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Membro da União dos Juristas Católicos de São Paulo – UJUCASP, integrando seu Conselho Consultivo. Membro da União Brasileira dos Juristas Católicos – UBRAJUC.Membro do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário – IBEDAFT, e membro de seu Conselho de Orientação. Mestre em Direito pela UFPA., Doutor e Livre Docente em Direito pela USP, Doutor em Direito pela PUC/SP. Pós Doutoramento em Direito Público pela Universidade de Salamanca (Esp), Pós Doutoramento em Direito Social pela Universidade Nacional de Córdoba (Arg.) Presidente da Sociedade Brasileira de Direito Financeiro, Presidente da Academia Paulista de Letras Jurídicas, Membro da Academia Paraense de Letras Jurídicas. Professor Titular da FADISP, na Graduação, Mestrado e Doutorado. Juiz do Trabalho de 1º Grau, do TRT da 2º Região.

Resumo: Esse estudo examina o contido na alínea b do inc. VI do art. 150 da Constituição Federal, com a redação dada pela EC 132/23, concluindo que a ampla imunidade tributária concedida, é instrumento de garantia de garantia da liberdade da prática religiosa na sua integralidade, e que isto integra o universo da dignidade humana, direito fundamental eixo da ordem jurídica brasileira.

Palavras-chave: Liberdade; Imunidade Fiscal; Prática Religiosa Integral; Tributação.

Sumário: I – Como se fosse uma Introdução; 2 – A Religiosidade na Sociedade; 3 – Religiosidade e Tributação; 4 – Como Reposta aos Quesitos; 5 – Em Conclusão; 6 – Referências Bibliográficas

I – COMO SE FOSSE UMA INTRODUÇÃO

Na verdade, a contribuição à esta coletânea de estudos jurídicos, que chega a sua XII produção, tem duas características importantes que precisam ser destacadas. A primeira é ter a feição de ensaio, despida, assim, da formalidade estrita própria de textos acadêmicos. A segunda, a de ter referencial teórico claramente católico apostólico romano, evidenciando o conjunto de convicções e princípios sedimentados de quem o produz.

Desta forma, desenvolve-se o exame das questões propostas e constrói-se a argumentação das observações que faz. É como este modesto estudo deve ser percebido.

Para a orientação da obra foram oferecidas quatro questões.

A opção que se faz é inferir uma linha condutora que as harmoniza e, ao oferecer resposta, se o faz alcançando ao conjunto, entendendo, assim, disponibilizar visão mais ampla, de sorte a contribuir para reflexão mais profunda do leitor.

Assim sendo, temos a examinar se houve alargamento da imunidade tributária das instituições religiosas com a redação atual do art. 150, inc. VI, b, da Constituição Federal e se se trata de renúncia fiscal ou vedação ao poder de tributar. Há de se examinar, também, a extensão (tamanho) da imunidade e, se pela sua natureza, pode ser reconhecida pelo Poder Executivo, ou está condicionada à concessão do Poder Público.

Para enfrentar os questionamentos, começa-se por tecer considerações sobre a religiosidade na sociedade, considerada a sua formação cultural e histórica. Demonstrada a importância da religiosidade, examina-se as dimensões dela como Direito Fundamental e os efeitos daí decorrentes, indo à consequência natural de que por o ser, há de ter garantia real de efetividade e concretização.

Em seguida, enfrenta-se a relação do Estado com este Direito Fundamental, sob a perspectiva do fenômeno da tributação, como necessidade coletiva da sociedade e dever fundamental da cidadania, tendo em conta que no ciclo da arrecadação de tributos e do dispêndio deles tem forte conteúdo de poder político juridicamente nutrido, com a necessária coercitividade.

A partir daí, busca-se posicionar nesta relação a proteção ao direito fundamental de ter religião, professá-la e, em especial, praticá-la integralmente, sem peias restritivas, sejam elas diretas ou indiretas.

O pano de fundo é que o real papel atribuído ao Estado pelo constitucionalismo dos nossos dias é o de efetivar e concretizar os direitos fundamentais, considerada a centralidade do ser humano como referencial fundante da ordem social e jurídica, devendo ser destacado que no caso do Direito Constitucional pátrio tem disposição expressa em seu texto, erigido como fundamento do Estado brasileiro, com o que têm estatuto especialmente relevante, significando propósito essencial à ação estatal e, naturalmente, alcançando na plenitude o Direito de Liberdade Religiosa e seu integral exercício.

Ora bem, sendo assim o fenômeno da tributação, mesmo tendo imperativo social, como emanação real do poder político precisa ser limitado, contido e controlado, como de resto todo o poder político, daí a importância de se o examinar em contraste com a efetivação do direito fundamental em comento.

2 - A RELIGIOSIDADE NA SOCIEDADE

Tem-se como ponto de partida que é inerente à condição humana a incompletude, o ser humano é existencialmente consciente (com maior ou menor clareza) de sua contingência, fragilidade e das suas carências, especialmente no que respeita a sua real integração à realidade na qual está inserido. O que podemos considerar, com certo tipo de perplexidade angustiante diante destes elementos, é que daí resulta uma inclinação natural em buscar superar tais limitações com a busca pelo transcendente, no afã de aí identificar um propósito, uma finalidade mais alta e profunda para sua dimensão existencial, seu existir diante da trágica questão “para quê?”

A evolução científica (avanço do conhecimento) tem papel relevante para a substância dessa angústia existencial do homem, cabendo com excelência a observação de Karl Jaspers, que, refletindo sobre a inserção existencial humana neste quadro, observa1:

Impõe-se conhecer o mundo a partir dele mesmo e não da matéria, da vida ou do espírito. Uma realidade incognoscível precede a possibilidade e conhecer e não é alcançada pelo conhecimento. Para esse tipo de conhecimento de que dispomos, o mundo é insondável. Tudo isso põe fronteiras às cogitações científicas, mas não ao tipo do pensamento que tem a sua origem filosófica em nossa existência. Por exemplo: a unidade da natureza universal, do Um-total que repousa em si mesmo é experiência possível para uma percepção religiosa do mundo. Considerando, ao mesmo tempo, todas as coisas e tudo o que é particular ou individual, essa percepção religiosa descobre no mundo uma linguagem cifrada.

O que podemos considerar como sendo o grande drama da existência humana tem sede exatamente na consciência da finitude, como observa o já citado Jaspers2: “Toda a vida está posta entre dois parêntesis: nascimento e morte. E só o homem tem consciência disso.” E temos que decorre desta consciência de finitude, marcada por ser uma trajetória no rumo do final, o medo, assim, conforme o mesmo Jaspers3:

“Tememos a morte. Observe-se, porém, que a morte – o cessar de ser – e o ato de morrer – cujo termo é a morte – são angustias muito diversas.” E mais adiante pontua: O temor da morte é o temor do nada. Não obstante, parece impossível afastar a ideia de que à morte sucede outra existência. O nada posterior ao fim não é efetivamente um nada. Vida futura me aguarda. O temor da morte é o temor do que após ela ocorre.

Contrasta-se a angustia e o temor da morte, à consciência da finitude, marcadamente fundada nas leis naturais, acerca das quais Markus Gabriel, observa4:

Muitos supõem que as ciências naturais foram tão bem-sucedidas em acertar previsões e entender a natureza precisamente porque a ciência natural moderna se sustenta sem teleologia. Do seu ponto de vista, não há nenhuma intenção por trás de processos naturais, e também as leis naturais são normalmente concebidas não como instituições dotadas de intenção, mas sim coo fatos nus. Segundo esse entendimento das ciências naturais, não se deveria supor que algo aconteceria na natureza a fim de que uma outra coisa aconteça.

