Juiz do Trabalho Titular da 14ªVT/SP. Mestre, Doutor em Direito Privado pela PUC/SP e Direito do Estado pela USP. Livre-Docente em Direito Financeiro pela USP. Pós Doutorado na Universidade de Salamanca – Espanha. Pós Doutorado na Universidade Nacional de Córdoba – Argentina. Professor Titular de Direito Constitucional da Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo – FADISP, do Corpo Permanente do Programa de Pós-Graduação Stricto Senso (Mestrado e Doutorado). Preside à Academia Paulista de Letras Jurídicas – APLJ, Cadeira 7, Patrono Sampaio Dória. Da Academia Paulista de Magistrados. Sociedade Paulista de Direito Financeiro e da Asociación Hispanobrasileña de Derecho Comparado. Associação Brasileira dos Constitucionalistas Brasileiros – Instituto Pimenta Bueno. Instituto Brasileiro de Direito Constitucional e Associação Internacional dos Constitucionalistas. Presidente da Sociedade Brasileira de Direito Financeiro.
INTRODUÇÃO
Diante da crise (grave) que o país enfrenta nestes dias angustiantes, retorna à discussão a hipótese de alteração do modelo de governo presidencialista, com referência ao Parlamentarismo ou Semi-Presidencialismo, este último, termo cunhado por Maurice Duverger ao tempo da Constituição francesa de 1958, principalmente orbitando na concepção gaullista como solução à questão argelina.
Com efeito, de certa forma e à francesa, a solução construída à época solucionou o problema, respondeu à necessidade posta, e, apenas para registro, poucas e secundárias são as alterações feitas até nossos dias, maiores apenas em relação àquilo que concerne às normas constitutivas da Comunidade Européia.
É possível algum paralelismo.
Tem-se hoje crise de gravidade que produz efeitos em dois níveis fundamentais da organização social: econômico e político. O arsenal constitucional disponível não oferece, e a experiência concreta o mostra, mecanismo de solução eficaz, gerando, ainda mesmo que transitoriamente, traumas sociais e políticos consideráveis que, ao fim e ao cabo, geram instabilidade e conflito latente. Cabe, portanto, enfrentar o desafio de construir ou renovar ferramental constitucional com vistas a tratar, com maior eficiência, quadros e circunstâncias de natureza semelhante, inclusive cabendo destacar a necessidade deste instrumental para situações semelhantes, cuja ocorrência, manda a prudência, não se exclua a possibilidade, até porque a conflitividade é inerente à convivência e os desencontros são da natureza do processo social.
Parte-se do pressuposto que o que denominamos de modelo de organização governativa não é entre nós cláusula pétrea, nem explícita nem implícita, eis que o art. 60 da CF delimita república, mandatos transitórios e eleições periódicas, além da separação de poderes e direitos fundamentais. É forçoso constatar que nenhum destes elementos é vulnerado pela alteração, e ainda crê-se, mesmo implicitamente, que nada os obsta, eis que os princípios da democracia, república e estado de direito restam íntegros.
Assim, tem-se a convicção de que a alteração pode ser feita via emenda constitucional, obedecido ao processo legislativo pertinente.
1. Questões prévias (algumas)
O exame do tema, tal como se o propõe, torna obrigatório o levante (pelo menos) de algumas questões prévias, assim se as considerando porque pertinentes à aspectos que servem de pressupostos a se considerar para a formulação de uma resposta útil à discussão da matéria.
É importante referir que tais questões estão na chamada zona gris entre o Direito e a Política, tão bem identificado por Jorge Xifra-de-Heras2 em estudo relativo à teoria da constituição, onde não se pode identificar com precisão onde está cada uma, onde um termina e o outro começa:
“La denominación “Derecho Político”, generalizada desde miados Del siglo pasado, expresa La simbiosis que, em La realidad social, se produce entre El orden jurídico y La atividade política. Aunque conceptualmente distintos, Derecho y Política son conceptos inseparables. Para su comprensión es necesaria uma visón de conjunto que abarque a uno y a outra”.
Temos que é exatamente o elemento de conexão em que interativamente ambos encontram nutrição recíproca, comutando os conteúdos político e jurídico.
O citado autor, de forma esclarecedora disserta:
“El Derecho se manifiesta como um orden normativo e imperativo de relaciones sociales. El factor central de la Política es, em cambio, el poder. El Derecho pertenece AL mundo de las relaciones, mientras que la Política se situa em el de las decisiones. Aquél responde a um esquema de reglas rígidas y generales; ésta, a las exigências de la oportunidad. No obstante, em los domínios del Derecho concurrem factores imperativos e ideológicos, y esto lo aproxima de la Política. Y, AL mismo tiempo, La actividad política desarrolla uma labor creadora de normas, y esto La próxima al Derecho.”
Sob este ponto de vista, podemos entender que a Constituição é o instrumento jurídico explicitador e formalizador do pacto político organizador da sociedade e, por isto mesmo, é o instrumento e ferramenta adequada e própria a solucionar os problemas surgentes, tudo sempre em conformidade com o pactuado.
É sabido que o direito tem caráter de historicidade, corresponde às circunstâncias históricas da sociedade e às necessidades postas, ao que é problematizado no tempo e para o que a sociedade tem a capacidade de responder. Forçoso é considerar, ainda, que em todo este contexto, há no direito um conteúdo ético fundante, lastreado nos valores (estes absolutos) representados pela cultura vigente.
Assim considerada e posta, a idéia de Constituição se forma voltada especificamente para a dimensão da organização político-governativa da sociedade, porque este era o problema posto a época, em que, superado o absolutismo, constroem-se as formulações de desconcentração e repartição de poderes e funções com o fito de assim impedir o poder absoluto e estabelecer padrões de limitação e controle do exercício dele, remetendo a migração do poder político soberano para a sociedade e à cidadania. Exatamente em razão disto nasce como Direito Político, sofrendo a mutação decorrente da evolução da sociedade, onde novas necessidades organizacionais surgem e novas soluções são concebidas, como por exemplo, a idade do Constitucionalismo Social, com o estabelecimento de estatuto constitucional para os fatores de produção, capital e trabalho, o que significou o reconhecimento de caráter de politicidade ao poder econômico e às relações dele derivadas.
O postulado fundamental de nossos dias é a concepção do Estado de Direito Democrático, no Brasil estabelecido na Constituição, em seu art. 1º. Portanto, todas as formulações hão de estar submetidas à democracia e ao direito, bem como, norteadas pelo valor do justo e dotadas de conteúdo democrático.
Destarte, qualquer formulação que seja feita há de jungir-se a tais parâmetros e conteúdos, conforme e através do direito e seus postulados, e com conteúdo democrático nítido, reconhecendo a soberania cidadã e do povo.
A propósito, Jorge Miranda3 observa:
“A menção da democracia na Constituição incorpora uma regra prescritiva, não uma regra negativa ou proibitiva. Obriga a que na expressão e na organização políticas se observem regras inerentes a uma ordem constitucional democrática, obriga a que se siga o “método democrático” de ação política, e não qualquer método assente na subversão ou na violência. Daí, no tocante aos partidos, os princípios da transparência, da organização e da gestão democráticas e da participação de todos os seus membros.”
Nesta ótica, entende-se que a formulação dos modelos governativos é de época anterior, tomando por referência parâmetros que já não correspondem à atualidade, especialmente por não considerarem os elementos constitutivos dos nossos dias, do que é exemplo a sociedade de massas e dos grandes números; a alteração do perfil estatal, a alteração do conteúdo de soberania estatal com as blocagens regionais e suas normas supranacionais e jurisdição também supranacional; o surgimento de novas categorias como o consumidor, o mercado, as grandes corporações, a interdependência de interesses e necessidades, a quebra definitiva e fundamental dos ideais de autarquia e a auto-suficiência.
