Kiyoshi Harada -
Não é somente no Brasil que ocorrem contratos eleborados em que se demonstram a esperteza e a falta de ética dos ofertantes desses contratos.
Por isso, a defesa do consumidor incorpou-se no ordenamento jurídico de todos os países do mundo civilizado. Entre nós temos o Código de Defesa do Consumidor data de 1990, Lei nº 8.087/1990.
Para ilustrar o que afirmamos segue abaixo transcrito o texto enviado pelo associado do IBEDAFT, professor Mário Frota, de Portugal, uma das maiores autoridades do mundo em matéria de direito do consumidor:
CONTRATOS DE ARRENDAMENTO
CLÁUSULAS DE PÔR
OS CABELOS EM PÉ
NUM CONTRATO COM A DURAÇÃO DE DOZE MESES
“ANTECIPAÇÃO”DE RENDAS DE DEZ MESES
Por Mario Frota
Professor Universitário aposentado
Especialista em Direito do Consuimidor
O ultraliberal regime do arrendamento urbano de Assunção Cristas consente esta “barbaridade”? Parece que não!
Entre outras, que a seguir se enunciarão, eis a CLÁUSULA-MESTRA…
- O presente contrato terá como renda mensal, acordada entre as partes, a quantia de € 1.200,00 mensais (mil e duzentos euros mensais), que deverão ser pagos até ao dia 08 do mês a que diz respeito, por transferência bancária para a conta titulada pelo Senhorio com os seguintes detalhes: Banco…
- Contra a assinatura do presente contrato, o Inquilino entrega ao Senhorio a quantia de €12.000,00 (doze mil euros) correspondente às 2 (duas) primeiras rendas (15 Junho a 14 de Agosto 2021), às últimas 6 (seis) rendas (15 Dezembro 2021 a 14 de Junho 2022) e ainda 2 (dois) meses que ficam retidos a título de caução.
- O valor entregue a título de caução mencionado no número anterior, no montante de €2.400,00 (dois mil e quatrocentos euros), destina-se a garantir o ressarcimento de quaisquer danos ou pagamento de despesas que o Senhorio venha comprovadamente a ter no termo deste contrato e que sejam resultantes de uma utilização imprudente do locado por parte do Inquilino.
- Findo o presente contrato, tendo sido respeitadas todas as obrigações, a caução será devolvida no final do contrato à Segunda Outorgante, até 15 dias após a entrega das chaves.
- Todos os encargos e despesas correntes respeitantes ao fornecimento de bens ou serviços do LOCADO (água, electricidade, telefone, gás, TV, internet e limpeza) relativos ao imóvel indicado na cláusula primeira correm por conta do Inquilino, que deverá proceder à alteração dos respectivos contratos para seu nome, com excepção do contacto de TV e internet que deverá ser mantido em nome do Senhorio e paga a este directamente no valor de €60 euros mensais.
Cumpre apreciar o clausulado parcial neste passo consignado:
O que estabelece o Código Civil, no seu artigo 1076, a propósito da “antecipação de rendas”?
“1 - O pagamento da renda pode ser antecipado, havendo acordo escrito, por período não superior a três meses.
2 - As partes podem caucionar, por qualquer das formas legalmente previstas, o cumprimento das obrigações respectivas.”
O artigo anterior – o 1075 -, no seu n.º 2, reza:
“Na falta de convenção em contrário, se as rendas estiverem em correspondência com os meses do calendário gregoriano, a primeira vencer-se-á no momento da celebração do contrato e cada uma das restantes no 1.º dia útil do mês imediatamente anterior àquele a que diga respeito.
Compulsando os artigos cuja transcrição precede, verifica-se:
1.º - A primeira renda vence-se no primeiro dia útil do mês anterior.
2.º - Não pode haver antecipação de rendas por período superior a três meses
3.º - A purgatiomorae (a purgação da mora) é de 8 dias, razão por que se o primeiro dia for útil, o termo para pagamento sem encargos não é o dia 8, mas o dia 9 (imperativamente), sendo que se o dia 9 recair em dia não útil (sábado, domingo, feriado…) difere-se o prazo para o primeiro dia útil posterior (alínea e) do artigo 279 do Código Civil): Código Civil – n.º 2 do artigo 1041 (“Cessa o direito à indemnização ou à resolução do contrato, se o locatário fizer cessar a mora no prazo de oito dias a contar do seu começo.”).
Por conseguinte, o último dia para pagamento da renda pode não ser o dia 9, mas 10, 11… sem quaisquer consequências porque a haver atrasos o arrendatário obriga-se a pagar a renda, ora acrescida de 20%.
Logo, esta cláusula é, neste particular, nula e de nenhum efeito. Sem prejuízo da validade do contrato.
4.º - O pagamento das rendas dos seis últimos meses, por antecipação, salvo melhor juízo, também não será lícito, dados os limites imperativamente estabelecidos no n.º 1 do artigo 1076.
Daí que se deva tirar de tal as devidas consequências.
4.º A imposição da internet, aliás, sem especificações, mas com custos (60€/mês) que no mercado se poderão lobrigar em termos mais acessíveis também constitui encargo insusceptível de se impor ao arrendatário, já que viola o princípio da boa-fé ínsito no artigo 334 do Código Civil.
5-º Repare-se que a pretensa “caução” não será restituída acto-contínuo, mas até 15 dias após a devolução das chaves… (comove tamanha equidade)!
Este clausulado está pejado da mais profunda e repugnante má-fé!