A finitude humana materializada pela morte, constatada ser fato da natureza e, como tal, nas palavras do filósofo antes citado, afigura-se como despida de propósito e finalidade, sendo o fato nu. Esta percepção acentua mais ainda a angústia que pressiona e sufoca o homem, e a experiência materialista, que diminui a dimensão do transcendente onde se está o propósito e finalidade da existência humana e do seu destino, não oferece resposta confortadora ou consoladora, exatamente porque, como sintetiza Batista Modin, com precisão5:

(...) a subordinação da essência à existência (significa que) o homem não é concebido como um ser natural completamente configurado na sua essência desde o nascimento, mas um indivíduo que, existindo, gera a própria essência por meio do uso da liberdade, (e assim) os critérios da conduta moral não são extraídos da natureza nem de Deus, mas sim da história e, justamente das possibilidades concretas que se apresentam diariamente a cada um de nós.

Observou-se acima que as construções filosóficas que excluem ou desconsideram a dimensão de transcendentalidade da condição humana, na verdade deixam um vazio aterrador ao reduzir tudo ao imediato e à sequência de imediatos que compõem o existir, vez que não contém uma finalidade nem um propósito, tendo como real destino sumirem na história, como Jaspers claramente observa6:

É vão o consolo que se apoia na afirmativa de que sobreviveremos na lembrança dos outros, na descendência, em obras imperecíveis, na glória que atravessará os tempos. Tudo chega a um fim: não apenas o que eu sou e o que os outros são, mas também a humanidade e tudo quanto ela produz e realiza. Tudo mergulhará no esquecimento, como se jamais tivesse existido. Para quem não crê, nada significa a promessa da ressurreição. A crença na ressurreição sustenta que a morte é real. O fim do homem é o seu cadáver e a decomposição. Dele nada resta. Se a imortalidade existe, será preciso que o homem renasça fisicamente. E isto ocorrerá. Os mortos ressuscitarão por ato de Deus, que lhes devolverá vida e corpo. No último dia, fará com que os mortos abandonem suas tumbas, para serem submetidos ao Juízo Final. Para a consciência existencial de quem nela não crê, a ressurreição da carne carece de significado.

Pode-se inferir, a esta altura, que o ser humano precisa fundamentalmente da transcendência, o transcendente. É exatamente isto que o impele inexoravelmente à religião, e, assim, a torna necessidade básica, que como tal precisa e deve ser garantida e ter sua concretização realizada, exatamente para que a contingencialidade da existência humana com sua iminente finitude, a proximidade aterradora entre o ser e o nada, sejam superados. Isto acontece com a formulação de propósito e finalidade para a existência material além de si própria. Ousa-se sintetizar como a “necessidade da fé”, de crer, de superar a estreita e rasa materialidade, pela integralidade da condição humana nas suas dimensões igualmente essenciais e constitutivas: existência e transcendência, na medida em que o ser humano busca encontrar e identificar proposito e finalidade mais elevados, além de si próprio e do universo que lhe é circunjacente, projetando-se para o mais além, indo às águas mais profundas.

Tem-se claro que esta condição lancinante de angustia o conduz à religiosidade, à necessária religação da individualidade material com a individualidade transcendente. É o que se considera a necessidade básica da religião.

Tomando como base esta necessidade humana fundamental – buscar e ir ao encontro do transcendente como dimensão existencial inafastável – forçoso é concluir que temos um direito natural à religião, consequentemente, à religiosidade. Considerada esta realidade temos direito fundamental à religião, que se inclui no universo da liberdade de pensamento e expressão, significando, obviamente, que estão contidos e indissociáveis ter a religião e praticá-la livremente, no que respeita ao culto, liturgias e ritos, o que é parte integrante da existencialidade humana na sua plenitude, sendo constitucionalmente garantido como liberdade religiosa, lapidarmente explicitada nas palavras de Gilmar Ferreira e Paulo Gonet Branco7: “Na liberdade religiosa inclui-se liberdade de crença, de aderir a alguma religião, e a liberdade do culto respectivo.”

Neste particular, preciosa é a lição de André Ramos Tavares a respeito, sempre fundada em excelente doutrina, quando examinando o conceito de direitos fundamentais (derechos fundamentales) aponta8, Peces-Barba entende-os como:

Faculdade de proteção que a norma atribui à pessoa no que se refere a sua vida, sua liberdade, a sua igualdade, a sua participação política ou social, ou a qualquer outro aspecto fundamental que afete o seu desenvolvimento integral como pessoa, em uma comunidade de homens livres, exigindo o respeito aos demais homens, dos grupos sociais e do Estado, e com a possibilidade de pôr em marcha o aparato coativo do Estado em caso de infração.

É preciso acentuar a esta altura, que o eixo central da reflexão que se faz tem como guia e referência que, sendo a busca permanente e necessária do homem pela sua dimensão transcendental, portanto, no encontro com além realidade material, porque isto é complementação indispensável a sua existencialidade integral, sem a qual não se pode cogitar idoneamente de reconhecimento de proteção à dignidade da pessoa humana, esta é elemento de centralidade na formulação da ordem jurídica e da organização sócio-político-institucional do Brasil, como pontua o mesmo Ramos Tavares9:

A Constituição de 1988 optou por não incluir a dignidade da pessoa humana entre os direitos fundamentais, inseridos no rol do art. 5º. Como se sabe, a opção constitucional brasileira, quanto à dignidade da pessoa humana, foi por considerá-la, expressamente, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, consignando-a no inciso III do art. 1º. Parece que o objetivo principal da inserção do princípio em tela na Constituição foi fazer com que a pessoa seja, como bem anota Jorge Miranda, “fundamento e fim da sociedade”, porque não pode sê-lo o Estado, que nas palavras de Ataliba Nogueira é “um meio e não um fim”, e um meio deve ter como finalidade, dentre outras, a preservação da dignidade do Homem.

Mais adiante, fundado em Kant, dilucida10:

Não obstante a existência d discrepância entre o real e o ideal, o que se encontra no plano das ideias e aquilo presente no mundo fático, o importante é que se chegou a um conceito minimamente definido. A dignidade da pessoa humana considera o homem como “ser em si mesmo” e não coo “instrumento de alguma coisa

Até onde já se caminhou é possível inferir que ter uma religião e praticá-la efetivamente é parte integrante da dignidade humana, considerado o desenvolvimento pleno e integral do ser humano; exatamente em razão disso é essencial dar integral proteção e garantia do direito à liberdade religiosa e da sua prática em toda a dimensão pertinente.

Considerada a centralidade desta dignidade na ordem constitucional estabelecida, é consequência natural que sobre ela esteja debruçado um sistema normativo e hermenêutico adequado, consistente o bastante para acontecer a desejada e necessária efetivação concreta da dignidade do ser humano.

Neste sentido, remetendo à formulação de Jean Megret no seu Droit Rural11, pode-se considerar um núcleo normativo central de reconhecimento, declaração e perfil da liberdade de religião, porém, além dele, em expansividade, um conjunto (em desdobramento) normativo assegurando a prática efetiva da religião na sua integralidade, especialmente no campo material, qual seja liturgia, ritos e, também, em atividades paralelas que decorrem dos postulados religiosos professados e que são relativos à assistência social, educação, apoio em saúde pública, à infância e velhice. Neste aspecto, é forçoso reconhecer que a realização das atividades desta natureza tem como motivação e justificação a prática social dos valores, referências e mesmo postulados norteadores da vida e prática dos adeptos das religiões. É nisso que se remete ao autor francês, quando defende a expansividade normativa em campos específicos, que sempre têm um núcleo (central) e um conjunto periférico, como o papel e função de complementariedade, daí a expressão desdobramento, formando um corpo capaz de alcançar e abranger uma atividade ou ação na sua inteireza.