Resulta deste quadro complexo sumariamente aventado, que é sensível, a nosso ver, a superação de modelos, todos, indistintamente, porquanto apresentam insuficiências. Ilustra-se. Se o Presidencialismo apresenta problemas, como se vê na América Latina, também o Parlamentarismo dá sinais inquietantes, do que são exemplos eloqüentes os casos recentes da Espanha e da Bélgica e as dificuldades de formar governo.
Podemos construir uma hipótese provisória de que a adoção pura e simples de um modelo tradicional existente não será suficiente, quando muito mudarão os problemas, simplesmente. Assim, não se pode cogitar da solução mágica do Parlamentarismo, Semi-Presidencialismo ou Presidencialismo. Há de ir-se para águas mais fundas, o que significa considerar a necessidade de ajustes e adaptações dos modelos à realidade do nosso tempo.
É ponto importante a considerar o que se pode generalizar como “crise de representatividade”. Está claro e evidente que os instrumentos e mecanismos de representação existentes, tanto no âmbito político como do social, dão sinais patentes de exaustão e progressivamente são considerados por parcelas cada vez maiores da sociedade como “pouco ou quase nada representativos”. Esta crise compromete substancialmente a manutenção estável de pacto político e de consequente ação governamental. Isto sugere que a democracia e seus instrumentos precisam urgentemente ser revisitados, e a discussão sobre o tema organização governativa pressupõe e obriga a esta revisita.
Outro aspecto a observar é que se deve considerar como governo a ação sistêmica e integrada de todas as ações pertinentes às finalidades e objetivos estatais, suas estruturas operacionais de exercício, seus agentes e seu regime jurídico. Portanto, tem-se que é forçoso considerar como sistema o que a doutrina e a tradição denominam de três poderes, vez que a função de governo envolve os três, consideradas, é claro, suas funções e finalidades próprias.
Esta revisita, portanto, implica em rever o modelo de organização governativa no seu conjunto, envolvendo a separação dos poderes e a relação necessária entre eles (harmonia e independência), com o obrigatório redesenho do sistema de freios e contrapesos, fundamental para a limitação e controle democrático do exercício do poder. Envolve o reexame das atribuições e configurações dos Poderes e perpassa em reexame do processo decisório e de sua formulação, bem como em reconcepção do conteúdo de definições e conceitos, especialmente de caráter ideológico inafastável, é verdade, mas, limitado ao máximo, porque as estruturas são gerais e pertencem a todos, donde não podem ser nem tendenciosas, nem excludentes e, antes integradoras, do que divisoras, voltadas para a sociedade no seu conjunto.
Examinar, portanto, o que denominamos (algo atrevidamente) de Modelo de Governo, como ordenação estrutural e sistêmica, pressupõe a consideração dos fatores gerais da sociedade, suas características, circunstâncias históricas, possibilidades reais e preservação absoluta dos valores fundantes da ordem constitucional estabelecida. Acresce-se a isto, a necessidade de ter claro que o Direito não é instrumento mágico capaz de superar todos os problemas, prever todas as situações, antes, é de se tê-lo como instrumento hábil e útil para a solução concreta de problemas a partir dos fundamentos axiológicos dos quais se nutre.
3. A Sociedade, o Estado e o Direito – O disponível e o necessário
Todo o arcabouço da construção conceitual sócio política que se utiliza, ainda hoje, para a formulação de todas as estruturas e organizações, tem como ponto de partida, implícita ou explicitamente, o conceito de classe basicamente fundado na concepção marxista, que é binária, dualista, pressupondo antagonismo absoluto e explicitando, aí, a dialeticidade, que pelo conflito dará nascimento à síntese.
O grande traço de insuficiência que se constata é a estaticidade. Toda a concepção pressupõe que a inserção classista é permanente (estática), somente alterada pela ruptura revolucionária com a substituição de classes. Sua falha está em desconsiderar os movimentos sociais, a mobilidade horizontal e vertical, ignorando a dinâmica inerente à sociedade que é coisa viva e, em conseqüência, as relações que se estabelecem que são dinâmicas e, como tal, mutáveis, ajustando-se às circunstâncias.
Ao lado disso, resta a herança, ainda que no inconsciente, da relação de infra/superestrutura, em que a primeira determina de forma absoluta a segunda. Portanto, conforme se estabelece o modo de produção controlado por uma classe (possuidores), espoliando os segundos (despossuídos) e estabelecendo uma relação de dominação, é que se constroem a ideologia, os valores, o direito e a organização política.
Os dois aspectos comportam reparos, quando nada porque tais concepções datam do século XIX, a partir de um momento histórico e, portanto, de uma realidade e de uma época. A sociedade e o mundo mudaram radicalmente, daí tais conceitos precisarem tanto de contextualização, sob pena de se tornarem inservíveis por obsolescência.
Primeiro em relação à classe. Já nos anos 50, Georges Burdeau, no monumental Tratado de Ciência Política, observa a superação do conceito de classes sociais fixo (estático), entendendo-as como feixes de interesses e, exatamente em razão desta característica, marcados pela dinamicidade e, portanto, mutáveis. Ora, se os interesses aglutinadores (fatores de identidade e coesão) mudam, a estruturação e composição igualmente mudam. O fenômeno acentua-se na sociedade contemporânea, marcadamente fragmentária, com infinitas subdivisões e desdobramento de miríades de identidades. Além disto, a dinamicidade dromocrática (revolução do tempo), inerente à sociedade da informação e das redes e teias, com a mitigação sensível da proximidade física, contribui para um novo tipo de dinamicidade ainda não plenamente identificado, que se acentua com a fugacidade das identificações e interesses.
Não comporta dúvida de que todo o conceitual precisa ser revisto.
Tanto mais é assim, que diante do impacto da tecnologia, a terceira revolução traz a cisão marcada entre a detenção e acumulação do capital e a técnica de produção (expertise), o surgimento do capital tecnológico e humano, estabelecendo uma divisão clara entre o controle do capital e sua detenção, e a administração e emprego dele.
Não se pode, neste quadro, delimitar classes fixas e antagonismo permanente e inconciliável. Estes deixaram de existir, eis que superados pelos tempos.
Ainda há a considerar que a relação entre a infra e a supra estrutura não é de dependência absoluta (determinancia), ao contrário, é interativa e dialógica. Há contínua e permanente troca de influências; a maneira de entender a realidade e de conviver com ela influencia na organização da econômica e, esta, na maneira de pensar, não se as podendo conceber como coisas unilateralmente conectadas. A retroalimentação é uma realidade palpável.
Estes elementos refletem-se duramente na organização social e, consequentemente, na política e no direito.
É neste pano de fundo complexo, mutável, marcado por vicissitudes de uma dinâmica nova e nem sempre claramente percebida, que se vai questionar a representatividade. É fato que precipuamente a política, porém, sem excluir o que chamamos de social.
O ponto nodal da representatividade em todos os níveis precisa ajustar-se a esta realidade gritante que não é alcançada pelos modelos tradicionais, pelas práticas e agentes tradicionais, eis que estes se revelam insuficientes e, em conseqüência, ineficazes.
Até mesmo como complicador, a “teia” de representação e diálogo social inclui no processo outros atores: as organizações da sociedade civil que ganham novo perfil e papel, e, exatamente em razão disto, estabelecem diálogo e interação com os atores tradicionais, na exata medida em que trazem à tona feixes de interesses e reflexos destes, peculiares e específicos, incluindo outras referências de percepção e compreensão de mundo e da realidade, e que, por isso mesmo, não podem ser desconsideradas, antes, precisam ser incorporadas ao processo. Esse processo, com tais características, é que pode tornar possível o afloramento ou a construção da necessária identificação entre representantes e representados. A identidade, por sua vez, viabiliza a capacidade de percepção e interpretação das demandas e a cosmovisão entre ambos, o que, consequentemente, torna também possível a formulação adequada das postulações e dos interesses, seu perfil e limites que, no entrechoque concorrencial próprio da convivência social, fornece a matéria prima para a elaboração dos consensos predominantes na sociedade, a partir dos quais a organização política vai fazendo permanente arbitramento e gerindo os conflitos, dando curso ao processo de governo efetivamente democrático, conseqüencial e efetivamente democrático e equilibrado.
