Inserção do Tema: PRINCIPIO DA LEGALIDADE, FINANCIAMENTO E FUNCIONAMENTO DAS ONG’s COMO PARTE DO BOM GOVERNO.
BOM GOVERNO E ONG’S. Modelos da Contemporaneidade.
FRANCISCO PEDRO JUCÁ. Juiz do Trabalho Titular da 14ªVT/SP. Mestre, Doutor em Direito Privado pela PUC/SP e Direito do Estado pela USP. Livre-Docente em Direito Financeiro pela USP. Pós Doutorado na Universidade de Salamanca – Espanha. Pós Doutorado na Universidade Nacional de Córdoba – Argentina. Professor Titular de Direito Constitucional da Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo – FADISP, do Corpo Permanente do Programa de Pós-Graduação Stricto Senso (Mestrado e Doutorado). Preside à Academia Paulista de Letras Jurídicas – APLJ, Cadeira 7, Patrono Sampaio Dória. Da Academia Paulista de Magistrados. Sociedade Paulista de Direito Financeiro e da Asociación Hispanobrasileña de Derecho Comparado. Associação Brasileira dos Constitucionalistas Brasileiros – Instituto Pimenta Bueno. Instituto Brasileiro de Direito Constitucional e Associação Internacional dos Constitucionalistas. Presidente da Sociedade Brasileira de Direito Financeiro.
Introdução
Neste estudo, se faz algumas reflexões acerca das denominadas “Organizações Não governamentais” nas suas relações com os Governos, identificando um regime jurídico, incluindo os aspectos de custeio e financiamento das atividades de tais organizações.
Dois serão os pontos de partida. O primeiro, a fixação de “Bom Governo”. O segundo as ONG’s, considerando os aspectos do surgimento, destinação e papel desempenhado, para se concluir pensando a relação delas com o Governo, a contribuição que podem dar à realização efetiva de bom governo.
A abordagem se fará considerando as duas dimensões, a política e a jurídica. Isto porque as entendemos interativas, interdependentes e indissociáveis, ainda que duas categorias dotadas de individualidade.
Doutra parte há que se considerar serem os fenômenos e relações envolvendo o Estado, que invariavelmente são perpassados pela intercessão necessária da política e do direito.
Estabelecidos os pressupostos, vamos adiante.
BOM GOVERNO
A ideia de bom governo, se crê, está associada intimamente à ideia de governabilidade. As duas a seu turno, vinculam-se à finalística estatal, que por sua parte molda o perfil do Estado e, em consequência, baliza as relações necessárias entre o Estado e a Sociedade, e como decorrência, entre o binômio: governo-governantes\sociedade-governados.
Considerada a concepção hegeliana do Estado enquanto sociedade perfeita da qual decorre a dicotomia ou separação entre Estado e Sociedade e, entre governantes (governo) e governados, percebe-se o estabelecimento de hierarquia, onde a segunda categoria é subordinada a primeira, eis que sendo esta perfeita, lhe incumbe conduzir\dirigir a segunda, de certa forma pressupondo relativa incapacidade da sociedade se conduzir, protagonizar sua história e seu processo.
Se é fato que durante largo espaço de tempo esta “equação” foi válida, aceita e mesmo operante, também é fato que se encontra claramente superada em nossos dias, não se revelando mais capaz de responder às necessidades e demandas do nosso tempo.
A sociedade mudou severamente. Vivemos o tempo da sociedade fragmentária, onde segmentos mantêm-se unidos e cooperantes no contexto de conflitos, antagonismos, competição e desencontros, sem perda de certo caráter de unidade, sendo claras as diversidades.
Esta composição social multifária e contrastada é um desafio para as formulações políticas e consequentemente, para os modelos e paradigmas do direito público nas suas concepções clássicas. Eis a razão principal do desafio posto a todos os que refletem e trabalham esta dimensão do Direito.
Neste ponto é de se fixar alguns conceitos fundamentais para os fins deste estudo.
O Estado como categoria, é a conformação jurídica operante da sociedade mais do que de si próprio, e como organismo real e existente, materializado na personificação que o coloca como sujeito de direito, tem interesses e pretensões próprias, e com relativa frequência concorrem e conflitam com interesses de particulares e da sociedade. Temos, pois, que a pretendida confusão entre o interesse público e o interesse do estado não mais é verdadeira, como regra geral, e absoluta.
As atividades de governo, necessariamente passam pela tarefa de compatibilizar esses interesses díspares, e aqueles que eclodem no seio da sociedade, igualmente díspares e competitivos.
O governar demanda a capacidade de identificar os interesses e aspirações comuns no contexto desta conflitividade, unificar um fio condutor de interesses comuns ou, pelo menos, compatíveis, ordená-los e sistematizá-los com certa hierarquia razoável.
Extrair desta matéria prima o suficiente para formular proposições concretas, e desenvolver ações permanentes e tópicas, com o horizonte e referência nestes interesses e objetivos comuns, desde os mais básicos e elementares, aos mais imateriais e sofisticados.
O exercício de governo demanda elemento fundamental – a governabilidade – que vem a ser exatamente a capacidade real e efetiva de cumprir estas tarefas, tanto de identificação e ordenação, quanto de execução de concretização efetiva e assim, obter os resultados objetivos, sobretudo sensíveis e perceptíveis aos interessados. Temos, pois, que governar é ser capaz de obter resultados esperados\desejados pela sociedade que, como já assinalamos, é multifária e complexa, implicando sempre no dilema de agradar\desagradar, ora uns segmentos, ora outros na busca permanente de equilíbrio neste dilema.