Assim, portanto, a inserção à dignidade do fator ou elemento religioso e da religiosidade implicam na necessidade de proteção jurídica efetiva e concreta, não apenas da religiosidade em si, mas de tudo o que dela decorre e a ela pertine.

A laicidade do Estado, fruto da separação entre o Estado e a Igreja, que significa a neutralidade do primeiro em relação à segunda, deve ser entendida como a negação política da teocracia que, a seu turno, é inerente à democracia, o que não se confunde nem com a religiosidade, nem com a hostilização sutil a ela.

Também não significa a exclusão da possibilidade de atuação cooperativa entre ambas naquilo que respeita aos interesses gerais e ao bem-estar da sociedade, quando sejam coincidentes ou convergentes os postulados religiosos e o bem público, como se referiu antes nos campos da assistência e serviços à sociedade, supletivamente à ação das políticas públicas estatais, o que se justifica ainda mais a mutação relacional entre o Estado e a Sociedade, que vem saudavelmente migrando da subordinação verticalizada para a paridade cooperativa e dialógica, reconhecendo que o fim do Estado, sua teleologia, é servir à sociedade que o cria e mantém, significando dizer que é desejável ação conjunta e colaborativa com as organizações sociais (a sociedade civil organizada) voltadas ao interesse comum, ainda que as motivações sejam distintas, o Estado pela sua finalidade e razão de ser e estas últimas, quando vinculadas à religiosidade, pelos valores e referências emanadas dos postulados religiosos.

Na verdade, deve-se entender isto como sendo decorrência, consequência mesmo, de uma crença na transcendência, que vem a ser a religiosidade, com a qual o ser humano vai em busca de suprir sua contingencialidade, o que se pode considerar como a busca do ir além do imediato circunjacente, projetando suas ações numa visão e compreensão de mundo e de explicação da realidade maior e superior a sua individualidade. É o que se afirma ser “a necessidade de uma religião.”

Em outra oportunidade, tangenciando o tema, observamos12:

A sociologia observa que a religião é um dado cultural fundamental, não apenas no aspecto teológico da relação do indivíduo com o transcendente, mas também pelos valores éticos que incute nas pessoas.” Com efeito, daí decorre que a vida religiosa de alguma forma e em pronunciado grau “contribui essencialmente para a formação do indivíduo no processo de ajustamento e inserção na sociedade.

Temos claro que sendo necessidade fundamental à plenitude da vida humana na sua integralidade, a religiosidade ganha estatuto de direito fundamental, e, como tal, merecendo especial guarida constitucional, entre nós com especial relevo, se se considera como parte indissociável da dignidade humana, é fundamento da organização social e política, como o determina nossa Constituição no art. 1º, já mencionado antes.

Ora bem, esta necessidade é satisfeita pela liberdade de religião e prática. Não basta estar no universo da liberdade crer – ter uma fé religiosa -, muito mais do que isto, praticá-la na sua vida individual e social, nos seus ritos, práticas e formas de exteriorização, principalmente, a liberdade de comportamento em conformidade com os princípios e referências consolidados nas suas convicções com base nos valores religiosos.

O comportar-se, conduzir sua vida livremente em conformidade com suas convicções, se expressa e materializa na realização, na vida prática e concreta, de ações que, em essência, testemunham tais convicções.

Assim, ao se cogitar de liberdade religiosa, é preciso ver aí compreendido todo o universo de práticas e comportamentos, individuais e coletivos, que emanam da religião na sua completitude e inteireza. No mesmo estudo acima referido, estabelecemos posição a respeito: “A conclusão é de que a liberdade de pensamento e religião, sem liberdade de prática, portanto, de expressão e culto, de difusão dos seus valores e referenciais fundantes, é o que consideramos uma liberdade aparente.”

A materialidade real desta liberdade, na sua plenitude, por ser direito fundamental, como vimos asseverando, reclama tutela jurídica consentânea, vencendo ao que já se observou no citado estudo13: “Seria um dar negando, um permitir neutralizando, um aceitar rejeitando.” Absolutamente incompatível com o Estado Democrático de Direito erigido pela Constituição brasileira de 1988.

É pertinente no exame dessa liberdade efetiva e concreta que se entende e defende, a colocação de Thiago Rafael Vieira, em recente obra14: “Pode-se dizer que a liberdade de crença está ligada ao ato de crer e a liberdade religiosa ao ato de exercer tal crença, enquanto que a liberdade de religião seria a liberdade de aderir a crença.” Arrematando com precisão15:

O direito fundamental à liberdade de crença cria uma espécie de campo de imunidade em torno da pessoa religiosa, permitindo que ela oriente sua vida conforme seus princípios e axiomas religiosos. Cada religião possui um sistema moral próprio que apresenta os postulados pelos quais o indivíduo dever se relacionar com a divindade e com o sobrenatural.” ...... “Nesse contexto, os poderes públicos e demais entes não podem interferir. A crença da pessoa religiosa é o núcleo da liberdade de crença, e é em torno desse núcleo que o campo da imunidade é estabelecido.

No mesmo sentido que se adota de atribuir a religiosidade e a liberdade a ela relativa ao compósito da dignidade humana, ganha especial pertinência a afirmação de André Mendonça16:

Nisto reside a explicação do título desse texto, ou seja, de se estar diante não apenas de um direito – que também é uma necessidade – de natureza fundamental, mas de uma liberdade desde sempre buscada pelos seres humanos.” E mais adiante: “Assim quando a doutrina utiliza a expressão “primeira liberdade”, além de alusão clara à primeira emenda ao texto constitucional norte-americano, também remete para a essencialidade da religião para a sociedade e, por lógica, para o legítimo reconhecimento deste anseio humano, alçando a liberdade religiosa a uma posição historicamente marcada em relação à demais liberdades.

O Estado Laico, separado da religião, sem religião oficial, desvinculado de qualquer delas, na lição de Sampaio Dória, não apoia nem fomenta nenhuma, nem as obstaculiza, sendo neutro. Esta neutralidade, entretanto, não se pode confundir com hostilidade ou resistência, ainda que sutil ou implícita a nenhuma religião, o que não pode e nem deve impedir atuações cooperativas pontuais, voltadas aos interesses gerais da sociedade, naturalmente curvando-se aos dados e elementos constitutivos concretos da sociedade e da sua formação cultural.

Ao norte deste estudo se fez a observação de que a vida financeira do Estado, nas dimensões de arrecadação e despesas, encerra forte conteúdo de poder político, e, exatamente em razão disso, precisa ser claramente tratada como poder que é, e, assim, com o estabelecimento de limitação e controle, considerado o fato de que através do exercício pode, quase sempre indiretamente, atingir liberdades e mesmo a dignidade dos indivíduos, com seus excessos e eventuais desvios. No mesmo sentido, o jurista português José Casalta Nabais aponta17:

Para nós, porém, que vemos na esta dualidade ou soberania do estado constitucional um conceito jurídico e, portanto, limitados, como de resto reconhece o art. 1º da nossa Constituição, ao basear a soberania estadual na dignidade da pessoa humana, não relevam as objeções referidas, articulando-se deste modo a soberania com a ideia da dignidade da pessoa humana, como é próprio dum estado assente no primado desta.

A proposta da coletânea da qual este modesto estudo faz parte é especialmente rica, profunda e desafiante. E o é porque ao propor a reflexão acerca da tributação e as instituições religiosas, conduz a que se leve em consideração que o exercício do poder financeiro estatal pode, com sutileza e de forma quase imperceptível à primeira vista, inibir, restringir ou, por outro lado, estimular, privilegiando a vida religiosa de parcelas da sociedade, eventualmente conforme os interesses e conveniências de quem o detenha e ocupe as funções e instituições estatais, o que vem a ser exatamente o que antes se fez referência: atingir de maneira indireta.

