Pronunciamento da Acadêmica ANGELA VIDAL GANDRA DA SILVA MARTINS, de elogio ao Patrono  PRESIDENTE PRUDENTE DE MORAIS, cadeira nº 46, da Academia Paulista de Letras Jurídicas - APLJ, no dia 2 de outubro de 2018.

Excelentíssimo Senhor Doutor Ruy Martins Altenfelder Silva, caríssimo Presidente da Academia Paulista de Letras Jurídicas, excelentíssimo Dr. Ives Gandra da Silva Martins, digníssimo - e amado! - Chanceler, excelentíssima e querida Professora Dra. Ivette Senise, que tão magnânima e carinhosamente me saudou, dando-me as Boas Vindas a esta ilustre Academia, com palavras que ficaram gravadas no meu coração e no de meus queridos pais e que devem ter alegrado especialmente a eternidade de meu avô, a quem também tanto devo o amor às letras,  à cultura, ao trabalho e à virtude.

Em nome de Vossas Excelências, peço vênia para cumprimentar cada um dos acadêmicos - com os quais vou também compartilhando cada vez mais o dom da amizade -, agradecendo a todos, honrada, a escolha por aclamação proposta pelo meu caríssimo colega e amigo, Andre Costa Correa. Já no dia da posse, pude estender os agradecimentos aos confrades e confreiras e especialmente a meus pais, responsáveis pela ampla cultura recebida, talento imerecido, que espero fazer render em nome desta Academia.

Por fim, cumprimento minha querida mãe, bem como nossa sócia Dra. Marilene, que me dão a alegria de sua presença, partilhando esse importante momento de minha vida.

Pretendo desenvolver a reflexão sobre a fecunda vida do Presidente Prudente de Morais, Patrono da Cadeira nº 46, de forma breve mas profunda.  Recentemente ouvi após um discurso de posse na Academia Paulista de Letras., o seguinte comentário: “Há dois tipos de discurso: os longos e os bons”. Assim, esforçar-me-ei por me incluir na segunda categoria.

Começo mencionando seus dados bibliográficos, para contextualizar sua atividade e contribuição para o nosso país.

prudente de morais b95a5Prudente José de Moraes Barros nasceu em Itu no dia 4 de outubro de 1841, descendendo dos primeiros colonizadores de São Paulo. Seu pai, foi assassinado por um escravo, quando contava apenas com 5 anos.  Graduou-se na Faculdade de Direito de São Paulo em 1863, casando-se, em 1866, com Adelaide Benvinda, com quem teve nove filhos, tendo dois deles falecido na menoridade. Teve ainda um filho antes de casar-se, durante o tempo de estudante, o qual assumiu e cuidou com dignidade.

Fixou residência em Piracicaba, cidade que batizou com esse nome indígena que

significava “lugar onde os peixes moram” e  onde veio a falecer no dia 3 de dezembro de 1922. Sua residência tornou-se o Museu Histórico e Pedagógico Prudente de Moraes.

Meu patrono dedicou-se à política, pertencendo primeiramente, durante o Império, ao Partido Liberal monarquista,  eleito vereador em 1864, com maioria de votos e assumindo a Presidencia da Câmara Municipal de Piracicaba. Em 1873, declarou-se republicano, transferindo-se para o Partido Republicano Paulista e chegando a exercer a função de deputado provincial em São Paulo e na Assembleia Geral do Império.

Entre seus principais ideais políticos encontravam-se firmemente arraigados o abolicionismo, a forma republicana de governo e o federalismo.

Em 1889, após a proclamação da República, foi nomeado por Deodoro da Fonseca, governador de São Paulo. Durante sua gestão, reorganizou e modernizou a administração, ampliou a força pública e nomeou novos secretários, contribuindo para que a transição ocorresse de forma tranquila e progressiva. Reformulou ainda o curso denominado Normal, dando origem à Escola Caetano de Campos.

Foi Presidente da Assembleia Nacional Constituinte de 1891, sendo o primeiro civil a assumir a Presidência do país, por eleição direta, e seu terceiro presidente.  Dessa forma, como reconhecido representante da oligarquia cafeicultora, após intensa atuação no Legislativo, ascendeu ao Poder Executivo, até então exercido pelos militares.

De 1894 a 1898, em seus anos de mandato, teve de enfrentar controvérsias no Partido Republicano bem como a revolta dos florianistas derrotados nas eleições. Prudente de Moraes dedicou todos os seus esforços à pacificação das facções, demonstrando especial prudência no trato com os militares. Abriu-se também às relações diplomáticas, estreitando novamente os laços com Portugal e assinando o Tratado de Amizade, Comércio e Navegação com o Japão, visando fomentar a imigração japonesa.

Como civil, o Presidente Prudente de Moraes resolveu as questões diplomáticas recorrendo à arbitragem internacional, e não às forças armadas, como no caso da posse da Ilha da Trindade pelos ingleses ou a invasão do Amapá pela França, a partir da Guiana Francesa, resolvendo as questões de forma favorável ao Brasil. Enfrentou ainda a revolta da Escola Militar que teve de ser fechada, fazendo valer sua autoridade, bem como a Guerra dos Canudos no sertão baiano.

Devido a uma cirurgia, afastou-se do poder entre novembro de 1896 a março de 1897, passando o cargo ao vice-presidente Manuel Vitorino Pereira. A guerra seguia acirrada e o Presidente interrompeu sua convalescença para derrotar os rebeldes embora com grande desgaste para seu governo.

