Fonte: Estadão/Opinião/Coluna: Espaço Aberto - 26/06/2024
Luiz Antonio Sampaio Gouveia – (Eleito para Cadeira nº 33 da APLJ)
Está prestes a ocorrer a transição de uma instituição protagonista da História para um cartel de grandes empresas de produção jurídica
As contradições sistêmicas marcam a dinâmica dos momentos de transição social e a crise se agudiza pelo momento de ocorrência dela. Essa afirmação é marcada e sociologicamente científica, enquanto marxiana, mas não marxista, em caráter ideológico. Refiro-me à decadência da Advocacia, que grafo com letras maiúsculas porque ainda é uma instituição constitucional. Nela estamos no ápice de um conflito social e histórico, que, agora, está prestes a encontrar o ponto de transição de uma instituição protagonista da História para um cartel de grandes empresas de produção jurídica, de feitio capitalista e distantes dos moldes em que a Advocacia se vocacionou, no Brasil, a ser paladina da Justiça e agente de transformações sociais. Tanto que ela foi legitimada a ser um dos agentes da arguição da constitucionalidade das leis, por força de uma Constituição em que ela foi a grande artífice de sua promulgação.
Dizem que fora o ministro Jarbas Passarinho, nos corredores das Arcadas, quem dissera a um professor de Direito que iria destruir a proeminência da Advocacia, no contexto social e político brasileiro. Em seguida aquele ministro da Educação turbinou a instalação de faculdades particulares de Direito, chamadas de final de semana, o que marcou a assunção de seus encargos, por uma massa de bacharéis em Direito que muito pouco tivera consciência do que seria a Advocacia e o papel do advogado, formando leguleios, desconhecedores do Direito e, pior, da finalidade e filosofia da lei.
O molde de explosão do Direito e da cultura brasileira descarrilhou-se da universidade pública, leiga e gratuita para um ensino superior desvinculado das bases de nossa formação educacional e desprezando o ensino básico. Passamos a ser, em realidade, o país dos bacharéis, no meio de uma massa analfabeta e semiletrada. Fez-se a cereja do bolo antes de que fosse feita sua própria massa.
Assim, a Advocacia foi se proletarizando, até o ponto em que sua principal entidade de representação, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), foi se afastando de suas missões constitucionais, para se transformar por suas seções e subseções em verdadeiras organizações não governamentais, omitindo-se mesmo em pautar e pontuar um Poder Judiciário, tão afastado de sua missão pública, que faz da jurisdição, algo existente para o mundo dos juízes, nada referentemente ao jurisdicionado, regra geral.
Mas a transição está na reforma tributária que tantos divinizam pelo desconhecimento (embora inspirada na ideia de uma base ampla de tributação e uso integral de crédito, que pode salvar a indústria brasileira ou instituir a restituição de impostos aos mais pobres, aqueles cuja renda média salarial familiar por cabeça não seja superior a meio salário mínimo, fazendo justiça social), mas que com a Advocacia é externamente cruel. Da alíquota padrão do IVA, de 27%, vamos pagar 70% dela sobre nossas receitas em substituição ao ISS, que, em São Paulo, cobra-se a uma taxa fixa por advogado. Deveremos emitir notas fiscais de nossos serviços, imediatamente tributados por sistema digital, propiciando de imediato a digitalização de nossas notas de serviços, e continuaremos a pagar imposto de renda e, logo mais, ainda sofreremos imposto de renda em nossos dividendos, com que nos pagamos nós, advogados associados.
Esse momento marcará a transição da Advocacia para uma atividade proletária ou de estrutura capitalista, a ver as grandes firmas de advogados, muito embora tenha ela ainda função constitucional em prol da Justiça. Ironia! Igrejas, por exemplo, são isentas de qualquer tributo e nelas deve vicejar mundo tão livre de circulação de riquezas nem sempre destinadas à mera religiosidade do povo. Outras isenções tributárias constitucionais há. Se a grande questão da reforma tributária é a base ampla de tributação e o uso integral de crédito a evitar a cumulatividade tributária, que é a restituição ao contribuinte de imposto de consumo pago anteriormente na aquisição de insumos, nós, advogados, temos como único insumo para nossa produção nosso cérebro aculturalizado no Direito. Mas pagar impostos sem crédito de restituição do imposto a pagar somente nós, os advogados, estaremos nessa derrama.
Somos, pois, os maiores prejudicados com essa reforma. Até catadores de lixo, que se espera que paguem impostos, terão valores de créditos presumidos. Nós, não! Nós, advogados, temos vergonha de nos assumirmos advogados. É hora se subirmos às tribunas e dizer de nossa marginalização tributária. Do quanto já fizemos pelo Brasil e do quanto ainda iremos fazer. Deixar as coisas como estão é ver em breve massas de advogados miseráveis e um país mal servido de Justiça. Prejudicando-se a cidadania, pois a Advocacia é instituição constitucional como o Poder Judiciário e dínamo da Justiça, e a OAB, pelos advogados, é órgão público independente do Poder. Instituição profissional em que estão previstas em seus estatutos funções de guardiã da Constituição da República Federativa do Brasil.