Ora bem, o que se pode entender conceitualmente como bom governo, é a capacidade de, com eficiência e eficácia, identificar aspirações, formular com competência, diretrizes e políticas públicas capazes de atender a estas expectativas, buscando assim, o que a doutrina clássica da Teoria do Estado e do Direito Público, como sendo o bem comum.
Na dimensão política constatamos que a habilidade (competência) de desempenhar suas tarefas, nutre a legitimação tanto do governo quanto dos governantes, fortalecendo tanto sua posição, quanto de suas ações concretas, materializada na aceitação popular do governo e dos governantes (popularidade), substanciando sua capacidade de motivação, mobilização e condução política.
Adicione-se neste particular que, na dimensão política, o bom governo é capaz de manter a liderança da sociedade, superar as conflitividades internas dela, e entre ele próprio e a sociedade, e assim, desenvolver as ações governamentais, os atos de governo com a necessária eficácia.
A superação da dicotomia rígida, antes assinalada entre Estado e Sociedade, Governantes e Governados, dá espaço ao nascimento de novo contexto de relações bem menos de subordinação e superioridade do Estado e do Governo, e bem mais de coordenação e cooperação efetiva entre ambos. Está imposto o diálogo necessário e permanente entre Estado\Governo e Sociedade\Governados; e o diálogo necessário que identificamos resulta em ações conjuntas e interativas, de mútua realimentação, de feedback constante.
Na dimensão jurídica o que se coloca em questão é a elaboração de novos paradigmas (em experimentação), a partir dos quais se há de fazer ajustes na ordem jurídica de forma a comportar este “admirável mundo novo”, que não mais se avizinha, mas se faz presente, e cada dia mais forte.
Tanto no direito público, que precisa se permeabilizar para absorver esta nova realidade, quanto no direito privado, este para instrumentar novas formas organizativas da sociedade, em todas as suas dimensões.
Ao lado disso, de um fenômeno real não se pode escapar, independente a posição que se adote, a globalização, que oferece outra dimensão das relações internacionais, não mais restrita a interestatais, mas, progressivamente intersocietais, porque ao lado das tradicionais relações entre estados, acentuam-se as relações entre as sociedade de diversos estados, especialmente considerados as novas categorias identificados o Alain Touraine em estudo sobre a pós-modernidade, que são as Corporações e o Mercado (consumidores), cujos interesses transbordam aos limites estatais, ganhando vida própria em certo grau.
Com isto nascem novos canais de diálogo, novos mecanismos instrumentando estas novas estruturas postas.
A necessidade desta reconstrução ou redesenho do direito nas suas concepções, e expressões normativas e institucionais, está posta. É o desafio do nosso tempo. É a resposta que se busca.
AS ONG’s
As chamadas Organizações Não Governamentais, que vêm a serem órgãos da sociedade civil organizada, nas quais grupos sociais organizam-se em torno de interesses comuns, próprios (individualmente considerados), ou objetivos ligados aos interesses gerais, de horizonte mais alargados, que sob o ponto de vista deles, de sua percepção, repercutem nos interesses mais gerais.
Na sua concepção e forma, buscam identidade própria, e sobretudo, deixam clara a sua independência em relação ao Estado e ao Governo, buscando fixar-se na sociedade civil, exatamente ao lado dos governados, da sociedade.
São canais de expressão de interesses específicos, indo até a ação concreta e objetiva no mundo real e da prática, das ações materiais, para o que obtém recursos, administram estes recursos, e com eles financiam suas atividades e sua existência.
Na sua natureza jurídica são “sociedades de pessoas (naturais ou jurídicas) de função institucional e sem finalidade lucrativa”, isto é por definição não almejam lucros ou resultados econômico-financeiros nem para si próprias, nem para seus integrantes, diversamente, existem para um objetivo posto, a que se destinam, ou como observa Fernando dos Santos Esteves Fraga1: “Pode-se dizer que se entende por pessoa jurídica a unidade de pessoas naturais ou de patrimônio, que visa à consecução de certos fins, reconhecida pela ordem jurídica como sujeito de direito e obrigações.”
Em nosso ver a natureza jurídica está no Brasil estabelecida nos arts. 44 e 53 e do Código Civil, como se vê:
“art. 44 – São pessoas jurídicas de direito privado:
I – as associações;
II – sociedade;
III - fundações
Naturalmente que para sua existência e funcionamento demandam custeio, precisam de recursos materiais e financeiros, e para obtê-los valem-se de todos os meios lícitos (permitidos pelo direito), arrecadando contribuição de seus associados e integrantes, buscando arrecadação na sociedade, produzindo e comercializando bens e serviços, todavia, sempre e sempre vinculando estes recursos obtidos as atividades das suas finalidades. Não há assim a apropriação de recursos, mas, o levantamento deles vinculado a aplicação direta e imediata em suas finalidades.
Tais instituições, geralmente, organizam-se de duas formas. A primeira e mais frequente, como sumariamos, como sociedade; casos há, todavia, de fundações, quando à a afetação de patrimônio doado por alguém, ou por um grupo, vinculando-o a uma finalidade ou objetivo determinado. Cabe fazer alguns esclarecimentos.
As associações, previstas no inc. I, do art. 44, do C. Civ., têm sua definição legal entre nós no art. 53 do mesmo diploma:
“art. 53 – Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos.”
A propósito, a lei civil espanhola não faz distinção de forma semelhante, como está no art. 35 do Código Civil Espanhol, que indica-as como sendo: corporações, associações e fundações de interesse público reconhecidas por lei.
A outra forma a que aludimos são as Fundações, no Brasil previstas no art. 62, do Código Civil. Que expressamente as limita às finalidades morais, religiosas, culturais ou de assistência.
