Fonte: Agência Indusnet Fiesp

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Professor da UFMG participa de reunião do Conselho Superior de Estudos Avançados da Fiesp

Reunião nesta segunda-feira (17 de setembro) do Conselho Superior de Estudos Avançados da Fiesp (Consea) teve como tema “Os Partidos Políticos”, dentro da série Repensando o Brasil. A palestra ficou a cargo do cientista político Bruno Reis, professor da Universidade Federal de Minas Gerais. Ruy Altenfelder, presidente do Consea, destacou que o tema foi proposto por Antonio Carlos Pereira, conselheiro do Consea e encarregado de comentar a apresentação.

Pereira destacou a qualidade do trabalho acadêmico de Reis e a relevância do tema. “Ou resolvemos a questão do partido ou não sairemos da crise. Ficaremos patinando eternamente”, afirmou.

Após a palestra de Reis, Altenfelder frisou a abordagem ampla e de pontos realmente relevantes. “Nós precisamos de uma reforma do nosso sistema eleitoral.” Destacou artigo de Reis em que o professor descreve partidos obsoletos como fator de corrupção.

Pereira considerou brilhante a exposição, apesar do “banho de água fria” ao dizer que o sistema partidário não se reforma da maneira como muitas pessoas esperavam.

Considera necessário despertar a consciência política na população brasileira ou não teremos os partidos como representantes de ideologias nem muito menos de interesses. O ponto 0 da questão, disse, é como fazer isso. Há iniciativas como criar novos partidos, o que considera um enorme erro, e há tentativas, ainda tímidas e por vezes dogmáticas, de formar consciências políticas.

Na mesa principal da reunião do Consea estavam também Ivete Senise Ferreira, vice-presidente do Consea, e o desembargador Fábio Prieto, do TRF da 3ª Região.

“Sistema infeliz”

Reis iniciou sua apresentação explicando a importância dos partidos. Graças a eles se consegue alcançar alguma estabilidade política, disse. Destacou a polarização, excepcional em países multipartidários, entre PT e PSDB nas últimas 6 eleições presidenciais. Parte disso em sua avaliação se deve ao “sistema eleitoral infeliz” do Brasil.

Quando um sistema partidário é ininteligível, “uma sopa de letrinhas”, na definição de Reis, isso não ajuda. Poucas coisas predizem de forma mais eficiente a sobrevivência democrática que a estabilidade do sistema político.

À elite política, destacou Reis, interessa o funcionamento previsível. Quando há caos se tende a querer desestabilizar os vencedores. O mesmo ocorre quando uma coalizão ganha sempre, e outra perde sempre.

Quanto mais organizada a sociedade civil, mais estável o sistema partidário. Entidades dialogam com os partidos, que habitam os dois polos, sendo entidades de direito civil que quando têm eleitos, assumem funções no governo. Se não há essa ligação, os políticos parecem ter caído do céu. Deu como exemplo de ramificação escolas e jornais ligados a partidos na Europa.

No Brasil há uma ambiguidade, com análises mostrando tanto um sistema partidário decantado quanto um caótico, espelhando a instabilidade do sistema, ambas baseadas em dados empíricos. Apesar de o país ser tão desigual, a polarização entre PT e PSDB parece indicar uma decantação. O sistema eleitoral aparentemente joga contra essa cristalização iniciada nas disputas, disse, ressaltando o peso nisso do multipartidarismo.

Partidos são agregadores de interesses e de plataformas – sem o que haveria milhões de partidos, para representar milhões de nuances ideológicas. Formam-se coalizões de interesses, que se alinham quase inevitavelmente entre lados.

Sistemas majoritários com um eleito por distrito tendem a reforçar a bipolarização, explicou Reis. A proporcionalidade em alguns países foi sendo adotada para compensar deficiências do sistema de distritos, prevalecendo na Europa quase toda no início do século 20, ajudando na governabilidade e na estabilização do sistema.

Sistemas majoritários tendem a ser bipartidários, e proporcionais, multipartidários. O Brasil se moveu para o proporcional na década de 1930, consolidando o sistema em 1945. Inventou-se o sistema de lista aberta, que é adotado em poucos países.

O sistema de lista flexível, que tem se disseminado na Europa, ainda é pré-ordenado, destacou, na prática funcionando como lista fechada.

O sistema brasileiro gera profunda assimetria de informações entre a cúpula partidária e o eleitorado, que não sabe antes da votação as reais chances de seu candidato.

Nossa renovação nas cadeiras é relativamente alta; o problema não é falta de renovação nos plenários (30% a 40%), mas não há renovação na cúpula. Nosso sistema favorece quem está nela, pelo mecanismo de assimetria informacional. No protagonismo exercido da coleta e distribuição de recursos a cúpula partidária se estabiliza. Mesmo pequenos partidos têm donos, são inexpugnáveis.