O referencial básico da democracia de partidos competitivos, estruturado em padrões ainda do século XIX, dá sinais claros de exaustão e este fenômeno precisa ser considerado. Mesmo a modelagem partidária pós-marxista, repartida entre Partidos de Quadros (Personalidades) e de Massas (Militância), encontra-se superada.
Há que se considerar como problema a enfrentar, a revisita aos instrumentos partidários, cabendo discutir como fazer, harmonizando os quadros dirigentes e a massa militante, ambos indispensáveis porque se complementam antes de se excluir, como antes se pensava.
A legitimação representativa precisa acontecer como capacidade de aglutinar e interpretar a formulação dos interesses, bem como de defendê-los e sustentá-los na disputa natural com os outros, como antes demonstrado, tendo, ainda como requisito essencial, a incorporação includente de segmentos sociais articulados em estruturas e organizações da sociedade não diretamente vinculadas ao Estado, mas, nem por isto, excluídas do processo político, aprofundando, assim, a democracia participativa no processo decisório, essencial para o funcionamento do sistema, como se o entende.
Assim, o diálogo das representatividades vai se desenrolar na busca da construção de consensos democráticos estabelecidos a partir dos pontos convergentes dentro da pluralidade natural, legitimando-se a liderança e direcionalidade na habilidade e capacidade de identificação, interpretação e formulação destes pontos, e a elaboração do perfil das demandas dos segmentos e das respostas necessárias a atendê-las.
A base de formação dos partidos deve estar aí. E, como observou antes Jorge Miranda, o conteúdo democrático há de impor à organização, a existência e efetividade de mecanismos e instrumentos para a efetiva participação da militância no processo decisório dos Partidos.
O segundo ponto que se pretende destacar diz respeito ao processo eleitoral.
O postulado que se estabeleceu, qual seja a consolidação das concepções partidárias, Quadros/Massa, é a de que haja real oportunidade para que ambos se integrem na formação dos corpos estatais preenchidos pela via da escolha popular, impondo-se assim, a mescla entre bases e critérios eleitorais, daí a pertinência de se considerar as hipóteses do voto distrital misto que, a nosso ver, pode atender a necessidade de quadros e massas, equilibrando o sistema.
Considerados estes dois aspectos, temos que a revisão do modelo governativo, tal como se cogita, pressupõe ajuste partidário e eleitoral, onde está a base da formulação, que ao final se vai propor, centrando a atenção no empenho da consolidação das identificações representativas, as quais podem oferecer a legitimação necessária ao processo político em toda a sua extensão.
Cogitar, pura e simplesmente, da alteração ou revisão de um modelo de organização de governo quase que concentrado em uma das estruturas de exercício do poder político, no caso, o Poder Executivo, desconsiderando os aspectos aduzidos, é reflexão parcial e incompleta, condenada às dificuldades e insuficiências, que antes muda os problemas do que os soluciona.
É interessante trazer-se o conceito gramsciano de crise: momento em que o novo não consegue nascer (eclodir) e o velho não consegue morrer (consolidando a sua superação). Temos em vista exatamente esta formulação, o novo, que vem a ser a revisita e a reconstrução de modelo compatível com as necessidades e desafios contemporâneos, que está como que bloqueado ou, no mínimo, obstado pela consolidação da superação do antigo e que claramente já não responde ao que se precisa.
Toma-se como base e ponto de partida, a experiência histórica consolidada na organização estatal (tradicional) da separação tripartida de poderes, acerca da qual o jurista André Ramos Tavares4 observa com absoluta propriedade:
“Aquilo que corretamente se designa como “separação dos poderes estatais” é, no fundo, como bem adverte Karl Loewewinstein, uma distribuição de determinadas funções a diferentes órgãos do Estado.”
A repartição ou distribuição de funções, atividades e competências dos órgãos, e a formação das estruturas normativas constitucionais para organização do aparato, cerne da constituição política, têm como referência o equilíbrio, a limitação recíproca e o controle exercido entre as funções, estruturas e órgãos, de forma a preservar os direitos fundamentais e os objetivos e finalidades buscadas pela organização política da sociedade na forma de Estado, excluído a indesejável exarcebação ou preeminência esmagadora de qualquer deles.
Em nossos dias, consideradas a multiplicidade e variedade de demandas e de interesses, e a complexidade das relações e das organizações, é essencial incorporar o que entendemos ser a funcionalidade do Estado e do Governo no processo da sociedade e na organização dela, orientando todo o seu funcionamento no sentido de atingir objetivos claros e definidos, principalmente em tempo útil, qual seja o de serem percebidas as ações e, mais do que isto, sentidos os resultados concretos, que é o que, em nosso ver, consolida a legitimação política do sistema fundado na aceitação e na concordância, inerente ao pacto essencial entre governantes e governados, garantidor maior do conteúdo democrático desejado.
É preciso também destacar que esta legitimação pressupõe a coerência e conexão firmes entre o discurso, a ação e o resultado, seguindo a sequência da interpretação/convencimento, formulação/execução e alcance dos objetivos propostos e pactuados. A sede ou núcleo central do que chamamos de bom governo, sobre o qual mais adiante se vai esclarecer, está na capacidade de formular e cumprir pactos com eficiência e eficácia, obtendo os resultados preconizados, finalidade última e essencial, justificadora da existência e razão de ser da organização política, daí porque sustentamos a existência clara e definida de um direito fundamental ao Bom Governo.
A busca deste desideratum impõe o desafio de ajustar e redesenhar estruturas e formulações em busca da eficiência e da funcionalidade, exatamente para concretizar a atenção a este direito fundamental.
Fixado o entendimento de que os modelos contemporâneos dão sinais claros de exaustão e superação, alternativa não resta senão, incorporando racionalidade, revisitá-los e buscar readequar suas formulações para as necessidades postas na contemporaneidade.
Recorre-se mais uma vez ao jurista André Ramos Tavares5 que observa:
“Contudo, modernamente têm sido propostas novas classificações das funções do Estado, com bases mais científicas, com vistas à realidade histórica em que cada Estado se concentra. Aliás, a prática mundial já se incumbiu de desmistificar a necessidade de poderes totalmente independentes, quando mais numa distribuição tripartite. Ademais, a tese da absoluta separação entre os poderes os tornaria perniciosos e arbitrários. (justamente aquilo que se pretende coibir)”
Com efeito, a multiplicidade de funções, demandas, ações e processos fez surgir elementos novos, inexistentes ao tempo da formulação original. E a co-existência deles com as estruturas tradicionais vêm gerando disfuncionalidades e até mesmo incompatibilidades.
Não é sem razão, então, que o mesmo Ramos Tavares6 constata:
“A doutrina da separação dos poderes serve atualmente como uma técnica de arranjo da estrutura política do Estado, implicando na sua distribuição por diversos órgãos, e de forma não exclusiva, permitindo o controle recíproco, tendo em vista a manutenção das garantias individuais consagradas no desenvolvimento humano.”
E, arremata:
“A inclusão de novos poderes, ou mais propriamente, a constatação de funções outras, por insuficiência absoluta das tradicionalmente aceitas, pode-se dizer, é uma constante no pensamente mais recente de todos quantos se ocupam detidamente do tema.”
