Fonte: Poder 360 - 23/5/2023
Há momentos em que a palavra é prata, mas o silêncio é ouro, escreve Roberto Livianu.
Forrest se olhava no espelho longamente e dava a última ajeitada na gravata borboleta bordô com bolinhas, que adornava a camisa branca no terno marinho. Borrifava seiva de alfazema, pois precisava estar impecável na posse como diretor da editora da universidade, cargo pelo qual ansiava há anos.
Perfilado ao lado do reitor e de outros professores, cantou o hino nacional com a mão no coração, com emoção juvenil, assinando, na sequência, o termo de posse. Fez uso da palavra, citando oradores gregos e romanos, a ponto de criar desconforto na plateia pelo discurso que não terminava. Tentava-se o corte pelos aplausos, mas ele parecia simplesmente hipnotizado pelo som da própria voz.
Até que o magnífico reitor, ao notar pessoas bufando, mulheres se abanando e outros revirando os olhos, ele em pessoa interrompeu a agonia e retomou a palavra, depois de quase 50 minutos de palavrório. Deu os parabéns ao diretor pela posse e agradeceu por sua devoção sacerdotal à universidade ao longo das décadas.
Tinha início ali o suplício dos autores que pretendessem ver suas obras publicadas pela editora. A obtenção da aprovação para publicação de um livro impresso por Forrest seria mais difícil que romper a barreira do som. Eram tamanhas as dificuldades, os obstáculos, as implicâncias, que muitos desistiam pelo caminho. Eis um homem que valorizava ao extremo seu poder.
Havia projetos que mofariam por longo tempo nas despóticas gavetas, para que se respondesse negativamente aos proponentes. Em outros casos, eram literalmente enrolados nas falsas expectativas e invariavelmente, os esboços de livros envelheciam ali, perdiam frescor, em virtude daquela atitude nada transparente, muito menos democrática, que obstruía a publicação dos livros no tempo devido.
Sem cerimônia, o novo todo-poderoso diretor implicava com qualquer detalhe com o qual cismasse. Tonalidade de cor de capa, tipo de imagem utilizada, ou até ângulos ou formatos geométricos das figuras escolhidas pelos designers. Tudo era motivo para criar caso. Um livro com prefácio de uma poderosa autoridade estava sendo barrado por ele sem cerimônia: quem mandava ali era ele e ninguém mais.
Eustáquio Plácido, professor antigo da própria universidade apresentou um livro pronto, coordenado por ele, com temática atualíssima, texto de apresentação do cardeal arcebispo, outro do governador e posfácio do presidente da Academia de Letras. O diretor Forrest vetou implacavelmente a publicação da obra, sob o argumento que não seria momento para discutir aquele assunto, o que surpreendeu o proponente.
Algumas semanas depois, ao encontrar-se com o arcebispo, Eustáquio é indagado sobre o lançamento do livro, ao que responde que infelizmente não haveria, já que a editora da universidade havia vetado a edição da obra.
Eles se olham por alguns instantes e volta à memória a cena daquele discurso inconveniente da posse, presenciado por ambos, já que o cardeal ali estivera presente –uma energia constrangedora toma conta da cena. O arcebispo despede-se e lembra da frase: há momentos em que a palavra é prata, mas o silêncio é ouro.