Discute-se, hodiernamente, a extradição, suas condições e a reciprocidade entre países que estabelecem, em seus diplomas legais e em tratados, com a participação de vários deles.
A Espanha indeferiu a extradição do Blogueiro Osvaldo Eustáquio e justificou que os fatos a ele atribuídos constituindo “evidente ligação e motivação política” impediam sua entrega, conforme o tratado entre os dois países, “A improcedência considerou as ações coletivas que apoiam o ex-presidente e a oposição ao atual Presidente da República. Por outro lado, o Ministro Alexandre de Moraes suspendeu a extradição do cidadão búlgaro, Vasil Georgiev Vasilev, entendo que houve desrespeito ao requisito de reciprocidade entre os dois países. Eustáquio é investigado, no Brasil, por crimes como ameaça, perseguição e incitação ao crime, associação criminosa e tentativa de abolir, por meios violentos, o estado democrático de direito. Vasil, preso por ser um narcotraficante e teve sua prisão preventiva convertida em prisão domiciliar, com utilização de tornozeleiras.
É o caso de reciprocidade? As situações, os fatos, as causas, são equivalentes, proporcionais, razoáveis ou distintas? Respeitou-se a soberania? De quem é a competência?
O Pacto de São José da Costa Rica, também conhecido como Convenção Americana de Direito Humanos, é um tratado internacional que estabelece direitos e liberdades fundamentais. Foi assinado em 1969 e entrou em vigor no Brasil, pelo Decreto nº 678, de 6. 11. 1992 e diz, em seu artigo 22. 8, o seguinte: “Em nenhum caso o estrangeiro pode ser expulso ou entregue a outro país, seja ou não de origem, onde seu direito à vida ou à liberdade pessoal esteja em risco de violação por causa da sua raça, nacionalidade, religião, condição social ou de suas opiniões políticas”.
O tratado de Extradição entre o Brasil e Espanha, Decreto 99.340, de 1990 em seu título III, artigo IV, 1, f e g, veda a extradição pelos mesmos motivos, expressa delitos políticos ou fato conexo. Ainda mais, no inciso 2, manda que “A apreciação do caráter do crime caberá exclusivamente ás autoridades do Estado requerido”, no caso à Espanha.
Esses acordos internacionais, dos quais o Brasil é signatário, garantem a liberdade de opiniões políticas, proíbem a extradição, mesmo “quando a infração constituir delito político ou fato conexo”. A apreciação do caráter do crime é da autoridade do Estado requerido que poderá decidir sobre a inexistência de crime e mesmo que houvesse não seria o caso de extradição.
O artigo 5º, §2º, da Constituição brasileira, expressa: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou os tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.
Cumpre lembrar a Recomendação nº123, de 7 de janeiro de 2022, do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, que “recomenda aos órgãos do Judiciário a observância dos tratados internacionais de direitos humanos e o uso da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), bem como a necessidade de controle de convencionalidade”
Depreende-se destes dispositivos a importância dos tratados internacionais, constitucionalizados, sua observância, o uso da jurisprudência da Corte IDH e a necessidade de controle de convencionalidade. Isto quer dizer, adequar as normas do direito interno aos mandamentos internacionais. O Brasil, no uso de sua soberania, acordou em obedecê-los e não poderá interferir na soberania dos demais países, na prática de suas competências acordadas, invertendo as posições.
O artigo 5º, inciso LI, da Constituição brasileira de 1988, determina: “nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização ou provado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei”. O inciso LII, do mesmo artigo é taxativo: “não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião”.
Nenhum brasileiro poderá ser extraditado, a ressalva é para o naturalizado, desde que o crime comum seja praticado antes da naturalização para que a naturalização não ocorra para escapar da punição. Outra hipótese da ressalva é o comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, trata-se aqui de crimes comuns não políticos, de opinião, ou conexos. Nestes, nem os estrangeiros serão extraditados. Há uma distinção evidente e os textos são expressos, claros nesse sentido, aí está a distinção – favorece ao blogueiro Eustáquio e enquadra o narcotraficante Vasil. Não há falar-se em reciprocidade em causas tão diferentes.
As condições entre o blogueiro e o narcotraficante são diferentes, não é o caso de reciprocidade que prevalece para outras questões, a competência neste caso é do país requerido, deve-se respeitar a sua soberania.