Fonte: Estadão – Blog do Fausto Macedo/ Opinião – 12/06/2025
Se a relação evoluiu, quando passou a existir efetivamente a união estável? As dificuldades na diferenciação entre namoro e união estável são tremendas e preocupantes, abalam emocionalmente quem quer somente namorar e sabe dessas confusões, levando ao celibato sentimental.
O Código Civil tem a maior relevância porque regula as relações jurídicas das pessoas antes do seu nascimento, durante toda a sua existência e após a sua morte.
Por isso, o inesquecível professor Miguel Reale inspirou a melhor denominação desse diploma legal: a “Constituição do Cidadão”.
Muito embora o PL 04/2025, que tramita no Senado, tenha recebido a denominação de atualização do Código Civil, pode ser considerado um novo Código Civil, não só porque realiza mais de 1.100 propostas de alterações, revogações e inserções de normas, ou seja, a modificação, muitas vezes radical, de mais da metade dos artigos vigentes, mas, também, em razão das alterações estruturais que propõe.
No entanto, mesmo que se possa considerar um novo Código, por ter sido protocolado como projeto de atualização, sua tramitação, pelo regimento do Congresso, não pode limitar-se a uma Comissão Especial e à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, e, logo após, ser posto em votação no Plenário, devendo passar por todas as comissões temáticas pertinentes às matérias de que trata, cuja extensão efetivamente exige amplo debate, sendo totalmente descabido regime de urgência.
Afinal, a reestruturação proposta atinge todas as áreas do Direito Civil, desde a parte geral, as obrigações, os contratos e a responsabilidade civil até as relações de família e as heranças, incluindo o direito digital.
Note-se que o anteprojeto que deu origem ao PL 04/2025 foi apresentado ao Senado após somente cerca de sete meses da formação de comissão externa de juristas, tempo evidentemente insuficiente ao amplo debate, à reflexão e à formulação de tantas propostas legislativas.
A Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS) acompanha essas proposições desde o seu anteprojeto, tendo realizado sugestões legislativas no direito de família e das sucessões, a convite do senador Rodrigo Pacheco, por meio de ofício firmado pelo ministro Luis Felipe Salomão, mas continua a se manifestar no que é necessário para a sociedade brasileira.
Espera-se que sejam possibilitados amplos debates em audiências públicas e a apresentação de emendas no Senado, sem que haja apreciação em regime de urgência.
O PL 04/2025 propõe mudanças radicais nesse diploma legal, o que demanda reflexões abrangentes e profundas, com audiências públicas e debates entre as várias correntes de pensamento, a serem realizados nas comissões pertinentes do Senado.
Algumas das sugestões realizadas pela ADFAS foram acolhidas no projeto em tela. Esse acolhimento deu-se em especial em razão da dedicação da professora doutora Rosa Nery, sua Conselheira Científica, que foi designada como Relatora Geral no anteprojeto.
Porém, ainda são necessários muitos aperfeiçoamentos, para que o projeto possa atender, com segurança jurídica, o escopo de bem atualizar o Código Civil.
As propostas da ADFAS se concentram nos Livros do Direito de Família e do Direito das Sucessões, sendo realizadas em conformidade com as transformações e os anseios da sociedade brasileira, com os olhos voltados aos mais vulneráveis, sempre em busca de segurança jurídica e da proteção da pessoa humana.
Tratando da união estável, que é uma situação de fato, que se constitui e desconstitui no plano meramente fático, sua formação tem requisitos frouxos desde 1996, que não podem permanecer na legislação diante dos mesmos efeitos que tem do casamento, que é um ato solene, que tem início e fim marcado por formalidades.
Entre esses mesmos efeitos estão a comunhão parcial de bens, a pensão alimentícia e o direito à herança.
Para que exista a união estável segundo a norma legal vigente, que é uma cláusula aberta à interpretação judicial, é necessário apenas que a relação seja pública, contínua, duradoura e com o objetivo de constituição de família.
Que durabilidade seria essa? Não há prazo mínimo de duração da relação, tampouco a necessidade de que o casal more no mesmo local. Essa frouxidão nos requisitos é inédita em relação a outros países, como Argentina, Espanha, Peru, Portugal e Uruguai. E o PL 04/2025 mantém a omissão legal sobre o tempo mínimo de duração da união estável.
Diante dessa regulamentação insuficiente, um namoro, que não tem qualquer efeito jurídico, é facilmente confundido com uma união estável, gerando judicialização e podendo causar injustiças, sendo a atualização do Código Civil a melhor oportunidade para que essa confusão termine.
Para que se tenha uma ideia da judicialização, chegou ao Superior Tribunal de Justiça, percorrendo todas as instâncias judiciais, um caso em que havia somente dois meses de relacionamento, com duas semanas de moradia sob o mesmo teto, o que, obviamente decorre da fragilidade dos requisitos da união estável, ocupando o Poder Judiciário, já muito assoberbado, com processos desse tipo (STJ, REsp 1.761.887/MS, Quarta Turma, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, j. 06/08/2019).
Como sabemos, hoje em dia, os namoros têm costumes de muita intimidade, com pernoites na casa de um do outro, além da natural convivência entre as famílias dos namorados. Namoros podem ou não evoluir para uma união estável. Há namoro ou união estável, eis a questão!
Se a relação evoluiu, quando passou a existir efetivamente a união estável?
As dificuldades na diferenciação entre namoro e união estável são tremendas e altamente preocupantes, abalam emocionalmente quem quer somente namorar e sabe dessas confusões, levando ao celibato sentimental.
Afinal, se um namoro, que não tem efeitos jurídicos, for considerado união estável, haverá injusta comunhão de bens, direito à pensão alimentícia e até mesmo à herança. Isto é desprestígio ao afeto causado por norma que só aparentemente incentiva e protege as relações afetivas.
É indispensável a fixação de prazo mínimo de duração da relação, que se sugere seja de dois anos.
Não há no sistema atual a necessidade de que o casal more sob o mesmo teto. Embora o PL 04/2025 proponha que o domicílio do casal seja escolhido por ambos os conviventes, podendo um e outro ausentar-se para atender a encargos públicos, ao exercício de sua profissão, ou a interesses particulares relevantes, tendo em vista que uma pessoa pode ter dois domicílios ou residências habituais, essa proposta é insuficiente, sendo recomendável que a moradia sob o mesmo teto conste expressamente da norma que regulamenta os requisitos da união estável.
Em face das sugestões legislativas da ADFAS, realizadas durante a fase do anteprojeto, o mero objetivo de constituição de família, constante da norma atual, foi substituído por existência de família, o que melhora, mas não é suficiente para evitar as confusões entre namoro e união estável e dar segurança jurídica às pessoas que têm relações afetivas.
Aproveitemos a oportunidade de tramitação do PL de atualização ou reforma, ou o novo Código Civil, para aprimorar os requisitos da união estável, este é o melhor momento, cabendo ao Senado realizar as emendas necessárias para diminuir a judicialização e evitar injustiças nos processos judiciais.