Assim temos claro que, por imposição das necessidades advindas ao longo do processo social e político, houve o surgimento e alteração de perfil e papel de órgãos de estado com funções próprias e específicas, que desempenham funções até mesmo fundamentais no contexto geral da organização política e que são quase-poderes. O conjunto formado, sem a atenção de organizá-lo de maneira sistêmica e racional, sem inserção ou enquadramento em nenhum dos “poderes tradicionais” acaba por produzir conflitos e desencontros a todos os títulos, desnecessários e prejudiciais, do que são exemplos, Ministério Público, Corte de Contas e Controladorias, sob os quais não se discorre mais profundamente por escapar aos objetivos deste estudo.
É neste pano de fundo e neste contexto que se faz algumas poucas considerações sobre o Parlamentarismo como modelo governativo, registrando que o que sem impõe em nossos dias é a reflexão completa e sistêmica acerca da organização estatal/política no seu todo, o que é incompatível com os limites do texto presente.
4. Parlamentarismo e Presidencialismo. Algumas considerações:
Parece-nos claro, e mesmo extreme de dúvidas, que a adoção pura e simples de um modelo de organização governamental “a” ou “b”, por si só, não é nem capaz, nem suficiente para atender às necessidades dos nossos dias, eis que todos, com variações que lhe são próprias, apresentam insuficiências, imperfeições e mesmo distorções.
Desde logo deixemos clara a preferência pelo modelo Parlamentarista, mas forçoso é esclarecer que “um parlamentarismo” seguramente não no modelo clássico, eis que se demonstrou comportar reparos. A opção que se nos afigura mais útil e funcional é um modelo que se pode chamar de misto, algo parecido com os modelos Francês e Português, porém ajustado ou afeiçoado às nossas características brasileiras.
É importante destacar que nesta chamada modelagem mista podemos identificar variações importantes, principalmente considerando o que denominamos de balanceamento de funções, poderes e competências. Para ilustrar, vê-se na França o que podemos considerar como um Parlamentarismo Presidencialista, daí a expressão “semi”, porquanto, mesmo mantidas as instituições típicas do Parlamentarismo em linhas gerais, traços fortes e fundamentais mesmo do Presidencialismo são incorporadas, como se vê na Constituição francesa de 1958; já em Portugal tem-se o contrário porquanto a Chefia de Estado aproxima-se mais do Parlamentarismo tradicional pela exigüidade dos poderes reais do Chefe de Estado. E podemos apreciar uma terceira variação, que entre nós foi consagrado pelo título de Presidencialismo de Coalizão, em que se mantém a estrutura Presidencialista típica, porém com compartilhamento real de poder com o Parlamento, realizado de variadas formas, nem sempre muito clara. O importante a se destacar neste campo é que, nas duas referências anteriores, temos estruturação constitucional formal, e não última, informal, porque sua materialização decorre de prática política consolidada.
Cabe sejam tecidas algumas considerações acerca do Presidencialismo, com a finalidade de embasar o reconhecimento da melhor adequação do Parlamentarismo para atender as necessidades postas entre nós.
A característica essencial do Presidencialismo é a concentração da Chefia de Estado e da Chefia de Governo na figura do Presidente, que assim assume a direção política, governamental e administrativa, porquanto todo o aparato que o cerca, Ministros, Administração Direta e Indireta, tem a natureza de auxiliar e, portanto, de subordinada, concentrando-se nele a responsabilidade política e governativa em sentido amplo.
Ao lado disto, temos no modelo a separação rígida e funda entre os Poderes, e a marca dos mandatos eletivos serem determinados e fixos, isto é, insuscetíveis de interrupção, salvo a prática de ilícito pelos seus detentores, de responsabilidade para o Executivo, ou de quebra de decoro para o Legislativo, e de crime comum para ambos.
Para fazer a distinção entre os modelos governativos, estudando a origem do presidencialismo, Manoel Gonçalves Ferreira Filho7, observa:
“O sistema presidencialista que se examina em primeiro lugar por ser adotado no Brasil, é uma criação, racional e consciente, de uma assembléia constituinte, a Convenção da Filadélfia, reunida para estabelecer a Constituição dos Estados Unidos da América. Ao contrário, como se verá adiante, o parlamentarismo é fruto de longa, insensível e lenta evolução histórica, onde as opções conscientes de juristas e dos legisladores tiveram papel de somenos importância.
Não se pode dizer, todavia, seja uma invenção dos constituintes americanos. Não é um arranjo arbitrário ou mais ou menos feliz de instituições, estabelecido segundo o arbítrio dos constituintes, ao sabor de suas preferências e idiossincrasias. Longe disto está a verdade. O presidencialismo instituído pela primeira vez na Filadélfia é uma versão republicana da monarquia limitada, ou constitucional, instaurada na Grã-Bretanha pela revolução de 1688.”
O grande problema, a nosso ver, que se coloca, é o de haver impermeabilidade quanto à qualidade funcional do governo, sua eficiência, ou os resultados que logre obter. Bom ou mal, competente ou incompetente, produtivo ou estéril, sem a prática de ilícito como antes aventado, os mandatos são cumpridos integralmente, mesmo em detrimento dos interesses e aspirações da sociedade que, mesmo detentora e titular da soberania, fica inerte, literalmente refém das circunstâncias, nada restando senão esperar o tempo passar e suportar passivamente as conseqüências, que, quando nada, são campo fértil para a fermentação de fatores e elementos conflitivos desordenadores, de todo indesejáveis.
Dois outros aspectos hão de ser levados em conta.
O primeiro deles, bem realisticamente, é o da impossibilidade material de exercício real, pleno, efetivo e consciente do poder executivo pela pessoa única do Presidente. Tal decorre da enorme complexidade dos problemas, questões e conflitos, e dos desdobramentos gigantescos do aparato estatal necessário. Não existe tempo hábil para exame, discussão e decisão sobre todos os assuntos e problemas que precisa enfrentar, não existe talento humano capaz de decidir, determinar e ao mesmo tempo gerir todos os processos, ações e dirigir todas as estruturas, mesmo em linhas gerais os grandes temas. Tem-se, portanto, muito mais aparência do que realidade e pela razão pura e simples da limitação natural da capacidade humana, gerando, ainda assim, uma presunção tão errônea quanto obrigatória de que se pressupondo a onisciência e onipresença do Presidente, recai sobre ele toda a responsabilidade política porque todos os demais são seus subordinados.
Tal desencontro com a realidade tem o inconveniente de abrir espaço para riscos graves e grandes de toda a ordem, cujo reparo é cada vez mais problemático e difícil na vida prática.
Por outro lado, como o Executivo enfeixa a maior parte das atividades estatais e governativas, acaba por prevalecer sobre os demais, desequilibrando o necessário diálogo e harmonia entre eles, estabelecendo a trágica distinção dentre interesses dos “três poderes”, que entre si competem mais do que colaboram, sendo o palco para o desequilíbrio e conflitividade, caminhando exatamente no sentido oposto ao pretendido e desejado.
Apontando que o Presidencialismo privilegia a figura e a pessoa do Presidente da República, liderança forte, eleita diretamente pela sociedade e exercendo a Chefia de Estado e a Chefia de Governo, Manoel Gonçalves Ferreira Filho8 reconhece a “exacerbação personalista no presidencialismo brasileiro”, materializado numa preeminência, assim referindo:
“Tal preeminência inerente ao regime, ainda mais se acentua contemporaneamente, por força de fatores incoercíveis. Entre estes avultam a ampliação das atividades governamentais no domínio econômico e social, o intervencionismo, e a gravidade hodierna dos problemas de segurança, que confiados ao Executivo, tendem a soergue-lo em detrimento do legislativo. Por outro lado, essa preponderância se agrava em razão do desprestigio do parlamento decorrente da ineficácia e da futilidade dos debates intermináveis, cujos meandros são incompatíveis com a velocidade da vida moderna.”