“art. 62 – Para criar uma fundação, o seu instituidor fará, por escritura pública ou testamento, dotação especial de bens livres, especificando o fim a que se destina, e declarando, se quiser, a maneira de administrá-la.
Parágrafo Único. A fundação somente poderá constituir-se para fins religiosos, morais ou de assistência.”
Já é possível referir a esta altura a importância concreta das pessoas jurídicas de direito privado na dimensão particular deste estudo, colacionando a preciosa observação dos juristas franceses Marcelo Planiol e George Ripert, no clássico Tratado Practico de Derecho Civil2, que após examinarem a exposição sobre as teorias sobre a personalidade jurídica ficta ou moral, arrematam: “Que La personalidad moral sea uma ficción o sea uma realidad técnica, siempre será exacto que su noción resulta indispensable para La formación de lãs relaciones jurídicas. Total, Es lo mismo como si hubieses em El mundo, AL lado de lãs personas físicas, otrros sujetos de derecho: lãs personas morarles”.
Não discrepa deste enfoque – sempre clássico – comentário contido no Tratado Teórico Pratico de Direito Civil, de Baudry-Lacabtinberie e Houques-Fourcade3: “Sendo somente a pessoa capaz de ser sujeito de direitos e obrigações, somos conduzidos natural e logicamente a personificar interesses que se queira vez prosperar. Com o objetivo de melhor atender aos seus próprios fins a eles se dá corpo como o DCE uma pessoa natural,e com o benefício desta unificação de interesses se o introduz na vida jurídica. São estas as representações do que antes se chamava de “corpus” ou “comunidades”, que hoje atribuímos diversas denominações de pessoas: morais, civil, jurídicas, místicas ou fictas. Todas estas qualificações tem por finalidade contrapor a abstração destas entidades à individualidade real e tangível das pessoas físicas.”
Podemos, ainda, estabelecer uma classificação, vislumbrando nestas organizações dois tipos principais mais frequentes. As organizações comuns, e as instituições filantrópicas. Estas segundas estão caracterizadas pela destinação a atividades de benemerência: assistência social, saúde e educação. Estas últimas são bem mais antigos, inseridos historicamente na formação social da América portuguesa, como o testemunham as tradicionais instituições hospitalares da “Santas casas de Misericórdia”, mantenedoras de hospitais e casas de saúde seculares ao longo de centenas de cidades brasileiras, e como podemos inferir do até aqui expendido, estas são finalidades ou objetivos mais afeitos à ideia de fundação, como aliás acentua a lei civil brasileira antes mencionada, de maneira expressa.
Fato é que na complexidade da vida social se observa com certa nitidez dois aspectos. O primeiro deles a acentuação e revalorização do indivíduo e da individualidade, ganham relevo especial as aspirações e busca de concretização destas, em relação aos indivíduos em si. O outro, certo gregarismo, que alguns podem apontar como um tipo de tribalismo contemporâneo, quase pós-moderno. Pequenos grupos com proximidades e afinidades consistentes, com identificação, e concertação de ações, direcionamento mais ou menos claro.
No contexto que vislumbramos, é substancialmente alterada a relação do estado com a sociedade. Mencionamos antes a permeabilização entre ambos. Fortalece-se, por imperativo da realidade, o diálogo permanente entre ambos. Vemos surgir como que um traço de Estado Cooperativo decorrente da interação entre o organismo estatal e a teia gigantesca em que se organiza a sociedade civil. Tal visão não escapa à percuciência do jurista brasileiro de formação salmantina, Lucas Rocha Furtado4 que com seu reconhecido brilho aponta:
“O Estado cooperativo deve dispor de instrumentos que o permitam agir de forma harmoniosa e negocial com os particulares. Deve igualmente dispor de instrumentos que assegurem sua posição de império, cabendo ao ordenamento jurídico indicar estes instrumentos que o tornem capaz de atender às crescentes e novas demandas da sociedade.”
Esta formatação de Estado sensível às realidades do novo tempo, em nova relação com a sociedade implica numa alteração política.
DIMENSÃO POLÍTICA DA RELAÇÃO ENTRE O ESTADO E AS ONG’s e TERCEIRO SETOR
A organização política consagrada na formulação clássica está estabelecida na democracia, que se pode qualificar como a democracia parlamentar, de partidos competitivos, no mecanismo da democracia representativa.
Estendemos esta afirmação, para os fins deste estudo, como sendo democracia indireta, praticada através de representantes, tendo como instrumentos os partidos políticos, que atuam na elaboração, formulação e expressão da vontade geral da sociedade no Parlamento, Órgão estrutural do Estado, de forma competitiva, porquanto todos os partidos participam da disputa pelo poder estatal com reais possibilidades de alcançá-lo.
Nesta elaboração temos que nossa época apresenta algumas insuficiências ou superações, que se pode identificar como sendo a “crise” da representatividade, que é real, causa embaraços e dificuldades, mas se explica pelo aumento da complexidade da organização social real, da vida contemporânea e suas vicissitudes, e que consiste na incapacidade cada vez maior e mais patente de os Partidos Políticos absorverem, promoverem identificação, reunirem e, por isto mesmo, representar os segmentos sociais, que cada vez mais se configuram como feixes de interesses dinamicamente mutáveis, e portanto de duração temporal fugaz, mutável, e instável.
A dinâmica social contemporânea tem ocasionado de um lado da pluralidade de papéis, situações e dimensões sociais dos indivíduos e grupos, reunindo, assim, pluralidade de interesses cada vez mais complexos e com certo grau de conflitividade interna e contradições, o que coloca com certa frequência tantos os indivíduos como os grupos e diante de paradoxos.
