I – Introdução

 

A contribuição social patronal – conhecida como contribuição incidente sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho – incide a razão de 20% (vinte por cento) sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, a segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhes prestam serviços destinados a retribuir o trabalho, nos termos do art. 22 da Lei nº 8.212/91.

Essa contribuição social que praticamente quase dobra o valor da folha paga mensalmente pelas empresas tem sido um dos fatores mais decisivos na não evolução do quadro de empregados das empresas, refletindo imediatamente no crescimento do desemprego e consequente retração da nossa economia.

Foi por isso que em 2011 o § 13, do art. 195 da CF foi regulamentado por meio do art. 7º, da Lei nº 12.546 de 14-12-2011, instituindo a substituição gradual da contribuição social patronal pela contribuição incidente sobre a receita bruta à razão de 2,5% até 31-12-2014, conhecida pela sigla CPRB.

 

2. Sucessivas alterações

 

A Lei nº 12.546/2011, por meio de seu art. 8º, promoveu inúmeras alterações quer incluindo novos setores da atividade econômica, quer reduzindo a alíquota para 1% (um por cento) para determinados setores de forma seletiva. Nunca um artigo foi tão alterado quanto esse art. 8º, da Lei nº 12.546/2011 refletindo o lobby dos empresários interessados em se livrar do pesado encargo financeiro representado pela contribuição social patronal.

Considerando que alguns setores com grande faturamento e com quantidade reduzida de mão de obra foram prejudicados pela CPRB, o governo editou a MP nº 669, de 26-2-2015, tornando facultativa a opção pelo novo regime tributário. Em compensação a alíquota de 2,5% foi majorada para 4,5% incidente sobre a receita bruta.

Essa CPRB foi sendo prorrogada sucessivamente sendo que a última dela ocorreu por meio da Lei nº 14.784/2023 que estendeu esse regime especial até 31-12-2027.

 

3. O Imbróglio em torno da prorrogação da CPRB

A Lei nº 14.784/2023 que prorrogou a CPRB para 17 setores importantes da economia foi vetada pelo Chefe do Executivo. Esse veto foi rejeitado pelo Congresso Nacional tornando definitiva a prorrogação.

Mas, para a grande surpresa de todos, o Chefe do Executivo editou a Medida Provisória nº 1.208/2024 em sentido contrário, colocando fim ao regime especial de pagamento da contribuição social devida à Previdência Social, em uma tentativa de fazer prevalecer a sua vontade sobre a do povo representada pelo Parlamento Nacional.

Essa Medida Provisória afrontosa ao princípio da independência dos Poderes foi rejeitada pelo Congresso Nacional.

Mas, a incrível teimosia do Chefe de governo ultrapassou todos os limites do razoável.

Acionou o STF por meio da ADI nº 7633 que foi distribuída ao recém nomeado Ministro Cristiano Zanin, sem prévio sorteio.

O Ministro Zanin, atendendo ao pedido do Presidente da República, por meio de uma canetada, concedeu a medida cautelar suspendendo a vigência da CPRB, sem que estivessem presentes os requisitos do fumus boni iures e do periculum in mora.

A ausência do demonstrativo de impacto financeiro, invocado pelo Ministro para conceder a cautelar, na verdade, consta do Projeto Legislativo convolado na Lei n° 14.784/2023, além do fato de a desoneração da folha não ser uma medida legislativa inovadora, pois o regime substitutivo da contribuição previdenciária patronal vigora desde os idos de 2011, quando foi sancionada a Lei nº 12.546/2011.

A alegação da falta de demonstrativo de impacto financeiro, aparentemente para proteger a saúde financeira do Estado, vindo de um Tribunal que vem anulando as delações premiadas e os acordos de leniência firmados no âmbito da operação Lava Jato, para suspender o pagamento das parcelas mensais e devolver aquelas já pagas pelas empreiteiras, soa muito estranho, pois desorganiza a programação orçamentária sob execução e gera déficits imprevistos. O Tribunal como um todo deve guardar coerência, como sempre fez o ex Ministro Marco Aurélio, conhecido como “voto vencido”, porque ele não alterava o seu entendimento conforme a direção dos ventos.