Noutras palavrar, estas reflexões provocam que seja considerada a forma de proteção, com vistas a impedir que tal aconteça, através da via fiscal.

3 - RELIGIOSIDADE E TRIBUTAÇÃO

Estabelecida a religiosidade como direito fundamental, porque integrante da dignidade humana, há de ser feita brevíssima referência a um aspecto da formação histórico-cultural brasileira, das linhas mestras do conjunto das concepções e práticas sociais incorporadas a existencialidade concreta da nossa gente.

Está fora de questionamento que desde a origem do povoamento adventício da terra brasileira, desde os primeiros momentos, destaca-se a presença da religiosidade, inicialmente como herança da cultura portuguesa, mas que ao longo do tempo foi sendo incorporada ao ethos brasileiro, perpassando toda a sua construção.

É fato que com a proclamação (artificial) da República, que mesmo sendo feita sem povo, porque por uma elite de segmentos superiores da sociedade, aconteceu a separação entre o Estado e a Igreja, o que teve seu caráter positivo, porque se se retirou a parcela de poder temporal da segunda, também se a libertou de deletéria ingerência política.

A separação, todavia, que foi predominantemente institucional e jurídica, não fez a cisão no caldo de cultura, vez que o sistema de valores e referências que os sociólogos chamam de judaico-cristãs ficou cristalizado na mentalidade do povo, e dos indivíduos, o que refletiu na formação dos padrões comportamentais individuais e coletivos, mesmo que em graus variados.

Esta herança cultural e seu processo de formação recebeu outros traços fortes de culturas outras trazidas por correntes migratórias que aqui chegaram, mesmo que temporárias, como é o caso da invasão holandesa ao nordeste brasileiro, que fez aportar o cristianismo reformado ou protestante e que permaneceu mesmo após da saída dos batavos.

Também em outros estágios da história, correntes migratórias de outras paragens, como a Alemanha, ampliaram e aprofundaram o protestantismo entre nós, o qual ganha perfil algo diverso, mas de forte intensidade, por ocasião da guerra fria, quando o bloco ocidental apoia e estimula novas correntes protestantes, de caráter pentecostalista, com organização clerical muito mais aberta e informal, que com o recurso dos meios de comunicação audiovisual trouxeram até nós a “teologia da prosperidade”, como tática de atrair as massas em contraposição com a “teologia da libertação” de setores da Igreja Católica.

Igualmente, há a ser considerado o ingresso do catolicismo oriental, vindo com os movimentos migratórios muito expressivos provenientes do Oriente Próximo.

Fato é que, ao fim e ao cabo, é possível identificar com clareza a inserção dos valores e referências cristãs, cada vez mais pronunciada, na cultura e nas suas práticas, exercendo influência substancial nos padrões comportamentais e organizativos de larga margem da sociedade, sendo possível perceber, na atualidade, o progressivo fortalecimento na expansão desses movimentos religiosos, que vêm exercendo cada vez mais influência política através das suas representações presentes no aparelho estatal em todos os seus segmentos.

Como decorrência deste caldo de cultural ao qual se vislumbra, por óbvio que a religiosidade está implícita na formação e concepção das instituições materializadas pela sociedade brasileira, correspondendo exatamente a relação criador/criatura, porquanto a sociedade, ao produzir a ordem jurídica que lhe corresponde, nada mais faz do que exprimir materialmente e ao nível a concretitude objetiva os valores que tem e preserva.

Afigura-nos com clareza que a matriz geradora desta ordem jurídica carrega consigo as referências da religiosidade, mesmo se se considerar a expressiva pluralidade religiosa da sociedade brasileira, mormente as de origem africana, oriental e asiática, que, mesmo de origens diversas, também caldeiam valores e referências que de certa forma guardam afinidade com os padrões judaico-cristãos, especialmente no que concerne as ideias de caridade, generosidade, solidariedade e, em gênero, preocupação com “o outro” e com a sociedade em geral.

Com efeito, o Estado é laico e deve sê-lo, é bom que seja, porém, definitivamente, a sociedade brasileira não o é, bem ao contrário, carrega em si religiosidade forte, ainda que com manifestações variadas e plurais, como o é a sociedade brasileira em si.

A consequência é que nossas instituições incorporam com vigor a reverência à religiosidade, tendo em conta a dignidade humana, sendo muito enriquecedor colacionar, a observação de André Ramos Tavares18:

O entendimento de que o princípio da dignidade está presente nas demais manifestações de direitos fundamentais, sem sombra de dúvida, encontra-se assente em parcela da doutrina (em particular, sobre sua relação com o direito do menor e do idoso, conforme se demonstrará abaixo). Jorge Miranda, nesse diapasão, estabelece seu entendimento no sentido de que: “Pelo menos, de modo direto e evidente, os direitos, liberdades e garantias pessoais e os direitos econômicos, sociais e culturais comuns têm a sua fonte ética na dignidade da pessoa, de todas as pessoas. Mas quase todos os outros direitos, ainda quando projetados em instituições, remontam também à ideia de proteção e desenvolvimento das pessoas. A copiosa extensão do elenco não deve fazer perder de vista esse referencial. Assim também manifesta-se Luño, para o qual “a dignidade da pessoa humana supõe valor básico (Grundwert) fundamentador dos direitos humanos que tendem a explicitar e satisfazer as necessidades da pessoa na esfera moral. E, Bidart Campos: “da dignidade humana se desprendem todos os direitos, na medida em que são necessários para que o homem desenvolva sua personalidade integralmente. O “direito a ser homem” é o direito que engloba os demais no direito de ser reconhecido e a viver na e com a dignidade própria da pessoa humana.

A dignidade humana, ponto fulcral dos direitos fundamentais, é preceito fundamental da ordem jurídico-constitucional brasileira, e como tal deve ser tratada e aplicada, pois, como acentua André Ramos Tavares19:

São prescrições jurídicas inafastáveis, ainda quando reveladas como princípios programáticos da Constituição. Não poderia vingar a tese – que teve como ênfase as normas principiológicas – da falta de carga normativa de alguns preceitos, quando a própria Constituição tem criado determinados mecanismos para combater o descumprimento de seus preceitos fundamentais, sem qualquer discriminação quanto a estes. Não são, pois, meros “conselhos” ou “recomendações”, ou mesmo “faculdades” dirigidas aos Poderes Públicos. É a clássica lição de Vezio Crisafulli: “Ponto de partida para uma exata inteligência da natureza jurídica dos princípios gerias é o de normas-princípio. Normas-princípio são as normas fundamentais das quais derivam logicamente (e nas quais já estão, portanto, contidas implicitamente) as normas particulares regulando imediatamente as relações e situações específicas da vida real.

Desta forma, o que consideramos para os fins deste ligeiro estudo, a dignidade humana, onde se integra o que genericamente se pode nominar como “direito à religiosidade”, que inclui a sua prática concreta, demanda e merece toda a tutela jurídica possível, em que se está claramente posto tratamento especial a ser dispensado no que respeita ao campo tributário.

Daí, justifica e legitima que se de tratamento tributário à religiosidade e sua prática em toda a extensão que lhe concerne, o que coaduna com a universalidade dos direitos humanos, que a seu turno deita raízes no Direito Natural, fazendo notar, assim, o que Ramos Tavares chama de dualismo sistêmico entre direito natural e direito positivo, identificando o que se pode considerar como um traço cultural da religiosidade, quando observa: “O cariz metafísico-religioso do direito natural e seu apregoado dualismo é corroborado por Kelsen: [este dualismo] é um elemento típico de toda a interpretação metafísica ou, o que redunda no mesmo, de toda interpretação religiosa do mundo.”