A evolução política do clientelismo (que ainda existe em todo o mundo) para a solda ideológica como argamassa de formação dos partidos ligando seus integrantes, tanto filiados como simpatizantes, não é mais bastante.
O resultado que se tem assistido é que os Partidos sofrem enfraquecimento, e a instância decisória política dos parlamentos vem perdendo o monopólio exclusivista, cedendo espaço cada vez maior para os grupos de pressão, estes cada vez mais organizados e por isto mesmo, fortes e influentes (para bem e para mal).
É neste espaço de diálogo e de ação política que vem encontrando espaço para as chamadas Organizações Não Governamentais. Tais instituições, como vimos ao início, embora com natureza de direito privado e a preocupação acentuada de deixarem claro sua não vinculação ao Estado e aos organismos do estado, vão adquirindo feição pública de representação parcial da sociedade, e instrumentando ação política concreta com repercussões importantes na sociedade.
São decorrência concreta do exercício das liberdades públicas do direito francês, qual seja os direitos de associação e de manifestação, cuja trajetória tal como a percebemos dada dos primórdios do movimento de organização operária, basicamente nas associações de socorro mútuo e nas associações sindicais, instituições destinadas à defesa de interesses coletivos de determinados segmentos sociais específicos (categorias).
Hoje vivemos uma nova fase. A sociedade civil constatando a insuficiência representativa dos partidos busca novas formas organizativas para a representação de interesses e objetivos concretos. Aí onde está o grande espaço para as ONG’s. Acabam por materializar interesses concretos de segmentos da sociedade, voltados a universos de interesses determinados: ambiente, resgate social, proteção de direitos e aspirações próprias de minorias.
Se de verta forma em algum momento competiam com a ação estatal em dimensões do que se poderia considerar serviço público, hoje, claramente, na formulação do estado cooperativo, atuam complementando a ação estatal em desdobramentos bem concretos, específicos e direcionados, ganhando, assim, mais legitimação social para as suas atividades e consolidando a representatividade especial e segmentada.
O quadro como se apresenta, evidencia nova força (com tendência de expansão) para tais instituições sociais, o que dentro do quadro de cooperação reforça suas posições posicionando-as como interlocutoras válidas do diálogo social formal.
Esta condição de interlocução implica o reconhecimento como sujeito e ator coletivo da sociedade civil, o que não escapou à percepção de Silene de Moraes Freire5.
Este importante ator a nosso ver, tem papel cada vez mais importante na contemporaneidade, especialmente se considerados, como o fez a citada autora (op.cit.loc.cit) os contextos de seu impulsionamento, basicamente três: nos anos 70 a redescoberta dos direitos fundamentais nos países da cortina de ferro, que foi aos poucos materializando a resistência ao autoritarismo totalitário do regime, as transições para a democracia na América Latina, com ênfase no caso brasileiro onde se cunhou a expressão dos “aparelhos da sociedade civil organizada”.
É extreme de dúvida que a ampliação da sociedade e da complexidade da sua organização, a conflitividade permanente inerente à convivência mesmo, impõem a que indivíduos e grupos organizem seus interesses, reunindo esforços, conjugando-os, de sorte a fortalecerem posição com vistas à concretização de aspirações peculiares, tanto de interesse direto e imediato do grupo, como de pontos de vista que defendem em concepção sistêmica de sociedade, como, por exemplo, defesa de meio ambiente, proteção de minorias, dentre outros.
Acabam por ser mecanismos de vazão destas demandas em concretização, ora pressionando os aparelhos estatais de poder no sentido de agirem em favor destas demandas, seja influenciando na sociedade na propagação de suas ideias. Tais instrumentos nos levam a constatar uma dicotomia importante: os aparelhos estatais (vinculados diretamente ao Estado em diversas formas) e, os aparelhos da sociedade civil organizada, que, compondo parte substancial do tecido social, fixam interesses e posições que se tornam relevantes e consideráveis para o processo da sociedade como um todo.
Temos, assim, que em torno de interesses coletivos, ideias, posições, reúnem-se indivíduos, de forma cada vez mais organizada e formal, articulando recursos (humanos e materiais) na defesa, proteção e promoção destes interesses, ideias e posições, imprimindo com a sua ação novo dinamismo no processo da sociedade contemporânea.
Se em princípios a organização teve natureza contestatória, questionando, pondo em cheque ou contradizendo as ações estatais, permitindo entrever certo antagonismo natural, com a evolução, temos que o antagonismo se foi convertendo em diálogo, e caminha célere e firme para a cooperação.
Cada vez mais se assiste certo grau de compartilhamento de atividades antes exclusivamente estatais, com estes organismos da sociedade civil, inserindo-se esta mudança no contexto do Estado Cooperativo.
Nele ousamos perceber compartilhamento de certo grau de poder político, como decorrência da interlocução acontecida, e, também, a outra face da moeda, compartilhamento de responsabilidades, entre o Estado e seu aparato tradicional e as organizações da sociedade civil. Tal milita em favor da quebra da anterior hierarquia e subordinação, ou mesmo a superioridade do estado sobre a sociedade e sobre os indivíduos.
O fato é que as Organizações da Sociedade Civil cresceram nos últimos anos, em dimensão, abrangência e significação. Não mais podem ser consideradas com parcelas menores ou de pouca relevância na organização social e política, bem ao contrário, chegam perto de concorrer com as estruturas tradicionais da representação política que são os Partidos, daí, a chamada democracia representativa de partidos ser forçada a abrir espaço cada vez maior e mais significativo para estas instituições, que se tem legitimado socialmente pela ação concreta que desenvolvem.