Com essa medida cautelar, que já foi referendada por quatro Ministros, cria-se total insegurança jurídica no seio da classe empresarial pega de surpresa em meio a execução de seu plano econômico, formulado com base na legislação vigente em 31 de dezembro de 2023.

Deverá rever as metas de produtividade com redução do número de empregados, contribuindo para a diminuição do PIB, pois os 17 setores fulminados pela mortífera canetada do insigne Ministro Zanin são aqueles mais produtivos e que empregam o maior número de mão de obra.

Os poderes se revezam para boicotar a desoneração da folha deixando o setor empresarial intranqüilo e inseguro. Isso não é saudável. É simplesmente insano! Parece que rezam com a seguinte cartilha: “É proibido dar certo”.

Acresce que o inciso I, do art. 22, da EC nº 132/2023 que aprovou a reforma tributária conferiu status constitucional à Lei nº 14.784/2023, à medida que previu sua vigência até 31 de dezembro de 2027.

Com cinco votos contra a desoneração da folha, o Ministro Luis Fux pediu vista do processo.

Resta esperar que o ínclito Ministro Fux lidere o voto contrário para reverter a equivocada decisão cautelar do Ministro Zanin, proferida a pedido do Presidente da República que é totalmente insubmisso à vontade popular que emana do Parlamento Nacional.

É preciso limitar a titularidade da ADI que é o principal instrumento processual de intervenção do STF nas áreas de competência do Congresso Nacional, eco de ressonância da vontade popular.

De nada adianta o Parlamento aprovar um instrumento legislativo para melhorar a qualidade de vida da população, se no outro dia um Partido Político que tem apenas um representante na Câmara Federal pode ingressar com ADI e reverter o projeto legislativo aprovado e sancionado. Tenho saudade do tempo em que o Procurador-geral da República era o único legitimado para ingressar com a Representação de Inconstitucionalidade, atualmente, substituída pela ADI que pode ser proposta por nove pessoas ou entidades previstas no art. 103 da CF. Resulta disso que temos uma ADI por dia.

Por outro lado, é chegada a hora de pensar em um regime tributário substitutivo para financiar a previdência social, ao invés de ficar prorrogando sucessivamente a CPRB.

A alternativa poderia ser a Contribuição sobre Movimentação Financeira – CMF – para substituir definitivamente a contribuição social patronal. Não seria mais um tributo, como aconteceu com a antiga CPMF, mas um tributo substitutivo de uma contribuição social que vem sufocando as empresas e que vem ao encontro do art. 195 da Constituição, aonde está dito que a seguridade social, onde se insere a Previdência Social, será financiada por toda a sociedade.

O único grave defeito a gerar má vontade dos parlamentares é que a CMF é muito simples, transparente e de fácil arrecadação e, sobretudo, à prova de sonegação.

Mas, isso poderia ser contornado pelos criativos deputados e senadores que poderão inserir alguns dispositivos obscuros, ou de difícil execução como, por exemplo, redução de alíquotas para correntista pessoa física que tenha até 3 filhos, sendo duas mulheres e um homem para reduzir a desigualdade de gênero. Para as pessoas jurídicas as alíquotas poderiam variar em função do seu tamanho: micro empresa; empresa de porte médio, e empresa de grande porte. São apenas citações ilustrativas. Os parlamentares que são dotados de extraordinária imaginação criadora para tudo complicar, certamente, poderão encontrar outros mecanismos para colocar areia na engrenagem da máquina arrecadatória e tudo restará resolvido a contento.

É claro que os bancos devem dispor desses dados em seus cadastros, que uma vez fornecidos pelos interessados geram presunção de veracidade para não interromper o fluxo arrecadatório.

A pregação do meu amigo Marcos Cintra em torno da CMF não encontra eco no Congresso Nacional, porque o ex secretário da Receita Federal não pensou em uma maneira de complicar a CMF, a exemplo da reforma tributária que nasceu sob a bandeira da simplificação do sistema tributário, mas transformou-se em fonte geradora de normas epidêmicas inexequíveis, o que é pior, há quem continue aplaudindo essa reforma amalucada, como efeito prolongado da bilionária campanha pró reforma feita durante o período de sua discussão no Congresso Nacional.

 

SP, 6-5-2024.

 

* Texto publicado no Migalhas, edição nº 5.843, de 6-5-2024.