E prossegue da forma muito enriquecedora a este estudo, observando20:

O cerne dessa teoria encontra uma explicação relativamente simples e apresenta dois pressupostos, a saber: (i) infalibilidade humana e (ii) necessidade humana de um parâmetro legitimador ou, se for o caso, corretor de suas próprias condutas. E tal parâmetro, desnecessário dizer, parando sobre a penumbra da mediocridade humana será divino.

Exatamente neste contexto, tendo as considerações que se fez como pano de fundo, é que vamos compreender o contido no disposto no inciso VI, alínea “b”, do art. 150, da Constituição Federal, que textualmente contém:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estado, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(...)

VI – Instituir imposto sobre:

(...)

b) entidades religiosas e templo de qualquer culto, inclusive suas organizações assistenciais e beneficentes.

(...)

Este dispositivo constitucional é de fundamental importância como assecuração à liberdade de religião, especialmente no que respeita, como vimos insistindo, na sua prática em inteireza e integralidade, muito especialmente no que concerne às práticas sociais de solidariedade (amizade social), fraternidade e promoção social, como decorrência direta e natural das convicções fundadas nos valores e postulados religiosos. Isto significa dizer que se trata de atividades em benefício social e humano, que são realizadas como forma de concretização material de convicção religiosa como móvel e cerne deste “fazer o bem”.

Mas, não basta que se considere apenas o “fazer o bem”, é preciso levar em conta que tudo acaba por se traduzir em bem geral para a sociedade, com o que adquire o significado de colaboração substancial com a atuação do Estado e seus órgãos e agentes, na medida em que, ao assistir ao próximo, tem-se prestação de serviço relevante à sociedade, compartilhando com o Poder Público a responsabilidade e o ônus destes serviços.

Só isto já basta para justificar o conteúdo do dispositivo constitucional invocado, pois, vem a ser proteção de direito fundamental, com irradiação em favor de todos os que direta ou indiretamente têm benefícios com estas atividades. Com especial razão, Mônica de Almeida Magalhães Serrano, em recente e brilhante obra, pontua21: “Não se pode deixar de lembrar, entretanto, que, em contrapartida, ao dever de contribuir e ao poder de tributar, encontram-se os direitos fundamentais do homem como cidadão.

Para proteger o direito fundamental, o legislador constituinte concede a imunidade tributária às entidades religiosas e suas organizações assistenciais e beneficentes, reconhecendo, assim, como se demonstra ao longo do texto, que confere proteção a religiosidade e sua prática concreta no seio da sociedade, contra o poder de tributação do Estado, cuidando claramente de minimizar o quanto possível, os custos de tais atividades, colocando-as, assim, como exercício substancial de direito fundamental.

Regina Helena Costa, comenta a respeito da imunidade22:

A imunidade tributária apresenta dúplice natureza: de um lado, exsurge como norma constitucional demarcatória da competência tributária, por continente hipótese de intributabilidade, e, de outro, constitui direito público subjetivo das pessoas direta ou indiretamente por ela favorecidas. Portanto, a imunidade tributária pode ser visualizada sob os aspectos formal e substancial. Sob o prisma formal, a imunidade, em nosso entender, excepciona o princípio da generalidade da tributação, segundo o qual todos os que realizam a mesma situação de fato, à qual a lei atrela o dever de pagar tributo, estão e ele obrigados, sem distinção. Assim, sob esse aspecto, a imunidade é a impossibilidade de tributação – ou intributabilidade – de pessoas, bens e situações, resultante de vontade constitucional. Sob o aspecto material ou substancial, por sua vez, a imunidade consiste no direito público subjetivo de certas pessoas, de não se sujeitarem à tributação, nos termos delimitados por essa norma constitucional exonerativa. A imunidade tributária, então, pode ser definida como a exoneração, fixada constitucionalmente, traduzida em norma expressa impeditiva da atribuição de competência tributária ou extraível, necessariamente, de um ou mais princípios constitucionais, que confere direito público subjetivo a certas pessoas, nos termos por ela delimitados, de não se sujeitarem à tributação.

Examinada a proposição da citada jurista têm-se que acontece proteção forte do direito à religiosidade, impedindo a incidência de tributação sobre as coisas, bens e materiais utilizados para a prática concreta da religião, e a inovação constitucional leva esta proteção exatamente àquelas atividades que vimos referindo de assistencialidade, que, na prática nada mais são do que exteriorização material de convicção de matriz religiosa, vez que se trata de condutas de solidariedade e amizade social consentâneas com os princípios e referências contidos na religiosidade.

Nas palavras de Sérgio Pinto Martins23:

A Imunidade pode ser considerada como limitação constitucional que suprime o poder de tributar do Estado. Por meio da imunidade, a Constituição suprime parcela do poder fiscal.” ..... “É uma não incidência de origem constitucional, uma barreira constitucional que impede a exigência do tributo. Deixa de ocorrer o fato gerador da obrigação tributária, pois a Lei Maior determina que o poder tributante não pode exigir o tributo.

Como se vê, o instituto da imunidade tem raiz constitucional, o que, no caso do que se examina, é acorde com forma de proteção e garantia do exercício de direito fundamental, o que é percebido por Luciano Amaro, quando acentua24:

O fundamento das imunidades é a preservação de valores que a Constituição reputa relevantes (a atuação de certas entidades, a liberdade religiosa, o acesso à informação, a liberdade de expressão, etc.), que faz com que se ignore a eventual (ou efetiva) capacidade econômica revelada pela pessoa (ou revelada na situação), proclamando-se, independentemente da existência dessa capacidade, a não tributabilidade das pessoas ou situações imunes.

Mizabel Derzi, atualizando o clássico e monumental Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar, de Aliomar Baleeiro, leciona com precisão na linha que se vem adotando neste estudo que25: “A consagração de uma imunidade expressa é, às vezes, consequência lógica de um princípio fundamental.”

A imunidade atribuída pelo dispositivo constitucional em comento é consequência lógica de princípio fundamental da dignidade humana, da qual faz parte a liberdade de prática religiosa integral, como repetidas vezes já se acentuou.

Com magistralidade, Aliomar Baleeiro observa26:

Quando o Preâmbulo da Constituição proclama que ela invoca a proteção de Deus, para organizar um regime representativo, exterioriza, ao mesmo tempo, a fé em certos valores espirituais. Ela, pois, naturalmente, procurou protegê-los, preservá-los e encorajá-los pelos meios eficazes ao seu alcance. A escolha do regime democrático não traduz apenas uma orientação política e jurídica, mas ética e filosófica. A ideia nuclear da concepção democrática é o pressuposto ético que condena a utilização de qualquer indivíduo humano como simples instrumento ou meio para os fins de outros indivíduos ou grupos.” Fim em si, na concepção kantiana, o homem, ou a mulher, recebe do regime democrático o compromisso de assegurar-lhe o harmonioso desenvolvimento de todas as potencialidades materiais e morais para o bem comum.

Exatamente voltado a proteção, e mais do que isto, à efetivação e concretização do valor (mais alto) da plena realização, da realização e desenvolvimento integral e pleno do ser humano em toda a sua amplitude, a tutela jurídica dada a liberdade religiosa cumpre o papel de preservar a dimensão respectiva da dignidade humana, fim último, central e essencial da ordem constitucional estabelecida, como observa o citado autor quando leciona27:

A Constituição respeita, pois, todos os direitos da personalidade. Viver ao nível compatível com a dignidade da criatura humana.” E recomenda, sabiamente, mais adiante, que “A interpretação da Constituição, ou de qualquer lei, resulta da integração sistemática de todos os seus princípios.