Ganhando força e expressão estas organizações, que se remarcam cada vez mais por se pretenderem e qualificarem como não-estatais, e, por isto mesmo não governamentais, elas fixam-se como instâncias de representação de segmentos sociais nas mais variadas conotações, participação ativa e intensamente do processo decisório político.
Ora bem, na medida em que se dá este fenômeno surge a necessidade, que entendemos efetivamente imperiosa, de incorporá-las ao contexto do Estado de Direito, submetendo-as como ao Estado e a Sociedade, ao império do Direito, criando o espaço para que se as normatize, discipline, possibilitando o controle social sobre elas., inserindo-as, assim, ao contexto do Estado de Direito.
A propósito Peter Häberle6 cogita da dos âmbitos republicanos:
“El concepto de “triada de los âmbitos republicanos” intenta vincular em El foro de La teoria constitucional, los três âmbito – el privado, el público y el estatal – com La republica y al mismo tiempo permite que estos actúen em lo que lês é propio y em su diferencia cultural . La res publica como marco significa también una referencia a otros conceptos republicanos, como los de “libertad publica”, “bien publico”, “derecho publico”, em um sentido más profundo,no técnico. La comunidad política Del Estado constitucional consiste em uma pluralidad de âmbitos diferenciados y de elle vive, todos los cuales tienen su caracter próprio y sin los cuales no puede haber pluralismo.”
O constitucionalista brasileiro Manoel Gonçalves Ferreira Filho7 trás o conceito de Constituição Total, nos termos seguintes: “A aplicado ao Estado, o termo “Constituição” em sua acepção geral pode designar a sua organização fundamental total, quer social, que política, quer jurídica, quer econômica. E na verdade tem ele sido empregado – às vezes – para nomear a integração de todos esses aspectos – a Constituição total ou integral.”
Considerado o conceito de constituição total temos o espaço necessário à inserção do conceito republicano de Häberle antes mencionado, senão vejamos. Nos nossos dias temos a expansão da dimensão político-jurídica da organização social, com o que gradualmente e cada vez mais campos da vida social são incorporados à moldura da ordem jurídica. Daí decorre que ao longo do tempo se ampliam as constituições e a temática nelas incorporadas.
Considerada a cada vez maior pluralidade da sociedade, é corolário que a ordem jurídica precisa adequar-se plasticamente para absorver e incorporar tais pluralidades, a um só tempo harmonizando-as e soldando união entre elas, e, também, preservando as diversidades, daí a constituição total ser mais compatível com esta necessidade imperiosa do nosso tempo, inclusive como instrumento de compreensão da realidade.
Os espaços onde estão as organizações da sociedade civil é, sem dúvida, o espaço público, que exatamente medeia e intermédia entre o estatal e o privado, com significado próprio, (Öffentlichkeit) como o explica o já citado Häberle8:
“Público” significa tanbién uma dimensión sustantiva y valorativa: se trata de la salus publica, “del paralelogramo de lãs fuerzas” de uma comunidad política, a partir del cual se unen de manera pluralista lãs fuerzas, luchan entre si em disenso y consenso, para finalmente toamr forma, por ejemplo, de ley aprobada em la publicidad del parlamento. El ciudadano tambíen toma parte em lo publico, tanto en lo espacial como em lo valorativo, cuando ejerce el lado público de sus derechos fundamentales, verbigracia, a través de la liberdad de manifestación como liberdad de expresión del hombre común, o cuando ejerce su liberdad religiosa al tomar parte em uma procesión.”
Na visão formulada como integral, a organização da sociedade humana alcança as três dimensões: privada, pública e estatal, naquilo que Häberle chamou de “tríade de âmbitos republicanos” , obviamente que os três se integram, complementam-se e simbioticamente se nutrem, donde é impossível cogitar de dissociação entre eles.
O espaço público de que falamos é o campo de disputa das forças sociais, no qual competem e buscam o necessário ponto de equilíbrio. Neste campo se trava o mais substancial e importante do diálogo social, envolvendo, naturalmente, os interlocutores válidos, dentre eles, os instrumentos de manifestação das forças sociais confrontando o Estado, o que aliás não escapa a observação de Linares de Quintana9: “Em los últimos tiempos se há acrecentado em forma notable La importância del poder social, así como sus proyecciones, no solo em su âmbito especifico, sino también em lo campo econômico y sobre todo em el político; com lo que se han agravado los problemas por sus relaciones com El Estado.”
O diálogo e as disputas, bem como os problemas (naturais) acontecidos no espaço público entre as forças sociais e os organismos estatais, bem como a sociedade em si, pela sua importância, significado e, principalmente, por suas repercussões e implicações, precisam, necessariamente, estar submetidos ao que hoje algo confusamente se denomina de “marco regulatório”, como sendo arcabouço da ordem jurídica capaz de disciplinar, amoldar, limitar e controlar adequadamente a movimentação destas forças, mantendo-as vinculadas aos interesses gerais do bem comum.
As organizações da sociedade civil, que atuam no espaço público, hão de estar adequadamente disciplinadas, tanto na sua organização e funcionamento, quando na sua ação, de sorte a que estejam submetidas aos princípios fundamentais da democracia, da pluralidade, do primado dos direitos fundamentais, das dimensões da cidadania, e, mais do que isto, diante da possibilidade de controlar com base no direito (inerente ao Estado de Direito) suas ações e atividades, incluindo-as no universo daquilo que Loewenstein denominou de controle formal ou de juridicidade, de maneira a que aconteça o primado do direito no sentido bem mais amplo e profundo do que a “legalidade”, que foi apenas o primeiro passo na caminhada da espécie humana em direção à conformidade com o direito (enquanto conjunto de normas e princípios sistêmicos), indispensável a convivência e evolução do homem.
