Essa proposta de Reforma Tributária promove a fusão de tributos incidentes sobre o consumo, abarcando o PIS, a COFINS, o IPI, o ICMS e o ISS para formar o imposto sobre Operações de Bens e Serviços - IBS - de competência da União.
Continuam intocáveis os tributos vigentes a serem arrecadados simultaneamente com o novo imposto ao longo de dez anos até que se faça a substituição dos tributos afetados pela PEC.
Portanto, a reforma proposta é parcial, mas ela desmonta o Sistema Tributário Nacional vigente fazendo ruir por terra conceitos tributários construídos pela doutrina e pela jurisprudência ao longo desses 31 anos.
O pior defeito dessa PEC é que, ao retirar dos Estados e dos Municípios os impostos de sua maior arrecadação, afronta a forma federativa do Estado protegida em nível de cláusula pétrea (art. 60, § 4º, I da CF).
De fato, suprimir o ICMS que representa 88% da arrecadação tributária estadual, bem como, retirar o ISS, responsável por 43%% da arrecadação tributária Municipal é atentar contra o princípio federativo. Acrescente-se que o Estado perde indiretamente a sua participação do produto de arrecadação do IPI, da mesma forma que o Município perde, também, essa mesma participação, além de ver suprimida sua participação de 25% no produto de arrecadação do ICMS. Evidente, pois, que essa PEC enfraquece a autonomia em independência dos Estados e Municípios que no entender da suprema Corte equivale à medida “tendente a abolir a forma federativa de Estado” (ADI MC 926-5).
Sabedor desse fato o autor da proposta previu um prazo de 50 anos para a União repor a perda arrecadatória dos Estados. Nada dispõe acerca de prejuízos sofridos pelos Municípios, porque o autor da PEC nº 45 desconhece que o Município integra a Federação Brasileira como ente político independente e autônomo, e não como uma simples circunscrição administrativa do Estado, como acontece nos países europeus, de onde foi importada a idéia do IVA, com o nome de IBS.
Ora, não é razoável e nem racional provocar a quebradeira dos Estados- membros para ao depois promover a sua recuperação ao longo de 50 anos que, com toda certeza, transformar-se-á em uma guerra de 100 anos dado o notório dinamismo dos fenômenos econômicos a inviabilizar qualquer planejamento ao longo prazo.
Procurando conferir caráter nacional a este imposto federal a PEC nº 45 acena com um Comitê gestor formado por representante da União, dos 27 Estados e dos 5.600 Municípios que promoverá a fiscalização, arrecadação e a partilha do produto de arrecadação do IBS, na forma da lei complementar, conferindo-lhe, também, o poder normativo.
E considerando o longo período de transição de um regime para outro, sendo os dois primeiros anos na base de acerto/erro, pode-se vislumbrar, desde logo, o cipoal de normas a serem produzidas em escala industrial por esse Comitê Gestor, decuplicando o nível de complexidade da legislação tributária.
Na verdade, o autor da proposta partiu do pressuposto de que, na prática, a União será o único gestor desse imposto novo por ser a titular da competência tributária. Tanto é que para a representação extrajudicial esse Comitê Gestor deverá ser composto por representantes pertencentes ao quadro de fiscalização (auditores, agentes fiscais de rendas e inspetores fiscais), ao passo que, para a representação judicial ele deverá ser composto por servidores públicos detentores do poder de postular em juízo (Procuradores fiscais). Seriam, portanto, dois Comitês Gestores.
No mais, essa PEC de nº 45 suprime doze preceitos constitucionais e em seu lugar cria 140 preceitos novos. Além disso, introduz 40 conceitos novos em matéria tributária.
Se considerarmos que o STF levou mais de duas décadas para assentar em definitivo o conceito sobre “circulação de mercadorias”, pode-se imaginar o enorme tempo necessário para pacificar mais de 40 novos conceitos.
Apesar de os defensores desse PEC nº 45 afirmarem que ela é baseada no modelo europeu, dela difere em seu ponto fundamental que diz respeito à flexibilização das alíquotas para os diferentes setores da atividade.
A proposta em discussão na Câmara Federal fixa uma alíquota base de 25 % para todos os bens e serviços, afetando violentamente a capacidade contributiva dos rurícolas que passarão a pagar o IPI. Os mais atingidos serão os prestadores de serviços que serão onerados em cerca de 300% pela inclusão do IPI e do ICMS. Os profissionais liberais sofrerão um aumento de cerca 693% por conta da inclusão do PIS/COFINS, além do IPI e do ICMS. Onde a apregoado justiça fiscal?
E mais, a PEC nº 45 veda o incentivo fiscal de qualquer espécie, conspirando contra o art. 151 da CF que visa a redução gradual das desigualdades socioeconômicas entre as diferentes regiões do País objetivando a integração nacional e conseqüente fortalecimento do Poder Nacional.
A reforma tributária é urgente e necessária, para simplificar e reduzir a incrível carga burocrática que tanto emperra as atividades econômicas. Só que não se pode em nome da simplificação destruir a forma federativa do Estado e colocar de cabeça para baixo o Sistema Tributário Nacional esculpido, com maestria, pelo legislador constituinte originário.
Na verdade, a complexidade do Sistema Tributário vigente reside no plano infraconstitucional que pode ser resolvida por leis, ordinária e complementar. No plano constitucional basta simples emendas pontuais, quer para explicitar o conteúdo das normas de natureza tributária, quer para prevenir a formação de jurisprudência atentatória ao Sistema Tributário Nacional como um todo, por meio de interpretações tangenciais.
Positivamente, essa auto denominada Reforma Tributária precisa ser repensada, não podendo ser deliberada e aprovada a toque de caixa como pretendem seus defensores.
Kiyoshi Harada -Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário – IBEDAFT SP 2-10-19.