Destarte, quando se cogita da imunidade tributária, que se pode qualificar como plena, tal como insculpido o dispositivo constitucional que ocupa a atenção neste estudo, se está a considerar todo um conjunto necessário a efetivação prática da religião, coisas, pessoas, instalações, adotando-se o sentido do termo, como o faz o mesmo Baleeiro quando explica28: “Destarte, templo compreende o próprio culto e tudo quanto vincula o órgão à função.

Sábia a consideração do citado Mestre, merecendo especial atenção sua última observação colacionada, imediatamente acima. É exatamente nesta linha que se aborda o tema. A imunidade tributária erigida, especialmente pela sua natureza constitucional, é de ser entendida e aplicada de maneira alargada, exatamente dando o máximo efeito à norma (constitucional), como ensina Konrad Hess nos seus “Escritos Constitucionais”, que significa dela extrair o máximo de efeitos possíveis. Assim sendo, defende-se que alcance tudo o que respeita ao culto e ao que vincula o órgão a função, onde estão inseridas todas as atividades, serviços, pessoas, realizações, enfim, tudo aquilo que vinculado à religião signifique e encerre sua prática em concretitude, daí porque há de alcançar toda e qualquer espécie tributária e não apenas os impostos, calhando a observação de Ruy Barbosa Nogueira29: “... a imunidade exclui do poder de instituir imposto sobre determinados bens ou situações, que por sua natureza e por interesse público, não deve ficar sujeitos a impostos.”

Isto significa que a defesa da integralidade e intangibilidade da dignidade humana contém a liberdade religiosa, especialmente (no enfoque que se dá) da sua prática efetiva e integral, compreendendo todas as nuanças e dimensões, como se ilustra com a ponderação de Sacha Calmon Navarro Coelho explicita enriquecedor comentário a respeito do tema30:

Contudo, não é esta a única maneira de visualizar a imunidade. À luz da teoria da norma jurídica, os dispositivos constitucionais imunizantes “entram” na composição da hipótese de incidência das normas de tributação, configurando-lhe o alcance e fixando-lhe os lindes. José Souto Maior Borges observa com propriedade que o “setor social abrangido pela imunidade está fora do âmbito da tributação.” O dispositivo constitucional que põe a imunidade atua na hipótese de incidência, excluindo de certos fatos ou aspectos destes a virtude jurígena.

Assim, pode-se e deve-se, a esta altura, deixar claro que se considera como inserido no âmbito da imunidade concedida, todas as atividades e tudo o que dela decorrer e a ela se vincular, direta ou indiretamente, sob pena de se admitir “embaraço” à liberdade (essencial) religiosa, mutilando a dignidade humana na medida em que obsta, de certa forma, sua busca à transcendentalidade, como se acentual ao início deste estudo e se vê-, no mesmo sentido, no posicionamento de Roque Carrazza, ao lecionar31:

Sempre mis se revela que a alínea “b”, em foco, visa a assegurar a livre manifestação da religiosidade das pessoas, isto é, da fé que elas têm em certos valores transcendentais. O Estado (aqui, tomado no sentido de pessoa política tributante) não pode, nem mesmo por meio de impostos, embaraçar o exercício dos cultos religiosos.

E prossegue:

Portanto, o fundamento da imunidade dos templos de qualquer culto não é a ausência de capacidade contributiva (aptidão econômica para contribuir com os gastos da comunidade), mas a proteção da liberdade dos indivíduos que restaria tolhida caso as Igrejas tivessem que suportar os impostos incidentes “sobre o patrimônio ou os serviços”, mesmo quando tais fatos jurídico-econômicos fossem relacionados, na dicção do art. 150, IV da Lei Maior, com as finalidades essências do culto.

Há, ainda, a considerar neste aspecto, que o amparo concreto à liberdade religiosa em toda a sua amplitude significa também, mesmo que tangenciando e indiretamente, a proteção ao mínimo vital, que é, sem dúvida, componente da complexa amplitude da dignidade humana, especialmente ao se considerar a existencialidade na articulação necessária entre o material (sobrevivência material) e o imaterial (sobrevivência da existencialidade humana integral), significando que a vivência religiosa na sua integralidade é parte integrante e importante da vida humana, cabendo aí registrar que as práticas, inclusive sociais, decorrentes das convicções religiosas precisam e devem ser igualmente protegidas, sendo inaceitável tolhê-las, mesmo indiretamente, especialmente pela via da tributação em gênero, naquelas hipóteses em que se onere ou grave tais atividades.

É exatamente aí a sede que se identifica das raízes justificadoras da ampla imunidade que ora se defende., considerando o comentário de Hugo Brito Machado quando diz32:

A expressão “imunidade tributária” designa a proibição, estabelecida pela Constituição ao legislador, de instituir tributo sobre os fatos ou contra pessoas que indica. Os fatos ou as pessoas ficam imunes ao tributo.” Arrematando: “É uma limitação constitucional ao poder de tributar.

O pacto político celebrado pela sociedade através de seus representantes, do qual a Constituição é o instrumento jurídico, explicita a decisão política de efeitos jurídicos de vedar a oneração tributária à vida e à prática das religiões, salutarmente entendendo que a tributação acaba por ser, na realidade, restrição (significativa) à integralidade da liberdade religiosa, muito especialmente da prática social decorrente das convicções, princípios, referências e valores que erige e consagra, e são adotados na vivência dos indivíduos que a ela pertencem.

E aqui se está a defender que o alcance desta proteção é amplo em todos os campos, seja no que respeita à ritualidade, seja no que respeita às atividades paralelas vinculadas, bem assim, no que respeita às pessoas diretamente envolvidas. Negar esta forma de leitura é retornar aos tempos antigos, onde existiam impostos específicos sobre religiões e seus praticantes, como forma de submissão destes, o que, convenhamos, é absolutamente incompatível com o nosso tempo, com o nosso estágio histórico e civilizatório.

Cabe à perfeição aqui a posição de Mônica Almeida Magalhães Serrano, quando, arrimada em José Afonso da Silva, diz33:

Contudo, parece mais acertado o entendimento de José Afonso da Silva, de que a liberdade religiosa compreende três formas de expressão: a liberdade de crença, em que “entra a liberdade de escolha da religião, a liberdade (ou o direito) de mudar de religião, mas também compreende a liberdade de não aderir à religião alguma, assim como a liberdade de descrença, a liberdade de ser ateu e de exprimir o agnosticismo”, a liberdade de culto, a partir da exteriorização de cerimônias ou ritos, com a devida proteção aos locais de cultos; e a liberdade de organização religiosa. Adotada esta premissa, verifica-se que o direito à liberdade de religião envolve múltiplos direitos, podendo configurar direitos fundamentais de primeira, segunda ou outras dimensões.

Acolhendo a proposição dessa obra recente, que já se revela verdadeiro clássico sobre o tema, temos claro e evidente que se considera a busca pelo transcendente como inerente à condição humana, não importando a forma ou meio ao qual o indivíduo ou grupo recorrem, porque integra o conteúdo da dignidade humana, eixo central da ordem jurídica brasileira, e que, como se vem insistindo, é consequência natural e lógica que merece tutela protetiva mais ampla possível, de sorte a alcançar à integralidade das dimensões nas quais acontece, no caso do estudo presente, especialmente no campo material, pela expressão, manifestação e prática de condutas e ações consoante os princípios, referências, valores e fundamentos emanados da convicção religiosa.