Em desdobramento desta relação de natureza política, as organizações da sociedade civil vão assumindo, progressivamente, papel cada vez mais relevante na organização da sociedade e no seu funcionamento.
No espaço público que vimos referindo, ao mesmo tempo em que se dá o campo de embate das forças sociais e entre elas e o Estado, também surgem as relações de cooperação, pela interatividade entre estas organizações e o Estado.
São cada vez mais numerosas e expressivas as organizações da sociedade que se voltam com enfoque nos interesses públicos, vindo a constituir “organizações sem fins lucrativos e não governamentais, com o objetivo de gerar serviços de caráter público.”.
Temos, assim, formado o quadro, considerada a formulação de Häberle, com a terminologia de “setor”, a composição seguinte:
- Primeiro Setor: Estado, Governo, instituições governamentais de todas as formulações;
- Segundo Setor: Instituições (sociedades) privadas, voltados a interesses exclusivamente privados a elas vinculados, bem como de seus integrantes; e,
- Terceiro Setor: Instituições sem fins lucrativos com objetivos de interesses e serviços públicos.
A formulação da ideia de terceiro setor é de natureza sociológica, com o significado de “iniciativas privadas” (da sociedade) com utilidade pública e sem fins lucrativos. Daí não ser nem público nem privado, mas a junção de ambos, com a utilização de recursos de origem privada (da sociedade e do marcado) e públicos (do Estado e do Governo), em operação conjunta e articulação de esforços e recursos, incluindo trabalho voluntário, voltadas a atividades em benefício público de natureza cultural, social, educacional, promoção de qualidade de vida, entre outras tantas e várias outras atividades finalidades. Vem a ser, assim, um conjunto de agentes privados com fins públicos, visando atender a direitos sociais básicos, promover a inclusão social, o meio ambiente e outros interesses da sociedade.
Na nossa compreensão materializam o Estado Cooperativo, o compartilhamento de responsabilidades entre o Estado\Governo e a sociedade, expandindo o conteúdo do conceito de cidadania.
REGIME JURÍDICO E MARCO REGULATÓRIO
A formulação para a qual se caminha impõe, sem dúvida duas questões que, embora não sejam novas, hoje ganham preeminência significativa.
A primeira é a necessidade de um marco regulatório, de maneira a tornar possível a inserção sistêmica destas instituições no contexto do Estado de Direito. A segunda, de certa forma inclusa no marco regulatório, são a disciplina e os mecanismos de financiamento destas instituições, capaz de atentar para as duas dimensões básicas de ingressos financeiros: as receitar próprias, geradas pela instituição mesmo, e, quando for o caso, a fiscalização e controle da utilização e aplicação de recursos públicos, tanto financeiros como materiais, nas atividades destas instituições, no raro, consideradas de relevância para os interesses da sociedade, seja no estímulo a atividades, resgates de sistemas, difusão e consolidação de identidades sociais, qualificação de mão de obra, disseminação tecnológica em atividades tradicionais, prospecção de atividades novas, dentre outras.
A moldura do marco regulatório significa a necessidade de algum tipo de controle social sobre as atividades, finalidades e objetivos destas instituições. A moldura do sistema de financiamento, a disciplina das arrecadações, considerando-se, tanto o repasse direto de recursos públicos, como a estimulação de contribuições privadas por renúncia fiscal.
O Brasil de alguma forma já vem atentando para estabelecer tratamento jurídico especial para o que hoje é o terceiro setor e seus integrantes, provavelmente em razão da formação social que teve, com atividades de saúde, assistência social e educacional religiosa, tanto de iniciativa da Igreja Católica, quanto do laicato organizado como já nos referimos antes.
Tanto é assim que em 28.08.1935 foi editada a Lei n. 91, determinando as regras sob as quais as sociedades são declaradas de utilidade pública pelo governo federal, sendo esta Lei regulamentada pelo Decreto n. 50.517, de 1961, com uma série de exigências legais, das quais destacamos a inexistência de remuneração ou vantagens financeiras de qualquer ordem para seus dirigentes, e a obrigação de publicação anual da demonstração de receitas e despesas, quando recebam subvenção da União Federal.
O primeiro passo, reconhecimento da utilidade pública como sendo, segundo Edson Rafael, o “proveito ou vantagem que uma entidade jurídica, sem fins lucrativos, oferece à sociedade, no sentido de satisfazer uma necessidade coletiva de ordem pública.”, e que conforme o Decreto regulamentador antes invocado que esta declaração poderia ser concedida às entidades com fins exclusivos de servir desinteressadamente à coletividade. Como se vê, já antecipando a formação do terceiro setor.
Cumprindo ao mandamento da Constituição Federal brasileira de 1988, que no Título VIII tratando da Ordem Social, declara no seu art. 193 que: “A ordem social, tem como base o primado do trabalho e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais.”, repercutindo o princípios fundamentais: da cidadania, dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, e dos objetivos fundamentais fixados no art. 3º, quais sejam: a construção de uma sociedade livre, justa e solidário; erradicação da pobreza e da marginalização, e redução das desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos.
Ainda no texto constitucional tratando do assunto, estabelece o art. 194, como disposição geral o conceito de Seguridade Social estabelecendo meios de promover e assegurar os direitos relativos à: à saúde, à previdência e à assistência social, destinando o art. 203 a disciplinar a Assistência Social.
