Fonte: FOLHA 17/7/2018
Gênero sempre foi prejudicado por ideias reducionistas.
Recentemente, um estudo da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), feito a pedido da Câmara Brasileira do Livro e do Sindicado Nacional dos Editores de Livros, repercutiu a queda de 4,76% no faturamento do mercado editorial brasileiro em 2017. Mas, apesar dos dados negativos, a pesquisa também nos mostrou uma perspectiva ainda positiva para o universo da literatura: os livros infantojuvenis permanecem no topo das cinco áreas temáticas que lideram a produção total de obras nacionais.
A literatura infantojuvenil sempre foi prejudicada por uma ideia reducionista, de que obras voltadas para leitores em formação devem servir apenas como ferramenta para alfabetização, complemento a conteúdos didáticos ou para oferecer lições de moral —e, ironicamente, ainda não temos espaços de leitura adequados na maioria das escolas de ensino fundamental, especialmente as públicas, uma grave falha curricular!
Um livro apresentado neste contexto durante a infância, na fase crucial para iniciação da leitura, pode desestimular em vez de despertar o interesse das crianças.
Por outro lado, temos percebido iniciativas inteligentes no setor privado que tanto aproximam as crianças dos livros como despertam interesse dos escritores pela produção de obras para o público infantil. Ações que, certamente, têm impacto positivo em estudos como o da Fundação Instituto de Pesquisas.
Neste ano, por exemplo, a Fundação Bunge anunciou a literatura infantojuvenil como um dos temas do tradicional Prêmio Fundação Bunge, que estimula novos talentos e reconhece profissionais que contribuem para as áreas da ciência e da cultura no Brasil.
A fundação também mantém o programa Semear Leitores, que implanta espaços lúdicos para leitura em várias regiões do Brasil com o objetivo de cativar as crianças a partir da liberdade de escolha, proporcionando uma leitura mais prazerosa e agradável. Já a Fundação Itaú Social, braço do Banco Itaú no terceiro setor, criou a campanha “Leia para uma criança”, que distribui gratuitamente milhares de livros selecionados por especialistas em literatura infantil e adequados para crianças de 0 a 5 anos de idade, além de compartilhar informações que vão além do benefício da leitura no contexto da alfabetização, reforçando o impacto do livro no desenvolvimento do raciocínio e da formação intelectual e emocional das crianças.
Ideias como estas estão nos ajudando a combater o pensamento de que a literatura infantojuvenil serve para outra coisa que não à própria arte literária em si. Um bom livro infantil é a porta de entrada para o mundo da leitura e ocupa um papel tão importante quanto os livros voltados para os adultos na literatura, de uma forma geral.
E, se produzir encantamento pela linguagem, apresentar novas visões de mundo, gerar empatia e identificação com o que é humano definem grande literatura, o Brasil tem mais de um século de livros para crianças e jovens que fazem exatamente isso.
Basta passar o olho pelas obras que sobrevivem ao tempo, como os Contos da Carochinha, criados no fim do século 19 pelo jornalista Figueiredo Pimentel a partir dos contos de fadas europeus, e a história do sítio encantado —em especial com uma boneca falante, irreverente e revolucionária—, criada na década de 1920 por Monteiro Lobato, que inaugurou uma literatura para crianças genuinamente nacional.
E as gerações seguintes de autores, lideradas por Tatiana Belinky, Ruth Rocha e Ziraldo, que saíram da sombra de Lobato e produziram obras absolutamente autorais, trouxeram uma riqueza de temas aos livros infantis e acrescentaram um frescor estético, experimentando com palavras e ilustrações, e até com o próprio objeto livro, novas e surpreendentes formas e maneiras de continuar contanto boas histórias. E produzindo grande literatura.
*Ruy Martins Altenfelder Silva Presidente da Academia Paulista de Letras Jurídicas, presidente emérito do CIEE (Centro de Integração Empresa-Escola) e curador do Prêmio Fundação Bunge.