O tradicional e respeitado Instituto dos Advogados de São Paulo promoveu proveitosa mesa de debates focando o tema “Ética, Política e Democracia”. Participei do encontro debatendo o tema com os juristas Antônio José da Costa, Elias Farah e Paulo Henrique dos Santos Lucon. Com base nas pesquisas de opinião, procurei desenvolver as causas do descrédito em que caíram as autoridades e as instituições dos três poderes, consequência dos péssimos serviços oferecidos aos contribuintes e aos escândalos que pipocam com assustadora regularidade e acabam, como a voz das ruas batizou, em pizza.
A perniciosa corrente de tolerância para com a corrupção, o empreguismo desenfreado, o compadrio, a irresponsabilidade com as verbas públicas, o conjunto de abusos que configuram flagrante desrespeito ao cidadão e a impunidade exigem providências urgentes. Venho a propósito lembrar do diálogo entre dois personagens do dramaturgo alemão Bertold Brecht na peça Vida de Galileu. Um deles afirma enfaticamente: “Infeliz do país que não tem heróis”; e o outro rebate: “Não, amigo, infeliz do país que precisa de heróis”. Os intermitentes casos de corrupção nos cinco séculos de história e os problemas que ainda acontecem no cotidiano nacional demonstram que o Brasil — apesar de todos os esforços e avanços verificados na ética e na valorização da cidadania —, lamentavelmente, ainda se enquadra no segundo caso.
Seria muita ingenuidade supor que alguma nação consiga ter pleno êxito em suas metas de desenvolvimento, numa era cujo principal ícone é a consciência ética, sem que o princípio fundamental da ética esteja fortemente arraigado em todas as instituições. À humanidade do século 21, não interessam apenas as promessas de facilidades, progresso econômico, tecnologia de ponta e conforto contidos no ideário comunitário. Ser ético, correto e honesto é essencial.
De quem é a culpa pelo atual sistema político? Os principais culpados são os partidos que aceitam filiações irresponsáveis, funcionam como legendas de aluguel, abrem as portas aos arrecadadores de votos, meros candidatos iscas para robustecer a bancada partidária no Poder Legislativo. Os partidos políticos são cada vez menos representativos da comunidade. Representam a si mesmos. Vivem descolados da base social. O Brasil precisa com urgência passar a limpo o atual sistema político e reformá-lo.
A legislação posterior à de 1985 foi liberal. Enquanto o regime militar colocava obstáculos à organização e ao funcionamento dos partidos políticos, a legislação atual é pouco restritiva. O número de partidos políticos cresceu desordenadamente. Em 1979, existiam dois partidos; em 1986, 29; e hoje, mais de 40.
É preciso corrigir a distorção regional da representação popular. Temas relevantes permanecem na pauta da reforma do sistema político: alteração do sistema eleitoral; redução do número de partidos; reforço da fidelidade partidária e da fidelidade ao voto; eleição direta dos vices (República, governos estaduais e municipais); redução do mandato dos senadores para quatro anos e modificação do atual sistema de substituição e sucessão para o mais votado; proibição de reeleição dos parlamentares após dois mandatos. A introdução de um sistema eleitoral que combine o critério proporcional em vigor, com o majoritário, aproximando mais os representantes de seus eleitores e reforçando a disciplina partidária. Também relevante é o financiamento das campanhas eleitorais. Não é possível que a cada eleição tenhamos de assistir às mazelas em razão de problemas relacionados com o financiamento das campanhas eleitorais.
A verdadeira força de governantes e impérios, no dizer de H. G. Wells, não reside nos exércitos e nas armadas, mas no fato de os homens acreditarem que eles são inflexivelmente abertos, verdadeiros e legais. No momento que se afastam desse padrão, o governo passa a ser apenas a “gangue no poder” e seus dias estão contados. Os políticos precisam se conscientizar de que a “cidadania virou gente”, na feliz expressão do professor José Murilo de Carvalho (Cidadania no Brasil). A discussão da agenda de reforma política é inadiável.
Ruy Altenfelder - Presidente da Academia Paulista de Letras Jurídicas (APLJ), do Conselho Superior de Estudos Avançados (Consea/Fiesp) e membro do Conselho de Ética da Presidência da República