Este dispositivo constitucional especificamente, está hoje regulamentado pela Lei n. 8742, de 7 de dezembro de 1993, que ao dispor sobre a organização da Assistência Social, prevê para sua realização e cumprimento “um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas.” Com estes espírito, já abrindo excelente espaço para o estabelecimento de um regimento jurídico ou marco regulatório para o Terceiro Setor, define no seu art. 3º as entidades e organizações de assistência social como “aquelas que prestam, sem fins lucrativos, atendimento e assessoramento aos beneficiários abrangidos por esta lei, bem como as que atuam na defesa e garantia de seus direitos.”
Para a execução das suas finalidades em conformidade com o mandamento constitucional, no art. 17 da mesma Lei, institui o Conselho Nacional de Assistência Social, como órgão colegiado responsável pela coordenação da Política Nacional de Assistência Social, do qual participam, 9 (nove) representantes da sociedade civil, por indicação das instâncias organizadas da sociedade civil,e a quem cabe “normatizar as ações e regular a prestação de serviços de natureza pública e privada no campo da assistência social”, conforme o disposto no inc. II do seu art. 18.
Dentre suas atribuições para o que nos interessa, está a de acompanhar e fiscalizar o processo de certificação das entidades e organizações de assistência social, bem como examinar seus relatórios anuais.
Este Conselho através de ato normativo materializado na Resolução nº 31\99 estabeleceu as condições e requisitos para o registro de entidades e instituições (privadas/ONGs) perante o CNAS, para sua consequente qualificação e inserção no sistema
Na evolução legislativa brasileira vamos encontrar como um passo seguinte, a edição da Lei n. 9637, de 15.05.1998 que, trata da qualificação de “entidades como organizações sociais””, estabelecendo no seu art. 1º:
“O Poder Executivo poderá qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos aos requisitos desta lei.”
Ainda por disposição da Lei invocada, as entidades qualificadas ganham a condição de celebrar como Estado “Contrato de Gestão”, com o objetivo de parceria para a execução de atividades previstas no artigo 1º antes referido.
Temos assim na experiência brasileira, que se pode considerar iniciada em 1935, portanto ao longo de bem mais de meio século, que a sociedade civil sempre teve alguma participação nas atividades de serviço social, em consonância com as raízes da formação da sociedade. Hoje vivemos a etapa da inserção real e participativa delas no processo, dentro do contexto do Estado Cooperativo.
No mesmo sentido deste evoluir, em 23 de março de 1999 vem a Lei n. 9790, que volta a tratar da qualificação de “pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL DE INTERESSE PÚBLICO.
Esta norma aperfeiçoa o sistema em nosso ver, pois que no art. 2º expressamente discrimina que pessoas jurídicas não podem ser qualificadas como tal, e, no art. 3º discrimina quais são as atividades, dentro dos objetivos sociais, que comportam a qualificação, e, mais, no art. 4º estipula normas relativas à organização e funcionamento, bem como da administração destas entidades, de sorte a já possibilitar o que se defende, que vem a ser controle de atividades e de recursos, que em nossa visão consiste em linhas gerais em aferir a fidelidade aos objetivos estatutários e às proposições. Tanto é assim que está prevista a perda da qualificação, em processo administrativo ou judicial, com direito de ampla defesa e contraditório, por iniciativa do Ministério Público (Fiscália) ou iniciativa popular, vedada, apenas anonimato na iniciativa, tudo como o previsto nos arts. 7º e 8º da mesma Lei.
Evidentemente que, na medida em que cresce a importância delas, aumenta e se intensifica, também é da mesma maneira aumenta a responsabilidade de tais instituições, e faz, em nosso ver, surgir a necessidade, cada vez mais imperiosa de certo grau de controle eficiente, tanto das instituições em si, como das suas atividades e do seu financiamento, por óbvio, tudo inserido no princípio da legalidade.
Estamos convencidos de que o princípio aplicável é o da transparência, que implica a permanente visibilidade das ações, organização, administração e prestação de contas; não ao Estado/Governo, mas, também e principalmente à sociedade. Temos como indispensável que a sociedade disponha de meios e instrumentos para acompanhar tudo, e de maneira cidadã formular seu juízo independente.
A razão deste entendimento está em que aumentado assombrosamente o poder e o papel social destas instituições, sem dúvida que se tem o significativo aumento de seu poder político real, de sua capacidade de influir na formação de opiniões e participação no processo decisório da sociedade, e, como todo o Poder, não pode estar imune, excluído dos parâmetros de limitação e controle. Com isto, seus dirigentes, administradores e agentes têm, devem ter, assumir e exercer responsabilidade.
A propósito não é demais acentuar que independência e autonomia não significam nem podem significar irresponsabilidade, concentração em si próprio. Diversamente, o que se defende é a necessidade de “prestação de contas” à sociedade de seus atos, ações, atividades, objetivos e formas de agir. Tudo para na medida do possível evitar os desvios e abusos que são próprios, inerentes até, à natureza humana.
No Brasil a sistemática legal recente caminha neste sentido, tanto estabelecimento de critérios e condições para a qualificação e sua manutenção, quanto lançando bases de algum controle, tão necessário, quanto saudável, como o testemunho o contido no art. 17 do mesmo diploma legal, que estabelece o amplo acesso a todas as informações sobre as entidades qualificadas ao público, através do Ministério da Justiça, e, ainda vedando a participação em campanhas de interesse político-partidário ou eleitorais.
Penso, entretanto, que merece regulamentação legal a parte financeira, com o disciplinamento das fontes de ingressos, mesmo quando estritamente privadas, quando nada para obstar à lavagem de direito de origem ilícita, o que nos dias de hoje merece especial atenção.
