Crédito: Jornal SP Norte - 4 de novembro de 2021foto dirceo to ad05d

Após quase seis meses de trabalhos, da Comissão Parlamentar de Inquérito, o debate continua com novas questões. Os membros antigovernistas insinuam com um pedido de “impeachment”, o Procurador Geral da República, se este não oferecer a denúncia pelos crimes relatados ao final dos trabalhos. Afirmam, ainda, a proposição de Ação Penal Pública, subsidiária, diretamente ao Supremo Tribunal Federal, diante do possível arquivamento do relatório. Acenam, também, pela ação diante do Tribunal Penal Internacional – TPI.

Coloca-se, em dúvida, a possibilidade jurídica das pretensões oposicionistas, vez que o TPI já tenha recusado denúncias contra o Presidente da República. Um dos argumentos foi que os atos praticados não eram crimes e seria um desafio fazer o Tribunal olhar para um país possuidor de instituições democráticas. Ainda mais, os representantes da situação elaboraram um relatório paralelo, com apoio em juristas, negando imputações dirigidas ao Presidente da República.

COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO. A solução exige do hermeneuta a exegese sistemática das normas constitucionais e infraconstitucionais, obedecendo a hierarquia e as técnicas de interpretação. Diz o artigo 58, § 3º, da Constituição Federal:

“As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores”.

Depreendem-se do texto algumas dúvidas. Por exemplo: se os poderes são de autoridades – julgadoras ou autoridades de polícia judiciária, porque as conclusões do inquérito serão enviadas ao Ministério Público para promover as responsabilidade civil ou criminal dos infratores, denunciando ou não, encaminhando, posteriormente, se positiva, ao julgamento pelos magistrados. Expressa, o mandamento, responsabilidade civil ou criminal, mas não esclarece sobre o crime de responsabilidade. Entretanto, conclui-se devido o envio ao Ministério Público e neste caso deveria ser dirigido à Câmara dos Deputados, em consonância com o artigo 86 da Lei Maior:

“Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade”

Verifica-se que ao tratar do Presidente da República, não cabe a instauração de Comissão Parlamentar de Inquérito, seja crime comum ou de responsabilidade. Há uma regra geral para os infratores no artigo 58, § 3º CF e uma exceção em regra específica, no artigo 86 CF., para o Chefe do Executivo. Por essa razão o artigo 13.3 da Lei de Impeachment estabelece como crime de responsabilidade dos Ministros do Estado:

13.3 “a falta de comparecimento sem justificação, perante a Câmara dos Deputados ou Senado Federal ou qualquer de suas comissões, quando uma ou outra Casa do Congresso os convocar para, pessoalmente, prestarem informações acerca de assunto previamente determinado”.

            É uma imposição aos Ministros como crime de responsabilidade, que não consta para o Presidente da República – art. 4º da Lei 1.079/50. As acusações deverão ser enviadas, pelo Ministério Público, que após apuração oferecerá ou não a denúncia ou por qualquer cidadão, à Câmara Federal e esta admitindo por dois terços enviará ao Supremo Tribunal Federal para julgamento das infrações penais comuns ou para o Senado Federal nos crimes de responsabilidade.

No mesmo sentido o artigo 14 da Lei número 1.079, de 10 de abril de 1950, conhecida como “Lei do Impeachment”:

 “É permitido a qualquer cidadão denunciar o Presidente da República ou Ministro de Estado, por crime de responsabilidade, perante a Câmara dos Deputados.”

AÇÃO PENAL PÚBLICA SUBSIDIÁRIA. Expressa o artigo 129, inciso I, do Texto Magno:

Art. 129. “São funções institucionais do Ministério Público:

  1. promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei”

Destaca-se a função privativa e a ação penal pública. Não se confundir com ação civil. Para maior esclarecimento, convém lembrar o § 1º, do art. 129, CF:

“A legitimação do Ministério Público para as ações civis previstas neste artigo não impede a de terceiros, nas mesmas hipóteses, segundo o disposto nesta Constituição e na lei”

Ficou evidente, pelos textos expostos que as ações penais públicas são privativas, do Ministério Público; pode-se dizer exclusivas, não permitem delegação. Essa permissividade, para Ações Subsidiárias, limita-se às ações civis.

A Constituição Federal, no artigo 5º, LIX, admite ação privada, nos crimes de ação pública, apenas no caso desta não ser intentada no prazo legal. Todavia, exercendo o Procurador Geral da República, tempestivamente, sua legitimação, arquivando, denunciando ou requerendo diligências, a hipótese restará afastada.

Pelo exposto, considerando as técnicas interpretativas, gramatical, histórica, lógico-sistemática, teleológica, a hierarquia das normas, os princípios gerais do direito, a analogia e a equidade, conclui-se que a Comissão do Senado extrapolou, juridicamente, suas competências nas acusações, não poderá utilizar-se da Ação Civil ou Penal Pública Subsidiária para matéria de crime comum ou de responsabilidade, não poderá ir ao TPI – TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL, que rejeitou a imputabilidade anteriormente e se exercer pressão, com ameaça ao Procurador Geral da República, de pedido de “impeachment”, se não oferecer as denúncias, comprometendo sua isenção, sua liberdade na função, será um ato reprovável pretendendo interferir na autonomia do Ministério Público.

foto dirceo t ea8eeFoto: Senado Federal - Dircêo Torrecillas Ramos

Graduado pela PUC-SP; Mestre, Doutor, Livre-Docente pela USP; Professor convidado PUC-PÓS; foi Professor na FGV por 25 anos; Membro do Conselho Superior de Direito da Fecomercio; Conselheiro do Conselho Superior de Estudos Avançados – CONSEA da FIESP – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo; Membro da APLJ – Academia Paulista de Letras Jurídicas; Membro do IASP – Instituto dos Advogados de São Paulo; IPSA – International Political Science Association; APSA – American Political Science Association e Correspondent of the Center for the Study of Federalism – Philadelphia USA; Foi vice-presidente da Associação Brasileira dos Constitucionalistas; Presidiu várias Comissões na OAB.

Autor dos Livros: Autoritarismo e Democracia, Remédios Constitucionais, O Controle de Constitucionalidade por Via de Ação, Federalismo Assimétrico e A Federalização das Novas Comunidades – A Questão da Soberania. Coordenador e co-autor de dezenas de obras. Possui mais de 800 artigos publicados em jornais, revistas e livros do Brasil e exterior.