Fonte: Poder 360 - 28/05/2024

Os 30.000 funcionários contratados irregularmente representam muito mais votos e a Lei Eleitoral permitiria caracterizar o ato como abuso de poder, escreve Roberto Livianu.

Articulista afirma que a sociedade fluminense tem convicção de que, em Brasília, a prevalência do interesse público falará mais alto; na imagem, o governador Cláudio Castro (PL).

roberto livianu foto

Pela margem de só 1 voto, o Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro absolveu o governador Cláudio Castro das gravíssimas acusações de abuso de poder político e econômico durante o processo eleitoral de 2022.

A Justiça Eleitoral foi criada há 92 anos para garantir competição limpa pelo voto, preservar os direitos dos eleitores e coibir abusos de poder político e econômico nas eleições, para que elas permitam a fiel tradução da vontade dos eleitores.

Quatro dos 7 desembargadores do TRE-RJ discordaram do voto do relator, o desembargador Peterson Simão, que havia proposto cassar tanto o mandato de Castro, quanto do vice-governador Thiago Pampolha (MDB) e do presidente da Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro), Rodrigo Bacellar (União), que também foram absolvidos.

Votaram contra a cassação os desembargadores: Marcello Granado, Katia Valverde, Gerardo Carnevale Ney da Silva e Fernando Marques de Campos Cabral Filho. Votaram a favor da cassação de Castro os desembargadores Peterson Barroso Simão –relator do processo–, Daniela Bandeira de Freitas e Henrique Carlos de Andrade Figueira.

Registre-se que houve apressamento da deliberação para que se pudesse contar nesse julgamento com o voto do magistrado Gerardo Carnevale (que votou pela absolvição), cujo biênio estava por se findar.

Como se sabe, os magistrados que integram o TRE são escolhidos para mandatos bienais e podem ser reconduzidos por mais 1 biênio, havendo juízes de carreira, indicados pela OAB e profissionais do direito. Há, nesse processo, óbvio e notório poder de influência do governador em relação a essas escolhas, vez que ele é o centro das atenções do Poder a nível estadual e detentor da chave do cofre que libera verbas para o Tribunal de Justiça do Estado e com ele todos sempre procuram manter relações de boa vizinhança.

Cláudio Castro é acusado de desviar dinheiro público para promover sua candidatura nas eleições de 2022. Os desvios teriam ocorrido no Ceperj (Fundação Estadual de Estatísticas, Pesquisas e Formação de Servidores Públicos) e na Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro).

O relator afirmou categoricamente que as irregularidades apuradas provocaram quebra da igualdade na competição pelo voto. No entanto, os desembargadores contrários à cassação de Castro entenderam que os desvios não provocaram influência nas eleições de 2022. Como não? A influência é total e direta, como diria Nelson Rodrigues, o óbvio ululante.

O Ministério Público Eleitoral entende que Cláudio Castro foi o principal beneficiário do chamado “escândalo dos cargos secretos”. Segundo as investigações, o Ceperj e a Uerj foram instrumento político para se contratar milhares e milhares de cabos eleitorais. Os 2 órgãos foram fortalecidos com recursos oriundos da privatização da Cedae, 1 ano antes da eleição.

Segundo o relator, desembargador Simão, arquitetou-se um esquema muito bem engendrado para desequilibrar a disputa e favorecer a candidatura do governador. “Tudo ocorreu sorrateiramente, de forma obscura, com folhas de pagamento secretas, sem o mínimo da transparência”, disse.

Simão afirma que Castro e seus aliados “usaram e abusaram da máquina pública”, torrando dinheiro em “projetos mirabolantes” com pagamentos na boca do caixa e sem comprovação dos serviços. “Os investigados conseguiram infringir todos os princípios do artigo 37 da Constituição: moralidade, impessoalidade, legalidade, publicidade e eficiência”, resumiu.

A defesa de Castro sintomaticamente negou irregularidades e alegou que ele teve uma vitória “acachapante”, com 2,6 milhões de votos de vantagem sobre o 2º colocado. Justamente, com o uso abusivo do poder, com uso da máquina pública para se manter no poder, o governador obteve vantagens que seus oponentes não dispunham. Uso do poder visando ao autobenefício: em vez de servir ao povo, serviu-se do poder.

castro

Uma das juízas afirmou em seu voto que os 30.000 contratados irregularmente pelo Ceperj e pela Uerj representavam um número insignificante diante da grandeza dos mais de 2 milhões de votos de diferença que elegeram Cláudio Castro.

É inacreditável que um magistrado que integre o sistema de Justiça Eleitoral utilize tal espécie de argumento. Obviamente que as 30.000 pessoas representam muito mais que 30.000 votos. Essas pessoas lideram comunidades, são cabos eleitorais, muitas delas são influenciadores digitais com milhões de seguidores, que representaram, no fim, números muito maiores.

Alguns dos cabos eleitorais, como líderes religiosos, comunitários ou até mesmo milicianos, controlam diretamente seus eleitores e costumam ofertar grupos eleitorais inteiros em lotes por “porteira fechada” de gado eleitoral aos políticos. Qualquer um que já tenha vivenciado campanhas eleitorais sabe disso.

No Rio de Janeiro de Moreira Franco, de Antony Garotinho, de Rosinha Garotinho, de Pezão, de Sergio Cabral e de Wilson Witzel, governadores sequencialmente retirados do poder em virtude do cometimento de atos de corrupção, Cláudio Castro conseguiu mais um breve respiro.

Nesse cenário de excesso de provas devastadoras contra si, mesmo diante de um voto arrasador do relator, por 4 a 3 o governador conseguiu se salvar, ao menos até o julgamento do caso pelo TSE, em virtude do recurso do MP Eleitoral. Mas a sociedade fluminense tem convicção de que, em Brasília, a prevalência do interesse público falará mais alto.