No sistema brasileiro cada vez mais as organizações da sociedade civil têm acesso a recursos públicos, especialmente através de contratos de parceria, mercê dos quais são transferidas atividades públicas para execução através delas, e neste particular temos alguns mecanismos de controle e fiscalização como demonstrado, todavia, cremos ser necessário mais.
Este “plus” é absolutamente compatível com o Estado de Direito, vez que insere de maneira clara e segura o sistema das organizações da sociedade civil, mesmo preservadas suas desvinculações e independência em relação ao Estado/Governo, no quadro geral da ordem jurídica, à qual todos, indistintamente, estão adstritos, e por isto mesmo protegidos, tornando possível, assim, o controle formal preconizado por Loewenstein.
Defendemos assim, a obrigatoriedade legal de explicitação dos mantenedores, contribuintes, patrocinadores, demonstração real das contribuições, doações, transferências e patrocínios, não apenas ingressos oriundos do Poder Público, de sorte a que a sociedade possa conhecer e avaliar (aí está o controle social que entendemos necessário) como é mantida a instituição, quem as integra e apoia.
CONCLUSÃO
Sem dúvida que na realidade sociopolítica dos nossos dias, superada a separação, o fosso entre a sociedade e o Estado, entre Governantes e Governados, com o reordenamento sistêmicos da tridimensionalidade, tal como antevista por Häberle, que clara a existência e fixação do espaço público, intermediando o universo estatal e o universo privado, que se constitui no “locus” do diálogo entre a sociedade e o Estado, o estatal e o privado.
Ocupando este espaço temos as organizações da sociedade civil, de todas as naturezas e finalidades, desenvolvendo ações interativas entre o estado e a sociedade, no contexto das demandas sociais, dos princípios e objetivos sociais, interagindo, tanto com o Estado como com a Sociedade, servindo de liame útil e necessário entre ambos, no contexto da dinâmica do processo social.
É neste espaço que estão lançadas as raízes do Estado Cooperativo, no qual a ação conjunta e colaborativa caminha ao encontro dos interesses comuns, harmonizando as diversidades, soldando a unidade, construindo a sociedade pluralista e democrática, na qual os indivíduos e grupos tenham realmente oportunidade e condições de desenvolvimento humano, e em consequência, de exercer na plenitude todas as dimensões da Cidadania.
Naturalmente que o Governo e a Governabilidade, jungidos que estão ao princípio da eficiência, no exercício do “Bom Governo”, estabelecido no Brasil pelo art. 37 de sua Constituição, em afinidade com o art. 107 da Constituição espanhola, buscando imprimir a marca gerencial – boa administração – sintetizando o tema o Alvacir Correa dos Santos com apropriada formulação: “Em síntese, a introdução do princípio da eficiência pretendeu deixar claro que a atuação do administrador, além de se dar com presteza, agilidade, perfeição e rendimento, deve ser feita nos limites da lei, sempre voltada para o alcance de uma finalidade pública, respeitando-se parâmetros morais válidos e socialmente aceitáveis. O administrador público não deverá apenas atuar dentro da legalidade, mas deverá lutar para alcançar resultados positivos para o serviço público, incluindo o atendimento satisfatório, tempestivo e eficaz das necessidades coletivas.”10
Ora o preconizado é necessário Bom Governo (como definimos ao início) se apresenta no contexto do Estado Cooperativo, contando, assim, necessariamente, com o concurso da sociedade e de suas organizações, seu funcionamento é colaborativo, portanto, e cada vez mais a execução de atividades vem sendo feitas através de colaborações, que o direito brasileiro denomina de “Parcerias”, de sorte que, de maneira integrada sociedade/estado, para o atendimento de objetivos e finalidades de interesse social em toda a sua pluralidade.
Em síntese, em nossos dias, o Estado vem sendo convertido em Cooperativo, envolve suas atividades em colaboração com a sociedade através de suas organizações, somando esforços e recursos, o que impõe a necessidade de marco regulatório sobre as organizações e atividades, inclusive no que respeita à vida financeira.
RESUMO (em espanhol e inglês)
O Bom Governo consiste em identificar os interesses e aspirações comuns dentro da conflitividade da sociedade, unificar os interesses comuns harmonizando-os, sistematizando-os e desenvolvendo com eficiência e eficácia ações concretas para a obtenção de resultados objetivos perceptíveis aos interessados e a sociedade em geral. Para tanto articula a colaboração com Organizações da Sociedade Civil, sujeito o sistema a marco regulatório que o insere na ordem jurídica, possibilitando o controle formal.
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1 Novo Código Civil Comentado, vol. I, Freitas Bastos, RJ, 2003, p.39
2 vol.I, p.67 –ed. Cubana de 1944
3 vol.I, PP.338-339
4 in Curso de Direito Administrativo, Ed. Forum, BH, 2010, p.34
5 Movimentos Sociais e Expressões Políticas da Sociedade Civil, in Curso de Teoria Geral do Estado, Coord. Lier Pires Ferreira et alli, Ed. Campus Elsevier, RJ, 2009, pp323-351
6 in El Estado Constitucional, Ed. Astréa, 2007, Buenos Aires, pp.100 e segs.
7 in. Curso de Direito Constitucional, Ed. Saraiva, SP., 2009, p.11
8 op.ci.loc.cit.
9 in Tratado de La Ciência Del Derecho Constitucional – Argentino y Comparado - ,Ed. Plus Ultra, Buenos Aires, 1977, Tomo I, p. 346
10 in.”Princípio da Eficiência da Administração Pública”, Ed. LTr, SP, 2003, p.194