A EC nº 132/2023 que aprovou a reforma tributária parcial, centrada nos tributos sobre o consumo (IPI, contribuições sociais do PIS/COFINS, ICMS e ISS), nada tem de reforma do sistema tributário vigente.
Trata-se de projeto de poder para perpetuação no poder dos atuais integrantes da oligarquia que tomou de assalto o aparelhamento do Estado.
Essa oligarquia, composta de membros de poder e burocratas que habitam o andar de cima da sociedade brasileira e escraviza o resto da sociedade que habita o andar de baixo, transformando seus membros em meros objetos de direito, identificados com o carimbo de CPF nas costas, destinados a produzir riquezas que são avidamente consumidas pelos oligarcas que habitam o andar de cima e vivem como nababos, enquanto 30 milhões, dentre os que habitam o andar de baixo, não têm o mínimo do mínimo indispensável para viverem com dignidade, segundo a proclamação do poético art. 170 da Constituição Cidadã.
Os que habitam o andar de baixo só adquirem a cidadania voltando a ser sujeitos de direitos nas vésperas eleitorais para cumprirem o sagrado dever de eleger, por meio de voto de cabresto, os mesmos oligarcas aboletados no poder.
Se no passado remoto o voto de cabresto era representado pelo coronelismo, hoje, ele é representado pela multidão de miseráveis cuidadosa e pacientemente cultivados pelo oligarcas que os alimentam com o dinheiro tomado da população em geral. Nada mudou!
A EC nº 132/2023 representou o embrião do inferno fiscal que foi crescendo com o passar do tempo. Ela contém 23 artigos e nada menos que 491 normas constitucionais.
O PLP nº 68/2024, que institui o IBS, a CBS e o IS, decuplicou o inferno fiscal por meio de 499 artigos e 5.000 normas.
Agora veio a grande pérola da reforma tributária, o projeto legislativo de nº 61/2024, que institui o Comitê Gestor, espécie de leão com cabeça de avestruz, e incursiona na área do CTN editando 197 artigos e despejando cerca de 2.000 normas para aperfeiçoar o inferno fiscal somando, até agora, cerca de 7.500 normas para regular o novo imposto copiado do IVA europeu. Esse último projeto não acertou sequer na numeração do projeto legislativo que retrocedeu para o nº 61/2024.
Copiar, por si só, não é um mal, afinal no mundo nada se cria, tudo se copia. O que não entra na cabeça do cidadão comum é que os copistas não tiveram o mínimo de inteligência para, no momento de lucidez, fazer a adaptação daquele IVA importado para a realidade da Federação Brasileira. Era só instituir um IBS para cada ente político componente da Federação como cansamos de preconizar. Os estados só precisariam mudar o ICMS para IBS e os município mudar o ISS para IBS. Nada mais. A figura mitológica do Comitê Gestor que devora mais da metade da arrecadação do novo imposto seria dispensável. Esse Comitê Gestor compõe-se de centenas de órgãos se ser viços espalhados pelo território nacional, desde Secretaria Geral, Diretoria Executiva, Corregedoria Geral que se subdividem em departamentos, divisões e seções. É presido por um Presidente de notório conhecimento em finanças públicas.
Esse Comitê Gestor inventado para alimentar os milhares de integrantes da oligarquia, abocanha 60% do IBS a ser arrecadado em 2026; 50% do imposto a ser arrecadado nos exercícios de 2027 a 2028; e 2% do IBS a ser arrecadado em 2029 para cumprir a sua missão de destruir a autonomia dos estados e dos municípios e ao mesmo tempo infernizar a vida do contribuinte que, até agora, apesar das 7.500 normas editadas, não sabe ao certo em que hipóteses deve-se pagar o IBS, porque os burocratas não souberam definir com precisão o fato gerador desse imposto.
Vejam os arts. 5º e 6º do PLP nº 68/2024 que versam sobre a matéria que deixam em aberto as hipóteses de incidência tributária. É simplesmente espantosa a burrice que norteou a ação desses burocratas que vivem de “sombra e água fresca” e fazem estragos nas horas vagas.
Como costuma dizer o meu amigo tributarista, o IBS é um “i” de imbecil.
Falta mais uma regulamentação da EC nº 132/2023 para o Satanás completar a sua obra para extorquir o dinheiro do contribuinte na base da confusão.
Temos um imposto único no mundo, onde três entidades políticas e um órgão federal se revezam na instituição e cobrança do IBS: a União institui o imposto, mas não pode instituir alíquotas, nem fiscalizar e arrecadar; os estados e municípios criam as alíquotas e fiscalizam, mas não podem arrecadar, nem julgar os processos administrativos tributários resultantes de autos de infração lavrados; finalmente o Comitê Gestor promove a arrecadação, a partilha do produto arrecadado e julga os processos administrativos oriundos de autos de infração lavrados por estados e municípios.
Há uma sucessão contínua de entes políticos e órgão federal se revezando no curso das etapas de instituição, fiscalização e arrecadação. Os burocratas, com toda certeza, se inspiraram no revezamento da tocha olímpica! É a única explicação plausível.
Esse Comitê Gestor é um órgão camaleão. Quando no exercício da representação extrajudicial tem na sua composição os integrantes da administração tributária dos estados e dos municípios. Quando no exercício da representação judicial conta com os integrantes da procuradoria fiscal dos estados e municípios.
O Comitê Gestor arrecada pela soma das alíquotas dos estados e dos municípios, porém cinde o processo administrativo tributário em processo estadual e processo municipal com composições diferentes como retromencionado.
Ante tamanha violação da ordem constitucional não se sabe porque a OAB se mantém silente até agora. Está de olho no quinto constitucional considerando que o STJ deverá sofrer ampliação em função desse IBS tresloucado? Não sabemos.
Admirável a paciência e tolerância do pacato povo brasileiro que aceita passivamente o entulho autoritário dos formuladores da reforma tributária que, até hoje, não se dignaram em ouvir os especialistas e as pessoas ligadas ao mundo acadêmico, todos eles alijados da discussão travada intramuros.
SP, 17-6-2024.
* Texto publicado no Migalhas, edição nº 5.874 de 19-6-2024.