Fonte: Migalhas - 26/11/2025

gilda f ferraz

Cargo de confiança exige poderes de gestão, investidura formal e gratificação mínima; jornada e direitos variam conforme CLT e setor bancário.

"Ame tudo, confie em alguns, não faça mal a ninguém." William Shakespeare

A CLT - Consolidação das Leis do Trabalho disciplina o regime excepcional dos chamados cargos de confiança, especialmente no art. 62, II e parágrafos, que exclui determinados empregados do controle de jornada. Há ainda regra específica para bancários no art. 224, §2º e §3º. A matéria relaciona-se, também, com os arts. 457, 468 e 499 da CLT, e com os direitos constitucionais do art. 7º, incisos XIII, XIV e XVI.

O empregado em "cargo de gestão" (art. 62, II) é aquele investido em função de direção, gerência, chefia ou equivalente, detentor de fidúcia especial superior à inerente ao contrato comum e dotado de poderes de mando, representação ou substituição do empregador. 

Distingue-se da fidúcia ordinária e do cargo de confiança bancário do art. 224, que tem disciplina própria de jornada. 

Para o enquadramento no art. 62, II, a jurisprudência exige requisitos cumulativos: 

Fidúcia especial com efetivos poderes de gestão - decisão, comando de pessoas, alçadas financeiras, possibilidade de aplicar penalidades e representar a empresa; 
Investidura formal mediante ato expresso, com descrição de atribuições e posição hierárquica diferenciada; 
Remuneração com gratificação de função mínima de 40% sobre o salário do cargo efetivo; 
Correspondência entre a prática cotidiana e o título, pois a realidade fática prevalece sobre a mera denominação.
Reconhecido o enquadramento, produzem-se efeitos jurídicos específicos: o empregado fica excluído do regime de controle de jornada, não se aplicando limites de 8 horas diárias e 44 semanais nem o adicional de horas extras, preservados, contudo, direitos como repouso semanal, férias, 13º e FGTS. 

Embora dispensado o ponto, a compatibilidade das funções com o regime excepcional deve ser demonstrada pela empresa. 

A gratificação de função integra a remuneração e compõe a base de cálculo de férias acrescidas de 1/3, 13º, FGTS e aviso-prévio quando paga com habitualidade.

No setor bancário, a regra geral fixa jornada de 6 horas diárias e 30 semanais. O art. 224, §2º, prevê um cargo de confiança bancário com fidúcia diferenciada e gratificação mínima de 1/3 do salário, hipótese em que a jornada passa a 8 horas sem pagamento da 7ª e 8ª horas como extras. 

Quando o bancário exerce poderes típicos de alta gestão e percebe gratificação mínima de 40%, aplica-se o art. 62, II, com exclusão total do capítulo de jornada.

O ônus de comprovar (onus probandi) o enquadramento é do empregador. Não bastam títulos formais; vigora o princípio da primazia da realidade. 

São indicadores relevantes: poder de admitir e dispensar, aplicar sanções, representar a empresa, autonomia para decisões estratégicas, ausência de fiscalização rígida de horário, participação em comitês de gestão e alçadas financeiras compatíveis. 

É comum a descaracterização quando se trata de chefias meramente técnicas ou líderes operacionais sem poderes decisórios, quando a gratificação é inferior aos patamares legais (40% no art. 62, II; 1/3 no art. 224, §2º) ou quando há manutenção de controle estrito de ponto.

Quanto à gratificação de função, a alteração contratual lesiva é vedada (art. 468). 

Se o empregado permanece na função, a supressão ou redução da gratificação tende a ser ilícita. 

A reversão ao cargo efetivo autoriza, em regra, a supressão, observados limites legais e convencionais e eventuais garantias de estabilidade financeira previstas em norma coletiva. 

A habitualidade do pagamento implica sua integração para os fins correspondentes durante o período em que foi percebida.

Por outro lado, normas coletivas podem detalhar critérios de enquadramento, percentuais superiores, processos de designação e garantias de estabilidade financeira, prevalecendo quando mais favoráveis. 

Políticas internas e organogramas auxiliam a demonstrar a estrutura de gestão, mas não substituem a prova do exercício real dos poderes.

Do ponto de vista do empregador, os principais riscos do enquadramento indevido são sem sombra de dúvida o passivo por horas extras, adicional noturno, intervalos e diferenças de gratificação. 

Boas práticas incluem formalização clara da designação, descrição objetiva de atribuições e poderes, pagamento da gratificação mínima, evitar controle rígido de ponto, revisão periódica da aderência fática, treinamento de RH e liderança e guarda de evidências sobre alçadas e decisões. 

Para o empregado, recomenda-se verificar a existência de efetivos poderes de gestão e da gratificação mínima aplicável, bem como registrar evidências de controle de jornada, subordinação intensa ou ausência de autonomia decisória, especialmente em discussões sobre descaracterização. 

Pois em alterações ou supressões de gratificação, é essencial avaliar se houve mudança real de função e potencial lesividade.

O cargo de confiança do art. 62, II exige fidúcia especial com poderes de gestão, investidura formal, gratificação mínima de 40% e prática cotidiana compatível. 

A ausência de qualquer elemento tende a reconduzir o empregado ao regime geral de jornada, com direito a horas extras. 

Entre bancários, o art. 224 estabelece regime próprio: com fidúcia diferenciada e gratificação mínima de 1/3, a jornada é de 8 horas; com poderes de alta gestão e gratificação de 40%, aplica-se o art. 62, II. 

Gilda Figueiredo Ferraz de Andrade
Migalheira desde abril/2020. Advogada, sócia fundadora do escritório Figueiredo Ferraz Advocacia. Graduação USP, Largo de São Francisco, em 1.981. Mestrado em Direito do Trabalho - USP. Conselheira da OAB/SP. Conselheira do IASP. Diretora da AATSP.

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