A nós parece que a preeminência, que na verdade é preponderância, desnatura todo o sistema, eis que se afirmou no início a concepção global de governo envolvendo a todas as funções e estruturas estatais na busca por suas finalidades e objetivos, e a supremacia de qualquer deles, a ausência de diálogo real entre eles, enseja a dominação que desequilibra, e, mais do que isso, conduz à irresponsabilidade os demais, reduzindo a concepção de governo estritamente ao que diz respeito às atribuições do Poder Executivo, como se os demais fossem anexos e complementares, quase dispensáveis, o que é campo fertilíssimo para o conflito e disputa irracional de poder que acaba por conduzir a quase irrelevância do Legislativo, órgão de quase chancela formal de decisões, remetido às atividades menores e menos relevantes, e à politização do Judiciário que, no mister de fazer prevalecer a ordem jurídica, cada vez mais transborda o exercício de suas funções, alcançando definições e escolhas, o que por sua natureza própria pertencem ao mundo do político, pertinindo aos outros poderes, quadro este que em nada contribui para a normalidade funcional do sistema, antes, é agente forte para a desestabilização, além de abrir espaços para personalismos salvacionistas e voluntaristas, que prenunciam, para sermos otimistas, tragédias.
É interessante a observação de Philomeno J. da Costa9 neste particular, quando estudando Parlamentarismo e Presidencialismo, pontua:
“O executivo emana diretamente da não e é independente do parlamento. Durante o período presidencial, o seu titular dirige os destinos do Estado; presume-se estabilidade administrativa no mesmo; apenas os exageros do chefe de estado são coibidos pelo legislativo que se presume apto a desempenhar as funções que a constituição lhe atribuir; entre elas se inclui a dês fiscal dirigente daquele. No sistema presidencial, independente do “impeachment”, o parlamento só pode fazer pressão contra o presidente votando leis e atribuindo meios apesar do veto deste último, o que se chamaria de pressão positiva, como também pode faze pressão negativa, recusando-lhe leis e dinheiro de que aquele tem necessidade.”
A observação acima, ao contrário do que parece, apenas confirma o que se pontuou antes, porque desconsidera a qualidade do governo, admitindo, apenas, a eventualidade de excessos do Presidente e a de ilícitos para extinguir o mandato e investidura. O mais importante é que as duas soluções, a primeira de contenção obstrutiva, ou a segunda de destituição, são sempre traumáticas, geradores de ansiedades e inseguranças, conflitivas e, exatamente por estes motivos, atentam contra a estabilidade institucional, que é indispensável ao curso natural da vida social e política, já que sempre são excepcionalidades, extra-normalidades, medida e atitudes extremas geradoras de todos os efeitos perigosos que dela decorrem.
Em sentido oposto, José Frederico Marques10 identifica no Parlamentarismo ser mais dúctil e maleável que o presidencialismo, e mais fiel aos dogmas democráticos, sendo expressão autêntica do governo representativo, ponderando:
“Equilibra-se, nele, a atuação do Executivo, com a do Legislativo. O governo e a direção política nacional não ficam entregues à vontade de um só homem. O Congresso Nacional, a expressão mais lídima dentre os poderes da soberania nacional, da vontade popular, não se limita a legislar. Através do Conselho de Ministros e da fiscalização que exercer sobre seus atos, o parlamento governa. A atuação do Executivo, quando errônea ou calamitosa, já não fica sujeita, apenas, ao processo de “impeachment” (instituto praticamente inócuo do presidencialismo). A orientação que estiver imprimindo aos atos governamentais dependem sempre da concordância da Câmara dos Deputados, e, com isso, corta-se o pendor personalista dos Chefes de Estado, tão acentuado na vida republicana dos países da America Latina.
Por outro lado, o parlamentarismo não se confunde com a onipotência do governo convencional ou de assembléia. O parlamento controla o Executivo, mas este pode dissolvê-lo para nova consulta à vontade popular. Com isso, não fica o Legislativo como senhor absoluto do governo.”
E arremata:
“Na verdade, o parlamentarismo realiza o que se chama de “gouvernement d’opinion”, pois que os eleitos da Nação é que traçam as diretrizes da política governamental. Os matizes da opinião pública estão todos representados pelos deputados que o povo elege; e são esses representantes do pensamento popular que vão dirigir o governo nacional, não de maneira direta, mas através do Ministério que merecer a sua confiança e aprovação.”
Chamamos a atenção para um ponto que se reputa relevante, o autor citado destaca a censura e correção dos atos governamentais “errôneos ou calamitosos”, pontos que dizem respeito diretamente à qualidade de governo, funcionalidade e eficiência, elementos essenciais e inerentes ao Bom Governo, que se identifica como direito fundamental.
O Mestre Machado Horta11 sintetiza a preocupação norteadora da idéia de mudança, de aperfeiçoamento, de redesenho institucional que se faz necessário, ao rememorar:
“São conhecidas as vicissitudes e as crises intermitentes do regime presidencial no Brasil, Pode-se afirmar que o presidencialismo nasceu sob o signo da ilegitimidade e sua existência se prolongou na sucessão de crises que reclamaram ou impuseram o uso freqüente dos poderes extraordinário, com sacrifício das liberdades constitucionais e da autonomia dos Estados, como se verificou na Primeira República; na ruptura da legitimidade constitucional, provocada por movimentos revolucionários e golpes de Estado, com a transformação do Presidente em Ditador e o regime presidencial em ditadura, refazendo percurso habitual do presidencialismo latino-americano. O regime presidencial como o de Governo de um só homem, e assim o concebe a regra definidora do Poder Executivo presidencial que é constante nas Constituições Republicanas de 1891, 1934, 19246, 1967, e 1988 – “o poder Executivo é exercido pelo Presidente da República” -, que a Carta de 1937 exacerbou na figura da “autoridade suprema do Estado”, essa concepção constitucional monocrática presidencial – o governo de um só homem – atingiu a sua fase de exaustão e de perecimento.
É generalizado o anseio de mudança do regime presidencial, que adquire formas de sentimento consciente, de sentimento difuso e até de sentimento inconsciente, que mergulha suas raízes na alma popular. Há evidente insatisfação com o presidencialismo e percebe-se a ampliação do desejo de substituir a responsabilidade política do Presidente da República pela responsabilidade coletiva e política do Governo.”
Temos, como que assente, a percepção da necessidade de mudança. Temos, como claro, que o modelo disponível e em uso dá sinais de ineficácia, tendo sido mais fonte de problemas do que de solução. Parece-nos claro que o modelo presidencialista não mais é capaz de responder aos desafios satisfatoriamente, sendo frequentes os desencontros e conflitos.
A alternativa que se nos afigura razoável é a adoção do modelo Parlamentarista, e o fazendo com um perfil ajustado à nossa realidade e à nossa cultura, acolhendo e incorporando a observação Giuseppe de Vergotini12, quando observa:
“É característica da forma de governo parlamentarista a relação de confiança que liga o governo com a maioria parlamentar: só o acordo profundo com a maioria possibilita o governo (executivo) desenvolver plenamente as funções constitucionais de direção, sendo simultaneamente responsável politicamente perante o Parlamento. As idéias centrais do modelo, pois, são: relação de confiança e responsabilidade política.”
A relação de confiança e a responsabilidade, inerentes ao modelo, servem para aferir, em caráter permanente, a funcionalidade e eficiência. O modelo governativo que se cogita torna possível o controle da qualidade da ação governamental e, mais do que isto, viabiliza correções de rumo e ajustes com efeitos traumáticos infinitamente menores do que com o modelo atual, permitindo obter arevisão de ações e processos, chegando, em casos extremos, até a substituição de governo, e, no impasse, à consulta eleitoral a sociedade, titular essencial do poder soberano e o autogoverno.