Em 5 de novembro de 1897 sofre um atentado durante uma cerimônia militar, do qual escapou ileso, perdendo, porém, seu ministro de guerra, Marechal Bittencourt, que faleceu ao defender o Presidente, o que acarretou o decreto de estado de sítio para o Distrito Federal. Procedeu-se às investigações do crime a partir de seus oposicionistas, entre eles, seu próprio Vice Presidente, Manuel Vitorino, que possuía divergências políticas com Prudente de Moraes, mas que porém foi poupado, não sendo incluído no despacho final do processo.

Prudente de Moraes terminou seu mandato em 15 de novembro de 1898,   desfrutando de grande popularidade. Passou o cargo a Campos Sales, retornando a Piracicaba, onde exerceu a advocacia por alguns anos. Faleceu devido a uma tuberculose em dezembro de 1902 e está enterrado no “Cemitério da Saudade”, nessa mesma cidade.

Esta é a história de meu patrono, e a partir dela - já que penso que não há acasos - gostaria de destacar, como fiz em meu discurso de entrada na Academia Brasileira de Filosofia, os traços com os quais me identifico com os ideais do Presidente Prudente de Moraes, lendo em suas grandes façanhas, as entrelinhas.

Compartilho seu ideal abolicionista, republicano e federalista. Em primeiro lugar, no sentido de ajudar que na vida social, todos os homens sejam efetivamente tratados como livres e iguais, não só através de ações afirmativas, mas em pequenos atos no ambiente familiar, profissional e acadêmico e social que possam superar possíveis preconceitos, muitas vezes camuflados, com abertura a todos, a cada um, sem fazer acepção de pessoas, e, por outro lado, de certa forma, como disse São Josemaria Escrivá, quando esteve no Brasil em 1974, procurar desfazer o mal que tínhamos feito ao comercializar e escravizar os africanos, afogando-o em abundância de bem, através de nosso acolhimento concreto e magnânimo. Nesse sentido, evoco o Presidente Prudente de Moraes que lutou pela abolição da escravatura apesar de ter sido seu pai assassinado por um escravo.

Vejo ainda a atração pelo federalismo e pelo ideal republicano como um sinal de amor à liberdade na vida pública, já que nela se inspiram e se fundamentam. Nesse sentido, o sistema ensina a conviver de forma unida e ao mesmo tempo independente, conjugando compromisso e autonomia, ainda que em nossa tradição histórica, diferente do federalismo americano que nos serviu de modelo, temos ainda boa luta pela frente, para fortalecer as instituições que sustentam a democracia, com plena responsabilidade pela res publica.

Penso que esta seria também uma luta do Presidente Prudente de Moraes se vivesse hoje: lutar pelo Estado Democrático de Direito, de forma enérgica, mas pacífica, despertando os civis - cidadãos! - para que cumpram seu papel na construção da ordem social. Saberia também destacar oportunamente o real papel das Forças Armadas para a segurança pública, sem rotulá-la. Paralelamente, investiria de forma serena e ordenada, como fez no início de seu governo, na reorganização da administração, visando otimizá-la - penso nas reformas que necessitamos! - e, principalmente na educação, com o desejo de formar mais e melhores professores que não compactuem com a mediocridade, nem com ideologias, mas que a partir de sua vocação se dediquem aos alunos tencionando edificar ciência, cultura e ética, principalmente através da reflexão e do estudo, para que uma nova geração possa solidificar as conquistas que vão sendo arduamente alcançadas nos últimos anos, rumo a um Brasil livre, que possa fazer render seu potencial natural através da  capacidade empreendedora de seu povo, podendo, dessa forma, oferecer integralmente sua contribuição ao mundo globalizado, onde poderá ser cada dia mais respeitado.

Por fim, destaco ainda o apreço ao direito à vida - pelo qual também tenho lutado -, já que assumiu seu filho nos anos de estudante.

Pequenas grandes metas que me inspira como advogada, professora de Filosofia do Direito, cidadã e agora membro desta Academia.

Já concluindo o discurso, cumprimento e agradeço aos membros de nossa Academia, meus queridos pais e amigos presentes, comprometendo-me a honrar os princípios e fins desta instituição.

Meu patrono termina a vida advogando. Também finalizo meu discurso com as palavras de um velho e provinciano advogado, como meu pai muitas vezes se refere a si mesmo - e que me diz cada vez que lhe peço que diminua seu ritmo: “ as árvores morrem de pé” -, com a certeza de que nesta academia poderei também renovar o amor à Justiça e ao Direito, e viver até o fim, como deixou plasmado no último artigo de seu Decálogo do Advogado: “ Tua paixão pela advocacia deve ser tanta que nunca admitas deixar de advogar. E, se o fizeres, temporariamente, continua a aspirar o retorno à profissão. Só assim poderás dizer, à hora da morte: “Cumpri minha tarefa na vida. Restei fiel à minha vocação. Fui advogado.”

Muito Obrigada!

São Paulo, 2-X-2018


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Angela Vidal Gandra da Silva Martins

 

Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Filosofia do Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Doutora em Filosofia do Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professora visitante e pesquisadora em Antropologia Filosófico-Jurídica na Harvard University. Diploma Advanced Management Program (AMP-IESE/Universidade de Navarra). Aprovada em concurso público para professora de Direito Romano (UFPR) e Introdução à Filosofia do Direito (UFRGS). Sócia da Advocacia Gandra Martins. Membro do Conselho Superior de Direito da FECOMERCIO e Representante na International Chamber of Commerce (ICC). Membro do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul. Membro do Conselho Superior de Direito da FECOMERCIO. Membro da Academia Brasileira de Filosofia. Membro da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Professora do CEU LAW SCHOOL. Professora do Programa de Pós Graduação da Universidade Mackenzie