Em reforço ao argumento (contrário senso), a abrangência desta tutela há de alargar-se a todo o espectro da vida em sociedade, sob pena de, sutil e indiretamente, por vezes, até de forma dissimulada, o Estado, laico por determinação constitucional, iniba, agrave o mesmo inviabilize determinadas atividades decorrentes da convicção religiosa, pondo obstáculo de legitimidade aparente.

A já citada autora observa acerca da laicidade com maestria que34:

A pedra de toque da laicidade se fixa na postura neutra do Estado em questões religiosas. No Brasil, a separação entre Estado e religião decorre expressamente da CF/1988, sendo vedado qualquer tipo de discriminação ou privilégios específicos à determinadas religiões.

No mesmo sentido, André Ramos Tavares orienta35:

Antes, porém, cumpre registrar, ainda aqui, a distinção necessária entre laicismo e laicidade, porque há de se afastar aquele primeiro do sentido das discussões que seguem aqui. O laicismo significa um juízo de valor negativo em relação à fé. Baseado, historicamente, no racionalismo e no cientificismo, é hostil à liberdade de religião plena, às suas práticas amplas. A França, e seus recentes episódios de intolerância religiosa, pode ser aqui lembrada como exemplo mais evidente de um Estado que, longe de permitir e consagrar amplamente a liberdade de religião e o não comprometimento religioso do Estado, compromete-se, ao contrário, com uma postura de desvalorização da religião, tornando o Estado inimigo da religião, seja qual for. Já a laicidade, como neutralidade, significa a isenção acima referida. Como ficou decidido no caso Everson v. Board of Education (U.S.1,18(1947) pela Suprema Corte norte-americana: “Aquela emenda requer do Estado que seja neutro em suas relações com grupos de crentes religiosos ou de não crentes; não requer que o Estado seja se adversário. O tanto que o poder do Estado não deve ser utilizado de maneira a favorecer as religiões, não deve ser para ceifá-las.

É exatamente esta a leitura que se faz, valendo rememorar a advertência de Sampaio Dória, no seu Curso de Direito Constitucional (ed. Forense, RJ.), de que o Estado laico não é inimigo da religião. Tanto assim que quando se adota uma posição de ateísmo, nitidamente se ocupa da atividade de combater a religião (em gênero – todas), materializando exatamente um juízo de valor negativo, com desprezo e desconsideração para com a religiosidade, mutilando, assim, parcela significativa da dignidade humana e negando a validade, e mesmo existência, do direito fundamental referenciador e norteador da ordem jurídica estabelecida, mercê da construção constitucional vigente.

4 - COMO RESPOSTA AOS QUESITOS

Ao início, se afirmou que o projeto é oferecer resposta a todos os quesitos propostos, que por sinal convergem e se harmonizam.

Em atenção ao primeiro deles, se afirma com segurança que a letra “b” do inciso VI, do art. 150 da Constituição, com a redação dada pela EC 132/23, alargou o espectro das imunidades das instituições religiosas, e andou bem ao fazê-lo, quando incluiu as “instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei.”. Afigura-nos como aperfeiçoamento útil e necessário do mandamento constitucional, seguindo ao determinado pelos princípios fundamentais da Constituição, que têm como eixo a dignidade humana.

Com efeito, temos que a busca pelo transcendente, que é necessidade inerente à condição humana, significa aspecto de alta relevância para o integral desenvolvimento da personalidade para a busca e conquista de condição existencial com a indispensável dignidade, e, porque é assim, é dever do Estado respeitar esta busca e, mais do que isto, abster-se de opor obstáculos ou limitações de qualquer natureza.

Ora bem, esta busca pelo transcendente, na esmagadora maioria dos casos, conduz à adoção de uma opção religiosa. Esta opção encerra convicções, princípios e referências que integram o conjunto formador da ética das pessoas e grupos, que se manifestam em práticas religiosas estrito senso, naquilo que respeita às práticas rituais e de culto propriamente dito, adoção de símbolos e outros elementos que exprimem sacralidade, mas também refletem na vida prática e concreta das pessoas ao adotarem estas condutas e posturas, não apenas reveladoras de tudo isso, bem como ao desenvolverem atividades na vida social, direcionadas exatamente a concretização pela prática destes valores.

Temos claro que as duas dimensões da vida religiosa: a de culto e prática, e a de atividades fundadas em convicções religiosas constituem a real e verdadeira prática de existencialidade religiosa, materializando, como se fez referência antes, a plenitude da prática e vivência real da religião, com a indispensável liberdade.

Desta forma, pode-se considerar que todas as religiões têm em comum o postulado da solidariedade e da fraternidade, daquilo que o Santo Padre, Papa Francisco, nominou iluminadamente de “Amizade Social”, o espírito de fraternidade, o compromisso íntimo de servir, de apoiar, de beneficiar o outro, vendo o semelhante na criatura que é obra de Deus, feita a sua imagem e semelhança, portanto digna e merecedora de atenção, respeito e apoio.

Ora, quando se leva em conta esta postura de “Amizade Social” como orientação e magistério religioso, temos claro de que se trata de indução à ação concreta, à adoção de condutas e atitudes orientadas neste sentido, as quais levam, necessariamente a práticas de educação e assistência social, em todos os níveis, o que vai além das necessidades básicas de sobrevivência material, que se ocupa de saúde, assistência social, apoio humano em necessidades de toda a ordem. Estas atividades e as pessoas que as fazem acontecer, implicitamente, estão praticando e vivenciando suas convicções religiosas, e como tal praticando a religião em substancialidade; afinal, a fé sem obras nada é.

Há a considerar, ainda, que ao desenvolver atividades de educação e assistência social (ambas na acepção mais integral dos termos), além de praticar a religiosidade, que é direito fundamental como já se viu, estão de maneira bem direta colaborando com o interesse geral da sociedade, na medida em que se ocupam de melhorar as condições das pessoas, o que por si só já justifica e legitima sejam apoiadas pelo Estado, afinal, estão atuando supletivamente naquilo que é razão de ser do próprio ente político organizado – buscar e construir o bem estar geral.

Assim posto, tributar tais atividades é onerá-las e, ao fazê-lo, limitar de maneira sutil e indireta, como se vem insistindo, a plena liberdade de prática da religião, em ofensa grave ao direito fundamental à dignidade humana e flagrante violação ao princípio fundamental da ordem constitucional estabelecida.

Esta resposta conduz a que se enfrente o terceiro questionamento, que nos leva a afirmar que o mandamento constitucional contém “vedação absoluta ao poder de tributar”, seja porque o dispositivo em comento está sob o título Das Limitações do Poder de Tributar, com o caput do art. 150 contendo a expressão vedado, isto é proibido, impedido, interditado de tributação. Com isso, o ato constituinte de soberania decide excluir do campo sujeito ao poder de imposição tributária do Estado, a vida religiosa, e naturalmente tudo o que a ela diga respeito, inclusive suas atividades de beneficência social, antes aludidas.

O Jurista Kiyoshi Harada, como sempre, fundado em boa doutrina afirma36:

A doutrina tradicional conceitua a imunidade como sendo uma vedação ao poder de instituir impostos. Disso resultou a ideia generalizada de que a imunidade só se refere a impostos. Entretanto, sabemos que a imunidade abrange outras espécies tributárias, como mais adiante veremos.

Neste sentido, acompanha-se a posição deste Jurista, entendendo que o mandamento constitucional expresso dá maior amplitude possível, alcançando todas as espécies tributárias, até como decorrência lógica, eis que ao conceder imunidade – vedação absoluta – dá-se a exclusão do campo de tributação de estas atividades, até porque se quisesse o constituinte excepcionar alguma coisa o teria feito, descabendo, assim, ao intérprete (administrativo, fiscal ou judicial) produzir colmatação de normatividade, mormente de natureza constitucional, uma vez que esta, nem mesmo o legislador pode fazer, sem quebra da hierarquia normativa.