Todavia, para que a consulta e pronunciamento da sociedade, com a escolha de seus representantes e a conseqüente formação dos consensos democráticos orientadores do processo governativo, precisa curvar-se aos pressupostos ao início debuxados, que na opinião pública vem sendo expressos no binômio de reforma “eleitoral e partidária”, para alguns de “reforma política”, cujo eixo e referência necessariamente há de ser o fortalecimento da representatividade, marcado pela identificação e afinidade aglutinadora de grupos e segmentos sociais e seus interesses (pressupostamente legítimos), de forma a que a expressão das demandas e reivindicações guarde fidelidade com a sociedade.
É através desses atores que se estabelece o diálogo político e se constroem os pactos dos quais se fazem os governos e as instituições através do estabelecimento dos consensos de projeções derivadas.
Para a formação destes consensos temos que não se exclui (pelo menos de todo) a figura do Presidente, do Chefe de Estado, tal como vemos, com sua investidura por eleição direta (escolha social e popular), este significa um contrapeso, legitima-se para o diálogo político e pode influir (e o deve fazê-lo) na condução do processo de formação dos consensos. Deve participar do diálogo institucional, porém sem a exclusão no diálogo com a sociedade, e seus diversos grupos organizados devem ter algum poder de iniciativa para impulsionar este diálogo e suscitar questões relevantes para os interesses comuns, permitindo que o vejamos em função ativa e participativa, à francesa, e não como instituição simbólica apenas e tão somente.
Por importante destacar que, neste contexto, a chamada de “democracia de partidos” não basta. O diálogo necessário é dentro dos partidos, entre eles, mas, também, incorporando ao concerto, as organizações da sociedade, para que se obtenha representação de interesses comuns e também dos interesses particulares dos segmentos que devem se complementar, mais do que competir com exclusão recíproca.
Vivemos uma crise de representatividade, sem dúvida, que no dizer de Alexandre de Moraes13, está caracterizada “pela incapacidade dos partidos de filtrar as demandas e reclamos sociais e transformá-los em decisões políticas.”
O que chamamos de diálogo político encerra também a disputa e a concorrência democrática dos interesses, aspirações e demandas, arbitradas necessariamente pela estruturas estatais para que se chegue a real e efetiva representação política nas instâncias decisórias do Parlamento, porém com a necessária abertura dialógica com a sociedade, sendo interessante a observação a respeito, do antes citado Alexandre de Moraes14, ao pontuar:
“A partir do declínio do sistema representativo político, surgem diversos grupos de participação política que, juntamente com os partidos políticos tornam-se importantes atores da competição, pois, côo lembra Mônica Caggiano, “o que se busca hoje, na realidade, é a identificação máxima entre sujeitos e titulares do poder, porquanto nos moldes democráticos deve restar assegurado aos próprios governados o exercício do poder político.”
“A ausência de correspondência da democracia meramente representativa aos anseios populares, portanto, abriu caminho para a democracia participativa, onde os grupos de pressão surgem para exigir seu espaço no cenário do exercício do poder político.”
Exatamente com a finalidade de participar da filtragem, identificação e formulação das demandas da sociedade na sua pluralidade organizacional e na sua dinâmica própria, fragmentada e fluida, como o são os interesses que as aglutinam, o imperativo é o da abertura de espaço institucional para a incorporação das organizações da sociedade, antes identificadas genericamente como grupos de pressão neste diálogo. A propósito, é interessante que se estabeleça aqui uma distinção para nós importante. Não se confundem, em nossa leitura, os grupos de pressão com os “lobbies”, porque entendemos que os primeiros são organizações sociais, correntes de opinião e de interesses orgânicos e identificados, enquanto que os segundos são os instrumentos e mecanismos de ação de que se valem e através do qual operam.
Tem-se claro que a ampliação do leque e dos atores do diálogo político, atuando de forma permanente e orgânica, é imperativo dos nossos dias e possibilidade de resposta idônea à necessidade posta, inclusive para construir o que se pode considerar como sendo um certo tipo de responsabilidade cidadã, tanto no processo decisório, quanto na decisão, porquanto a participação impõe aos atores do diálogo a obrigação de manutenção e defesa do decidido, bem como suportar os ônus, encargos e conseqüências daquilo que foi escolhido.
Nesta mesma linha, Alexandre de Moraes15 observa:
“Na democracia participativa é inevitável a idéia da existência de grupos de pressão que passam a dividir com os partidos políticos a participação no processo decisional. Essa maior participação eleva os custos da democracia, por provocar a politização dos diversos segmentos sociais, porém diminui os riscos externos da decisão ser afastada por ausência de legitimidade popular.”
Com efeito, a inclusão que se defende substancia a democracia real e, em conseqüência, a legitimação política pela aceitação do consensuado/pactuado, fortalecendo, ao final, a capacidade funcional da ação estatal e de suas estruturas, principalmente pelo funcionamento interativo e colaborativo da relação sociedade/estado.
A constatação natural deste processo, como tentativa válida de ruptura do impasse e superação do desencontro representativo no contexto da sociedade dos nossos dias, também não escapa à percepção de Moraes16:
“Portanto, a partir da crise enfrentada pelo sistema representativo, bem côo pela acentuada substituição do Estado Liberal pelo Estado Social, deixa o partido político de ser o único ator nas decisões governamentais, passando a atuar paralelamente com as associações gerais, as associações especificamente com finalidades políticas (lobbies), os grupos institucionais (sindicatos), os grupos anônimos e a própria imprensa.”
E vai mais longe o autor, com nossa concordância teórica de que a democratização, embora trabalhosa, pelo aumento de legitimação política, ganha eficácia maior e mais consistência, incluída, aí, a mescla entre instrumentos democráticos indiretos e diretos, quando observa:
“A par desse ingresso da democracia participativa na tomada de decisões governamentais, valorizam-se os instrumentos de participação mais direta do povo nas decisões políticas, revitalizando-se os institutos do plebiscito, referendo e iniciativa popular de lei.”
Resta claro a esta altura que a função Parlamentar, essencialmente de representações política da sociedade, não mais se restringe a fazer as leis (norma gerais e abstratas), mas, mais do que isto, a ser atriz importante no processo decisório na medida em que expresse os consensos sociais formados e os defenda no diálogo com os demais, estabelecendo objetivos e aferindo o caminho feito em direção a eles, mensurando, assim, a funcionalidade e eficácia da ação estatal governativa, devendo se entender esta função como também governo no seu sentido amplo.
Resta claro também em nossos dias, que é forçoso reconhecer o caráter dinâmico do ato de governar, isto significa imprimir ritmo, direção, ajustes e correções em todas as ações, ajustando-as permanente às necessidades e variações das circunstâncias. É sem dúvida um perfil renovado do sistema.
Ponto relevante a destacar é o que se pode considerar como redesenho da tripartição de poderes, para o que, estamos entre os que acolhem a formulação da Karl Loewestein, exposta no Polítical Power and the governamental Process, traduzida para o espanhol com o título de Teoria de La Constitucion, onde reformula a tripartição em: “policy determination”, “policy execution” e “policy control”, acerca da qual Ferreira Filho17 observa: “Essa nova tripartição das funções abre, talvez, caminho para uma revisão da organização política ocidental, tarefa ingente e urgente.”
Examinemos um pouco esta formulação à luz da reflexão que faz.
O Poder de Determinação contém o poder de fazer as escolhas, as opções de ações e objetivos, naturalmente que concretizando as demandas consensuais arbitradas pelos mecanismos políticos através do diálogo social, sendo atribuída pelo autor ao Parlamento, como órgão da representação popular da vontade geral.
O Poder de Execução consiste no de agir e concretizar as escolhas feitas, transladando-as ao mundo concreto, sendo atribuída ao Poder Executivo.
O Poder de Controle, que o autor divide em dois polos, o do controle político, finalístico, que afere a qualidade de ação governamental, e o formal, que concerne à submissão à ordem jurídica em toda a sua plenitude.
