Procurador de Justiça Eduardo Dias, aqui presente, foi vítima de atos discriminatórios por agentes que gritaram com ele dentro do prédio do Tribunal de Justiça de São Paulo, enquanto ali estava para trabalhar.

Aliás não é por acaso que cerca de 1% dos membros do MPSP são negros e não é por acaso que as abordagens policiais a suspeitos sempre recaem mais sobre negros segundo dados estatísticos.

Infelizmente o Brasil foi o último país ocidental a abolir a escravidão e na sequência muitos ex-donos de escravos foram à justiça pedir indenizações por seus prejuízos materiais decorrentes da perda destes bens semoventes.

Eu tenho um sonho que meus quatro pequenos filhos um dia viverão em uma nação onde não serão julgados pela cor da pele, mas pelo conteúdo do seu caráter.

Este foi um trecho de um discurso de valor histórico, perene e universal ocorrido em agosto de 1963, que ficou conhecido como I have a dream, do pastor ativista negro Martin Luther King, que entrou para a história como gigante na luta pelos direitos civis. Aprendi o valor capital da igualdade pregada por Luther King com o grande e saudoso Mestre Dalmo de Abreu Dallari, um dos maiores gigantes que passou pelas Arcadas.

Entretanto, a realidade é outra num país em que nossa Constituição Cidadã assegura a igualdade de todos perante a Lei e se vê absolutamente encharcada de referências às ações afirmativas, onde se consagra 20 de novembro como Dia da Consciência Negra.

Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública:

67% das vítimas de homicídio até 11 anos de idade são negras

85,1% das vítimas de homicídio de 12 a 17 anos são negras

77% das mortes por violência intencional são negras

83,1% das mortes decorrentes de intervenção policial são negras

As pessoas negras são apenas

25% dos supervisores

6% dos gerentes

4,7% dos executivos

Se uma pessoa negra brasileira resolver ingressar na pesquisa acadêmica para ser docente, como fez nossa homenageada, cuja luta para esse fim foi coroada com o ingresso no corpo docente da São Francisco, ela fará parte de um efetivo de menos de 10% dos docentes brasileiros em universidades, segundo reportagem da Agência Brasil de 2023. Eunice é a única professora negra da Faculdade de Direito da USP.

Ao longo do tempo, houve construções legislativas assegurando-se por lei espaços de poder para negros. Desde 2020 o STF decidiu que os recursos do fundo eleitoral e partidário deveriam ser distribuídos proporcionalmente tendo em vista o número de candidatos negros – em 2022 foram 50%.

Na semana passada, enquanto as atenções estavam voltadas para o debate sobre emendas PIX no STF e as revelações da Folha sobre o Ministro Alexandre do STF, o Senado majoritariamente branco aprovou uma PEC que reduz a cota política dos negros, tabelando-a em 30%, mesmo que a maioria dos candidatos seja de negros, mesmo que a população seja de negros, afrontando a Constituição e o STF.

A grande verdade é que os maiores fenômenos racistas vão muito além de uma pessoa física que não consegue conter o seu ímpeto racista, que sequer deveria existir. Poderíamos falar ainda em racismo institucional, em racismo organizacional, quando a própria empresa ou órgão público tem mecanismos que dificultam a vida de seus trabalhadores negros, e racismo ambiental, quando verificamos a injustiça social no meio ambiental contra comunidades indígenas e quilombolas, tão desrespeitadas no Brasil.

Mas vamos celebrar, pois finalmente chegou o dia de termos a primeira mulher negra na Academia Paulista de Letras Jurídicas. Quando tomei posse há quase dois anos, registrei a importância desta diversidade nesta Academia. É um dia histórico.

Eunice Aparecida de Jesus Prudente nasceu em 10 de setembro de 1946, no bairro da Mooca, em São Paulo. Divorciada, mãe de Ana Beatriz Prudente Zamboni, que é jornalista da Revista Fórum.

Eunice é a filha mais velha do metalúrgico Joaquim José de Jesus e da tecelã Orlanda Carmo Jesus. É advogada, feminista, abolicionista ativista pela negritude.

Professora Sênior do Departamento de Direito do Estado, graduou-se em Direito pela Universidade de São Paulo em 1972, cursando mestrado em Direito pela Universidade de São Paulo obtendo o título em 1980 com a dissertação sobre preconceito racial e igualdade jurídica no Brasil e doutoramento em Direito pela Universidade de São Paulo em 1996 defendendo a tese sobre Direito à personalidade integral: cidadania plena.

É Secretária Municipal de Desenvolvimento Econômico e Trabalho e Foi Secretária Municipal de Justiça de São Paulo, Coordenadora do Laboratório de Estudos Étnico-Raciais e da Clínica de Direitos da Criança e do Adolescente Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo; membra Comissão de Direitos Humanos da USP;

A história da Professora Eunice Prudente, por si só, é um verdadeiro documentário sobre a luta contra o racismo no Brasil, desde os seus avós, passando pelos seus pais e na vida dela. Antes de ser escriturária, era professora no reforço escolar. Colocou até plaquinha na porta da própria casa. Isso bem antes dos 18 anos. Adorava e ia até a casa das pessoas – lecionando português, matemática, história e geografia.

Embora não fosse exímia em matemática, precisava do dinheiro. Tanto que quando começou a trabalhar como funcionária pública, ganhava menos do que faturava com as aulas, que complementavam sua renda. Mas seu pai não aliviava: ser escriturária era, ao menos um emprego formal. Eu reclamava que o dinheiro era pouco, mas ele dizia “não deixe este emprego”.

Uma salva de palmas para a nossa nova Acadêmica, a mestre, a doutora, a Professora Eunice Aparecida de Jesus Prudente, bem-vinda à Academia Paulista de Letras Jurídicas!