Fonte: Jornal SP Norte - 2 de agosto de 2024

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Muitas são as questões polêmicas causadoras de apoio ou oposição às decisões monocráticas, ou colegiadas do Supremo Tribunal Federal. Assim, temos o porte de maconha para uso próprio; o aborto, a prisão para evitar a fuga; a extradição de brasileiros que estão em outros países; o flagrante permanente; o conceito de “fake news e as verdade; a exclusão ou as exceções, de questões políticas, da competência judiciária; a interpretação construtiva; questões interpretativas e seus limites; a politização da justiça e o preparo do poder judiciário para decidir, como exceções, sem se transformar em, ou invadir as funções legislativas que decide de acordo com a oportunidade e a convivência; o respeito à separação de poderes, nos termos de Locke e Montesquieu e suas vicissitudes; respeito à vontade do legislador no tempo, à vontade popular, “communis opinio”; obediência às permissividades para um poder exercer funções de outros, sem extrapolar seus limites e penetrar no indesejável ativismo judiciário.

Estas entre outras polêmicas, poderão ser desenvolvidas. Entretanto, dado o espaço disponível para exposição, vamos destacar um dos grandes problemas vivenciados por nós, que apesar de décadas consumidas, no debate, não é intempestivo e muito menos anacrônico. Trata-se do aborto, por seu aspecto humanitário, doloroso em suas vertentes, incorrigíveis, no seu aspecto total. Não se trata de corrigir plenamente, mas do dilema para escolher a solução menos dolorosa para a mãe e para o nascituro, com todos os esclarecimentos e participação consciente da mãe e parentes próximos, após assistência médica, psicológica e religiosa.

Existem posições antagônicas a favor e contra o aborto, o momento a ser fixado para determinar a vida, sua proteção, como regra, e as exceções permissivas para sua interrupção. A discussão alcançou, hodiernamente, o Supremo Tribunal Federal e o Poder Legislativo.

Analisando os mais variados países, temos teses diversas sobre o início da vida, três dias, momento da concepção quando o espermatozoide encontra o óvulo, etc. Aceitando esta última hipótese, tem início e vai até o nascimento com vida para caracterizar o aborto, ou seja, interrupção da gravidez.

A vida tem proteção constitucional conforme artigo 5º, caput:
“Todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes” …
A garantia vai além, vedando a pena de morte no inciso XLVII, a, do artigo 5º, abrindo exceção para o caso de guerra declarada nos termos de artigo 84, inciso XIX:
Art. 5º, XLVII “não haverá penas: ‘a’. de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do artigo 84, inciso XIX”.
A proteção é assegurada, ainda pelo Pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário, Dec. 678/92, que estabelece, ao tratar do Direito à Vida, artigo 4 e 1:
“Toda pessoa tem o direito de que se respeite a sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente”

A regra é o direito à vida, entretanto há exceções, conforme vimos no caso de guerra declarada, bem como para o aborto legal, gravidez com risco de vida materno, resultado de estupro ou anencefalia do nascituro. Qual o impacto menos doloroso para a mulher, embora sempre penosa qualquer medida tomada? Os efeitos do estupro sempre permanecerão, mas deve-se suportar a gravidez e autorizar a adoção ou somar as dores do estupro à da execução do embrião, ou do feto, mesmo com mais de 22 semanas, conforme discussão atual? O mesmo pode-se dizer do anencéfalo, no sentido de aguardar o nascimento e seu fim natural.

O direito de informar e ser informada pertence à mulher, mas deve ser completo dos prós, contras, consequências imediatas e mediatas. Não deve ser parcial e sim total para que ela tome a decisão que achar correta.

Evitar o tratamento desumano, degradante, a tortura, a crueldade, com respeito à dignidade, previstos na Constituição federal, artigo 1º, III; 5º, III; 5º XLVI; 5º, XLVIII e Pacto de São José da Costa Rica 5, 1 e 2; 11 a 1, são deveres diante das mulheres, mas também dos fetos. Discute-se esses deveres, a adequação das penas; é importante a consideração da vítima e do agressor, com relação ao aborto, se é adulta, se é menor vulnerável, o grau de violência. As penas merecem uma classificação, proporcionalidade com relação ao estupro e o aborto, o aborto clandestino com deficiência dos profissionais e equipamentos, mas rigorosas ao estuprador.

Mais importante e mais democrática é a punição, a proteção da mãe com informações adequadas pelos médicos, psicólogos, familiares a fim de mitigar o sofrimento.

Diante do exposto, entre o alívio de se livrar da anencefalia ou do produto de estrupo e o pesadelo da forma de extermínio de uma vida, aguardar o nascimento, oferecer um fim digno ou autorizar a adoção será a solução menos dolorosa para a mãe e para o nascituro.