Ora, esta formulação, num modelo Parlamentarista, funciona com a atuação da maioria parlamentar em fixar as escolhas, remetendo ao Ministério a formulação dos planos e projetos ajustados e aprovados pela maioria, com acolhimento de ajustes com a minoria, que não pode ser excluída na democracia, para ao fim e ao cabo, o Ministério dar execução aos planos, observando as escolhas e prioridades, tudo feito através do instrumental jurídico para possibilidade do real e adequado controle das ações e de seus resultados.
O momento seguinte é o do controle. O político, pelo Parlamento, quanto ao cumprimento e execução do planificado, avaliação de seus resultados, ajustes e correções feitas, objetivos alcançados, em suma, a mensuração da qualidade do governo.
Doutra parte, o controle formal, que de forma geral alcança a sociedade e o estado, os governantes e os governados, pois que todos igualmente estão submetidos à ordem jurídica, atribuído ao Poder Judicial, com atributos necessários para corrigir e conduzir aos padrões do regramento, as condutas e ações, negando validade e eficácia àquilo que for desconforme.
Também no universo do controle há de ser aberto espaço adequado aos outros Órgãos de Estado, Cortes de Contas e Ministério Público, com vistas à manutenção da vida social no leito daquilo estabelecido pela ordem jurídica, impedindo e coibindo os desvios, tema que não se aprofunda por escapar ao objeto específico desse estudo.
Resta claro que o “pano de fundo” traçado é complexo, cheio de desvãos, e que a tendência é de aumentar esta condição, porém, também é preciso se ter claro que é a realidade e, como tal, precisa ser enfrentada, e com a qual se precisa estabelecer a relação necessária e convívio.
Para corresponder a quadro de tal complexidade, seguramente, os modelos e fórmulas “tradicionais” são insuficientes, especialmente porque correspondem à outra época, a outra etapa história e, portanto, a outra realidade.
O desafio que se põe é exatamente a partir da realidade (complexa), tomar as referências da experiência histórica, partir do que se busca construir: um modelo que consiga adequadamente responder às necessidades, amoldando-se às limitações e características que a compõem, é o que ousadamente se enfrenta.
Faz-se mera referência, com a opção de não aprofundar e ampliar a abordagem por entender que escapa aos estreitos limites da abordagem proposta de que o modelo que se sugere pode e deve alcançar aos desdobramentos do Estado Brasileiro18.
Doutra parte, temos que a extensão a toda a organização contribuirá de maneira significativa para a consolidação e amadurecimento da organização partidária, já que possibilita a identificação de elementos unificadores de cosmovisão e percepção política, auxiliando na construção dos partidos nacionais sem suprimir as identidades regionais, antes, tornando viável uma “leitura local” das linhas gerais, lembrando a observação já feita por Geraldo Ataliba19 sobre o tema:
“Ao se adaptarem ao novo regime de governo, os Estados Federados gozam de amplitude de organização política. Basta que consagrem, em suas constituições, as características do parlamentarismo e os “princípios estabelecidos na Constituição Federal.”
Na mesma linha de raciocínio, entendemos que o modelo se deve estender aos Municípios, até como corolário lógico, isto porque, com a Constituição de 1988, o Município entre nós ganhou o “status” de ente federativo, participando da repartição de competências e receitas, portanto, submetido à simetria que se defende, com os mesmos fundamentos e finalidades.
Por derradeiro, não será excessivo aduzir que o Estado Espanhol, mesmo com a característica de divisão interna na forma de Comunidades Autonômicas, que ao invés de Constituições (estaduais) conta com um estatuto proposto pela comunidade e votado pelo parlamento nacional, adota modelo colegiado parlamentarista no âmbito das comunidades, províncias e municípios, e, podemos crer, que com sucesso e eficiência adequados, eis que o tema sequer é discutido entre os espanhóis que jungem os debates ao nível de autonomia e competência das unidades, sem menção ao modelo governativo.
5. Conclusão
A título de conclusão, com fundamento nos elementos trazidos à reflexão, vai-se tentar buscar o esboço de uma fórmula, contribuindo com a discussão e o debate sobre o que podemos chamar de modelo governativo de corte parlamentarista.
A questão prévia, o vimos antes, é alguma solução para a representatividade, drama vivido em numerosos países, malgrado as diferenciações enormes entre eles. Está posto que os parâmetros da democracia representativa de partidos praticada dão sinais de insuficiência, respondendo cada vez menos às expectativas, o que ocasiona graves problemas e dificuldades de governabilidade.
Enfrentar a questão, como o vimos, implica em reconhecer a superação da conceituação de classes, a dinâmica das aproximações, as diversidades internas delas e a capacidade de identificar e interpretar as vontades, construindo (arbitrando) consensos viáveis. Tal não implica no desaparecimento nem da figura do partido, nem na figura do jogo parlamentar, ao contrário, implica sim, na revisão deles.
Os partidos são claramente instrumentos e instituições importantes do diálogo político, porém, não mais monopolisticamente. Há a clara necessidade de abertura de espaço para os demais interlocutores da sociedade no diálogo político e este processo, em nosso ver, impõe a construção de alguma coisa parecida com: democratizar efetivamente a estrutura e o funcionamento dos partidos, possibilitando a formação e surgimento de lideranças e opiniões sólidas que tornem possível a formulação de propostas concretas para os estabelecimentos dos necessários consensos democráticos na fixação de objetivos e aspirações.
Isto significa primeiro, obrigar a vinculação entre bases e dirigentes partidários, colegializando as decisões partidárias, principalmente na escolha de nomes (quadros) para a participação eleitoral. Com isso as convenções partidárias precisarão ser amplas, democráticas, e viabilizar discussões e debates com a participação das bases (filiados/militantes). A escolha dos nomes para as disputas eleitorais precisarão ser abertas e submetidas às disputas junto às bases, na forma de prévias partidárias, e todo o processo precisará dispor de tempo (calendário) suficiente para se realizar adequadamente, e, mais do que isto, ser transparente, de conhecimento público, para tornar possível o diálogo entre a organização partidária e a sociedade.
Feitas as escolhas, será importante a apresentação à sociedade e a discussão pública, para a motivação da cidadania ao processo político.
A organização partidária precisará ter exigências legais mínimas obrigatórias para albergar este modelo, e seu funcionamento deverá ser acompanhado pela Justiça Eleitoral e pela sociedade.
Feita a escolha e apresentada a sociedade, o outro aspecto a tratar diz respeito ao processo eleitoral. Observamos antes, que a organização partidária do nosso tempo precisará, obrigatoriamente, harmonizar-se e integrar-se aos modelos quadro/massa, de sorte a complementar-se a representação política de personalidades relevantes e de militantes partidários.
Para tal, cremos ser solução o voto distrital misto. Metade das vagas parlamentares disputada no âmbito distrital, aproximando materialmente representantes e representados, aumentando a identificação entre eles e possibilitando diálogo e interação. Mas, isto produzirá um grau indesejável de localismo paroquial, comprometendo a visão geral, o que deverá ser compensado pela outra metade dos cargos, com a disputa no âmbito, por exemplo, do Estado inteiro, exatamente para que se oportunize às personalidades políticas, o espaço necessário, e também, viabilize a visão mais ampla.
Nas duas vertentes, o tempo é fator importante. Há de se estimar um calendário suficiente para o encontro entre candidatos e eleitores no espaço público do diálogo e da formação dos compromissos políticos adequados, com o debate obrigatório com as organizações da sociedade e as representações de grupos de interesses dos mais variados possíveis.
O financiamento deste processo precisa ser amplo, aberto e transparente, de sorte a que a sociedade, ao longo do processo, seja capaz de identificar as fontes e interesses correspondentes e, assim, aderir ou repudiar candidaturas.
Ao lado da propaganda eleitoral tradicional, há de ser obrigatória a ocorrência de debates entre as correntes em disputa para que a sociedade possa formar a sua opinião e tomar posição para suas escolhas. Entende-se que o debate público é dialógico, enquanto que a propaganda pura e simples é monólogo porque impede a contrastação de posições.