A proliferação de partidos é favorecida pela personalização (o partido não é saliente para o eleitor) e pela grande magnitude dos nossos distritos. Com 1% ou 1,5% dos votos uma coligação faz jus a ter cadeira, o que estimula a criação de partidos. E são raros os eleitores que escolhem primeiro o partido, embora seja isso que prevaleça na votação.

Isso é agravado pelo sistema de financiamento de campanhas. É difícil de fiscalizar a enorme quantidade de candidaturas. E depois o eleito passa a ter a preocupação de se reeleger, viabilizar o financiamento de sua próxima campanha. Anomalia grave do sistema é dispositivo que impõe teto de doação proporcional à renda. Há uma nuvem de candidaturas politicamente frágeis, atrás de recursos pulverizados. Um doador suficientemente rico pode bancar várias campanhas.

Enormes empresas de setores específicos financiam por atacado – centenas ou milhares de candidatos. Houve enorme concentração da oferta de dinheiro ao longo de cerca de 25 anos – o resultado foi a Lava Jato, “impossível de não ter”.

Os grandes financiadores não são as empresas. São algumas pouquíssimas, enormes empresas, de setores muito concentrados, que têm interesse em decisões do sistema político. Há teses de que esse sistema acaba favorecendo setores orientados à captura de renda do Estado, mais do que os orientados ao lucro, que são os que gostaríamos, que dependem de ganhos de eficiência, produtividade etc. Os que buscam capturar a renda do Estado não precisam disso; precisam de contatos políticos, é isso que estão “comprando”. O sistema oferece oportunidades de negócios para eles.

Há o risco de produzir uma economia de baixo desempenho, como o comportamento errático dos últimos 20 anos. Corrupção no varejo, afirmou Reis, é problema de polícia; tratar como corrupção no atacado essa busca de captura da renda do Estado é problemático. “Corrupção no atacado é problema regulatório.”

O sistema funcional mal porque dá poder desproporcional a alguns atores.

Propostas

Se o problema é que o sistema concentra a oferta de dinheiro e fragmenta a demanda, apoio qualquer coisa que fragmente a oferta de dinheiro e reconcentre a demanda por dinheiro. Fragmentar a oferta é impor tetos nominais, talvez até com a volta das doações de pessoas jurídicas.

Fixaria o teto para pessoas jurídicas na casa de dezenas de milhares de reais, e o para pessoas físicas em alguns milhares de reais (talvez R$ 100.000 e R$ 10.000, respectivamente), mais os recursos públicos, que não precisariam ficar em números bilionários.

Na pauta há 15 anos, mantida pela Câmara dos Deputados, a reforma política não tem como motor a sociedade, ciência política nem a imprensa, que bombardeia qualquer proposta. Há mal-estar profundo entre os deputados a respeito de como é o jogo, e eles sabem que há risco.

É difícil de mudar o sistema eleitoral, mas isso pode ocorrer de um dia para o outro quando há uma maioria.

Financiamento de campanha puramente público tem problemas, disse Reis, cujos males são mostrados na eleição deste ano. “É preciso ter um “mercado” pujante, privado, de financiamento de campanha – idôneo, com os controles devidos de excessos.”

Outros pontos que na opinião de Reis ajudam a melhorar o sistema eleitoral são a lista fechada, que reconcentra a demanda por dinheiro, em alguma medida, redução da magnitude dos distritos, a algo próximo de 20, o que leva o quociente eleitoral a 5%, reduzindo o número de partidos.

E de outro lado tetos nominais para as doações, para que ninguém seja “dono” de uma campanha.

Nosso sistema eleitoral gera efeitos mais perniciosos nos distritos maiores. Distritos como São Paulo e Minas Gerais deveriam ter mais de uma circunscrição eleitoral, defendeu Reis.

Considerando as imensas assimetrias no Brasil em renda e densidade populacional, acha razoável a lei fixar representação mínima e máxima para Estados e a partir daí rigorosa proporcionalidade – o que não acontece hoje, porque não foi corrigida a evolução populacional. Um piso como 8 deputados faz sentido.

Não é possível “dar reboot” no sistema partidário, disse Reis, mas quando se mexe no sistema eleitoral há efeitos nele. Acabar com os partidos seria ir morro abaixo, na avaliação de Reis, porque são eles que hoje alinham e organizam as demandas. O TSE tem feito intervenções desastrosas na disputa eleitoral, com um olhar voluntarista, a partir de um diagnóstico ruim.

Reis destacou o impacto sobre a indústria brasileira trazido pela dificuldade no sistema político de lidar com algumas pautas econômicas a partir de 1990. A indústria perdeu peso relativo na economia.