Com efeito, na medida que se tem a exclusão de instituições e atividades do campo de incidência do poder tributário estatal, se o tem na sua inteireza e integralidade, o que significa dizer, que alcança a todas as espécies tributárias. Como explicita o ensinamento de Harada37 dando conta da existência de duas espécies de imunidade: a recíproca e a genérica, dizendo:

A outra espécie de imunidade é a que a doutrina batizou de imunidade genérica voltada para valores abrigados na Constituição, como a liberdade de pensamento, a unidade nacional e outros valores individuais ou coletivos. Por fim, há uma imunidade específica da contribuição social voltada para as instituições de ensino e de assistência social.

É exatamente o caso, a proteção contra o poder tributário estatal tem sede na proteção necessária a valores fundamentais contemplados constitucionalmente de forma expressa, inclusive erigidos como princípios fundamentais, como antes se colacionou no magistério de Mizabel Derzi, que se tem a imunidade ampla do dispositivo constitucional em comento.

É esclarecedor e ilustrativo o magistério de Harada a respeito ao observar38:

A religiosidade do povo brasileiro é um dos traços marcantes tanto que, todas as Constituições que se sucederam ao longo da história, encontram-se nos respectivos preâmbulos as referências invocando a proteção de Deus: (...) promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte (...) Para isso, para a proteção desses valores religiosos, a Constituição estatuiu a vedação de instituir impostos sobre templos de qualquer culto, sem distinção de ritos. E essa imunidade alcança não apenas o edifício onde se pratica a atividade religiosa, como também o próprio culto. O convento, os anexos, inclusive a residência do pároco ou pastor, assim como a embarcação, avião ou veículo utilizado como templo móvel para a prática exclusiva do culto são abrangidos pela imunidade, segundo a doutrina de Aliomar Baleeiro.

Temos a opinião de que a imunidade é mais ampla, eis que alcança a tudo o que diz respeito à prática da religião na sua integralidade, indo mais adiante do que aquilo diretamente relacionado ao culto em si. O avanço constitucional mostra que se se alargar a prática religiosa para a realização de determinadas atividades em benefício geral da sociedade, mormente em auxílio àquilo que é dever do Estado, também estas atividades e o que nelas é empregado e utilizado para a consecução de suas finalidades objetivas está coberto pela imunidade, sob o fundamento de emanação do direito fundamental à dignidade, que congloba a prática integral e livre da religiosidade.

Com este mesmo critério, de forma breve, invocando todo o expendido, pode-se afirmar que a imunidade inclui a remuneração pelos ofícios religiosos (de todas as naturezas), bem como, logicamente, a daquelas pessoas que os realizam, aí entendidos não apenas os sacerdotes, mas seus auxiliares.

O quarto questionamento responde-se afirmando que, pela natureza constitucional da imunidade tributária, que exclui do campo de exercício do poder de tributação do Estado as pessoas e situações que contempla, constitui-se em direito subjetivo dos indivíduos, oponível contra o Estado, e, no caso concreto autoaplicável, com o que não existe e nem pode existir a necessidade de concessão pelo Poder Público para seu gozo, já que esta foi atribuída pelo poder constituinte. Por uma questão de ordem administrativa se admite a possibilidade de um registro ou cadastramento dos beneficiários, para facilitar, eventualmente, a gestão fiscal e a administração fazendária, nada mais do que isto.

5 - EM CONCLUSÃO

É possível sintetizar que a imunidade concedida pelo dispositivo constitucional em comento é absoluta, alcançando, como demonstrado, todas as atividades diretas e indiretas da prática religiosa, aí incluídos os indivíduos encarregados dos cultos e ofícios e seus auxiliares, especialmente no respeitante as côngruas, taxas e limosas, até porque, a rigor não são remunerações nem dão origem a aumento de patrimônio, antes disso, são valores destinados à manutenção e sobrevivência da instituição e seus encarregados, além do que também atinge as atividades de assistência social e educacionais, realizadas com a motivação e inspiração religiosa.

Pela índole constitucional, não se depende de concessão ou reconhecimento do Estado, sob pena de ser admitida séria restrição à liberdade religiosa, quando muito, é aceitável um registro ou cadastro para fins de administração fazendária e fiscal.

Por derradeiro, tem-se que o fundamento desta imunidade, bem como do alargamento recentemente feito pelo constituinte derivado de seu alcance, nada mais é do que proteção à ampla liberdade de prática integral da religiosidade, inclusive no campo social, considerado que tal liberdade e seu pleno exercício são integrantes indissociáveis da dignidade humana, direito fundamental de primacial relevância.

6 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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VIEIRA, Thiago Rafael. Liberdade Religiosa. Fundamentos Teóricos para proteção e exercício da crença. Ed. Almedina Brasil, SP., 2023;

1 Introdução ao Pensamento Filosófico, ed. Cultrix, SP, 2021, pp.24-25

2 op.cit.p.143

3 op.cit.pp.144-145

4 Eu não sou meu cérebro – Filosofia do Espírito para o século XXI, ed. Vozes, RJ., 2018, p.53

5 Introdução à Filosofia, ed. Paulus, SP.,1981, p.206

6 op.cit.p.145

7 Curso de Direito Constitucional, ed. Saraiva, SP., 2023, p. 293

8 Curso de Direito Constitucional, ed. Saraivar, SP, 2023, 21ª edição

9 op.cit.p.cit.p.425

10 op.cit. pp. 428-429

11 PrecisDalloz, Paris, 1979

12 JUCÁ, Francisco Pedro. Liberdade Religiosa, in Liberdade Religiosa e Liberdade de Expressão, ed. Noeses, SP., 2020, p.384

13 op.cit.p.389

14 Liberdade Religiosa. Fundamentos Teóricos para proteção e exercício da crença. Ed. Almedina Brasil, SP., 2023, p.97

15 op.cit.p.101

16 MENDONÇA, André Luiz de Almeida. A primeira das Liberdades: a liberdade religiosa e a sua efetividade na laicidade colaborativa brasileira. In Liberdades, ed. J&C, RJ, 2022

17 O dever fundamental de pagar impostos. Contributo para a compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo. Ed. Almedia, Coimbra, 2015, p.56

18 op.cit.p.435

19 op.cit.p.211

20 op.cit.p.349

21 Liberdade Religiosa e a Imunidade Tributária, ed. Almedina Brasil, SP, 2023, p.120

22 In Curso de Direito Tributário. Constituição e Código Tributário Nacional, ed. Saraiva, 2013, pp.98-99

23 Manual de Direito Tributário, ed. Atlas, SP, 2004, pp.140-141

24 Direito Tributário Brasileiro, ed. Saraiva, SP., 2005,p.151

25 ed. Forense, RJ, 1997

26 Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar, ed. Forense, RJ, 1975, pp.179-180

27 op.cit.loc.cit.

28 op.cit.p.181

29 Curso de Direito Tributário, ed. Saraiva, SP., 1990, p. 130

30 Curso de Direito Tributário Brasileiro, ed. Forense, RJ., 2004, p.172

31 Curso de Direito Constitucional Tributário, ed. Malheiros Editores, SP, 2012, p.848

32 Curso de Direito Constitucional Tributário, ed. Malheiros Editores, SP., 2012, p.268

33 op.cit.p.78

34 op.cit.p.81

35 op.cit.p.504

36 Imunidade, Não Incidência e Isenção. Doutrina e Prática, ed. Max Limonad, SP., 2023, p.25

37 op.cit.pp.38-39

38 op.cit.pp.56-57