Cremos que o estabelecimento de um perfil neste sentido contribuirá para aumentar a representatividade política e a aumentar também a legitimidade do processo no seu todo.
É importante destacar que neste quadro se impõe o estabelecimento de cláusula de desempenho, com o que os partidos políticos hão de conquistar um percentual mínimo de votos para obterem representação parlamentar e, para tanto, admitir-se-á a votação proporcional como a conhecemos. É indispensável impedir a existência de coligações partidárias, ou, quando muito, que se guarde a proporcionalidade entre os integrantes da aliança para obstar a substituição involuntária ou indesejada de eleitos, impedindo ou limitando a “transferência” de votos, rementendo-os à legenda para preservar o viéz político escolhido pelo eleitor, e, mesmo assim, apenas nas eleições de quadros.
Para os cargos de representação federativa, nenhuma restrição à votação majoritária, à semelhança do que acontece nos distritos.
Ao Poder Executivo propõe-se a dualidade, com repartição entre Chefia de Estado e de Governo, com atribuições constitucionais definidas. O Chefe de Estado, como na França e Portugal, deverá ser eleito pelo voto direto e universal, majoritário, por óbvio, com atribuições, por exemplo, de chefia de estado das relações exteriores, do comando das forças armadas, da segurança interna e da defesa das instituições constitucionais, incluindo a dissolução do parlamento, remetendo as demais atividades de governo ao Gabinete.
O Gabinete, formado por maioria partidária ou de aliança, com decisões colegiadas de seus membros e responsabilidade política individual e solidária coletiva, cabendo a esta maioria escolher o seu líder, e, portanto, o seu chefe de governo.
É ponto fundamental a obrigatoriedade de um Plano de Governo, apresentado e submetido à sociedade e ao crivo do Parlamento, com força vinculante razoável, cuja alteração, quando necessária, demandará autorização parlamentar, servindo como ponto de partida a instituição do Plano Plurianual, albergado constitucionalmente entre nós.
Exatamente neste ponto é de se remeter à Loewenstein, atribuindo à representação política, que é o Parlamento, assumir o “poder de determinação”, qual seja, o de expressar as escolhas dos objetivos e dos meios pertinentes, e controlá-lo, ao longo do seu desenvolvimento e de sua conclusão, aferindo a responsabilidade política.
Neste contexto é que o Gabinete assume o real papel de “poder de execução”, na adoção das medidas e providências para a realização do planejado, funcionando com o necessário, porém limitado, poder discricionário, no que respeita à dimensão operacional, sempre com responsividade, respondendo e prestando conta de seus atos e ações.
Com esta formulação, o gabinete exerce o governo enquanto tem a confiança do parlamento, tendo como referência o planejamento, e, perdendo-a, podendo ser destituído sem trauma maior, pelos mecanismos da desconfiança decidida por maioria absoluta.
É importante destacar que o poder de dissolução atribuído ao chefe de Estado, em nosso ver, está restrito a dois pontos. O primeiro, na hipótese do que podemos denominar de impasse ou crise parlamentar, quando a maioria não consegue formar em prazo razoável o Gabinete e obter a aprovação do Plano de Governo, e o outro, usando as palavras de Frederico Marques antes citado, quando a gestão do governo for “catastrófica”, inepta, contrária aos interesses da sociedade ou desnaturar o Plano de Governo aprovado.
O que se pretende é um arcabouço constitucional capaz de superar crises políticas e econômicas, que são ocorrências naturais no processo político e na vida da sociedade, com o mínimo de trauma e o máximo de racionalidade e funcionalidade.
Isto, em nosso ver, viabiliza-se pelo modelo de traço parlamentarista que se descreveu, com algum conteúdo de presidencialismo, pela investidura e competência da chefia de estado, em âmbito nacional, e dos governos de estados membros e municípios, pela simetria da organização estatal e governamental erigida na constituição vigente de 1988.
BIBLIOGRAFIA
ATALIBA, Geraldo. in. Adaptação do Sistema Parlamentar de Governo aos Estados, in Doutrinas Essenciais. Ed. RT, SP, 2011.
COSTA, Philomeno J. da. Org. Clamerson Merlin. BARROSO, Luis Roberto. in Parlamentarismo e Presidencialismo, in Doutrinas Essenciais. Direito Constitucional, vol. II, RT, SP., 2011
FERREIRA Filho, Manoel Gonçalves. in Curso de Direito Constitucional, ed. Saraiva, SP, 2015
HORTAS, Raul Machado, in Alternativas para um Novo Sistema de Governo, vol. II, RT, SP 2011.
MARQUES, José Frederico. in Parlamentarismo, vol. II, RT, SP, 2011
MIRANDA, Jorge. in Formas e Sistemas de Governo, ed. Forense, RJ, 2007.
MORAES, Alexandre de. in Reforma Política do Estado e Democratização, in Doutrinas Essenciais, Direito Constitucional. Ed.RT, SP., 2011
TAVARES, André Ramos. Org. CLÈVE, Clamerson Merlin. BARROSO, Luis Roberto. in A superação da doutrina tripartite dos Poderes do Estado, em Doutrinas Essenciais. Direito Constitucional, vol. IV. RT, SP, 2011
VERGOTINI, Giuseppe. in Diritto Costituzionale Comparato, CEDAM, 2004
1 Formas e Sistemas de Governo, ed. Forense, RJ, 2007, p.35
2 in A superação da doutrina tripartide dos Poderes do Estado, em Doutrinas Essenciais. Direito Constitucional, vol. IV, Org. Clàmerson Merlin Clève e Luis Roberto Barroso, RT, SP, 2011
3 op.cit.loc.cit.pp.25-26
4 op.cit.loc.cit.
5 in. Curso de Direito Constitucional, p.170 e segs. ed. Saraiva, SP, 2015
6 op.cit.loc.cit.
7 Parlamentarismo e Presidencialismo, in Doutrinas Essenciais. Direito Constitucional, vol. II, Org. Clèmerson Merlin Clève e Luis Roberto Barroso, p.834, RT, SP., 2011
8 Parlamentarismo, op.cit.loc.cit.p.818
9 in. Alternativas para um Novo Sistema de Governo, op.cit.p.847-848
10 Diritto Costituzionale comparato, CEDAM, 2004, p.220
11 in Reforma Política do Estado e Democratização, in Doutrinas Essenciais, Direito Constitucional, op.cit.vol.II, PP.877-910), ed.RT, SP., 2011
12 op.cit. loc. cit
13 op.cit.loc.cit.
14 op.cit.loc.cit.
15 op.cit.p.167
16 Nota: usa-se a expressão desdobramento para referir aos Estados e Municípios, considerando a formação da federação brasileira por divisão, que alcança aos municípios por emancipações territoriais e sociais de estados membros), quais sejam os Estados e os Municípios, com duplo enfoque, primeiro pela simetria que orienta a organização estatal conforme o eixo constitucionalmente estabelecido na Constituição de 1988 especialmente, entendendo que estes se incluem naquilo que Orlando Bitar chamada de “mínimo ou eixo federativo”, como conjunto de princípios constitucionais reitores da organização do Estado, na sua estrutura nacional e desdobramentos internos. (in Estudos de Direito Constitucional, Federação, ed. Renovar, RJ, 2009
17 in. Adaptação do Sistema Parlamentar de Governo aos Estados”, in Doutrinas Essenciais, op cit., vol.II, pp.781 e segs.
18 Originalmente publicado no Livro: Parlamentarismo - Realidade ou Utopia?, coord. Ives Gandra da Silva Martins, FEcomércio/SP, páginas 201/226, (2016)
19 Jorge Xifra-de-Heras, R. Inf. Legisl. Brasília a. 20 n. 80 out./dez. 1983.