Juca 64919

A temática que serve de eixo para esta coletânea de estudos propõe a reflexão sobre os quinze anos de vigência da Lei Complementar 101/2000, conhecida como a Lei de Responsabilidade Fiscal e, neste pequeno estudo, pretende-se mais do que tecer considerações sobre a lei, trazer algumas considerações conceituais sobre responsabilidade fiscal, entendendo que seu grande mérito é o de trazer à governança pública nacional a benfazeja preocupação com o cuidado, a eficiência. Enfim, introduzir o paradigma de qualidade do gasto público no contexto de racionalidade de gestão financeira, o que é contribuição decisiva para o progresso e avanço da gestão da coisa pública e, consequentemente, para o bem público, para o cuidado com os interesses gerais da sociedade.

 

Concepção de Bom Governo

Desde o final da década dos anos noventa, o Departamento de Direito Administrativo, Financeiro o Tributário da Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca, na Espanha, vem desenvolvendo estudos acerca do bom governo, que vem a ser grosso modo, a utilização de técnicas, conceitos e práticas de governança corporativa privada, voltada à consecução de objetivos concretos, com vantagens e resultados palpáveis. Assim, a tempo se vem buscando aplicar tais práticas à gestão da coisa pública e se o vem buscando fazer através da edição de normas disciplinadora, condicionadoras e limitadas da autonomia da vontade ou discricionariedade do administrador público, ainda e especialmente quando agente político.

O fundamento que arrima esta busca do Bom Governo está em que se trata de direito fundamental, na medida em que o bom governo é efetivamente capaz de buscar o bom público, o atendimento dos interesses gerais explicitados pela sociedade na construção dos consensos democráticos assentados no pacto político instrumentado pela Constituição.

Nesta linha de raciocínio podemos ter assentado que os referidos consensos estão materializados nos fundamentos e princípios insculpidos na Constituição, do que decorre que ali também estão gizados os parâmetros e limites da discricionariedade governamental e de seus agentes e fixada a extensão do leque de opções dentro do qual acontecerá sua ação.

Ora bem, o Estado não é um fim em si mesmo, não existe por e para si, mas tem, intrinsecamente, a natureza instrumental como estrutura e ferramenta da qual a sociedade se vale para buscar seus objetivos.

Em decorrência dessa tal instrumentalidade, é corolário que caiba ao governo e seus agentes, agindo nos limites das opções constitucionais fundamentais, envidarem seus esforços na persecução do bem comum materializado no atendimento aos interesses gerais, por óbvio dentro dos limites de possibilidades da realidade da vida e da disponibilidade de recursos de toda a ordem.

O Bom Governo significa, assim, a ação governamental dentro dos parâmetros de ordem jurídica, recorrendo aos instrumentos da boa governança, buscar atender aos interesses comuns predominantes na sociedade, nisto estando a sede do bem comum denominado pela doutrina clássica e tradicional.

Será, assim, bom governo, seguindo as boas práticas de governança, aquele capaz de alcançar com mais eficiência e presteza a atender com razoabilidade às demandas sociais.

Os indivíduos têm o direito fundamental ao bem estar, ao desenvolvimento de suas potencialidades humanas. Da mesma forma, a sociedade em seu todo tem igual direito.

Gestão Financeira e Bom Governo

Está inserido no conteúdo de Bom Governo a boa gestão financeira, a administração correta, ponderada, responsável e cuidadosa das finanças do Estado, eis que este obtém os recursos necessários ao seu funcionamento e atividades das riquezas produzidas pela sociedade.

Integra o pacto de organização da sociedade política, fundada na solidariedade social, filha dileta da fraternidade trazida pela Revolução Francesa, o direito-dever de todos e de cada um de contribuir com os recursos necessários para manutenção do sistema.

Tais recursos, porque oriundos e gerados pela sociedade, encontram nas estruturas estatais e nos governantes gestores que, aplicando esses recursos adequadamente, buscam a obtenção do bem comum, como antes referido.

Naturalmente que a gestão desde recursos em todo o seu ciclo, portanto desde a arrecadação, até a sua efetiva aplicação, aí incluída a escolha de meios, conveniência, oportunidade e pertinência, norteado pela eficiência e economicidade, está submetida ao império da ordem jurídica.

Não é sem razão que se admite, hoje mais do que nunca, a constitucionalização da vida e da gestão financeira do Estado, constatando-se que o exercício dela implica no exercício de poder político com forte conteúdo de soberania em sua face interna, gerando impositividade incontrastável à cidadania. Exatamente em razão disto tem-se como imperativa a constitucionalização da matéria, materializando-se naquilo que Ricardo Lobo Torres(1) observa ser; “A Constituição Financeira, entendida em seus aspectos formais e materiais, constitui o Estado Fiscal”, sendo de ter-se como vinculado o Estado Fiscal a realização do mínimo existencial, acerca do qual o antes citado autor pontua: (2)

“O mínimo existencial não tem dicção constitucional própria. Deve-se procurá-lo na idéia de liberdade, nos princípios constitucionais da igualdade, do devido processo legal e da livre iniciativa, na Declaração dos Direitos Humanos e privilégios dos cidadãos.”

A boa governança na vida financeira estatal implica em responsabilidade fiscal, que significa racionalidade e equilíbrio na estimação e realização de gastos na adequação destes às reais disponibilidades materiais e tal vai além da disponibilidade orçamentária e financeira momentânea, mas imprescindível a incorporação do fator temporal, da projeção de tudo isso no tempo e na consideração das variáveis capazes de influenciar e mesmo determinar a oscilação natural e própria destas disponibilidades.

Tal formatação significa reconhecer a conexão medular da gestão financeira e da gestão da intervenção do Estado na economia, impondo-se a visão estratégica do quadro para a determinação dos meios, modos e limites financeiros desta intervenção, seja direta, com os investimentos de recursos públicos em atividades e serviços, seja indireta, pela exploração da dimensão extra-fiscal dos tributos, desempenhando o papel de estimular ou inibir atividades dos particulares, conforme a ajustada inserção nos objetivos e interesses gerais, através das taxações gravosas ou reduções de gravame, que, a seu turno, significam renuncia fiscal com redução de receitas.

O instrumento deste processo é o Orçamento Público que se insere, com arrimo no já citado Lobo Torres, na teoria da constituição orçamentária, cuja abordagem transcende aos limites do labor normativo, demandando visão transdisciplinar, como ensina do mestre:

“A Teoria da Constituição Orçamentária vive no ambiente da interdisciplinariedade. Comunica-se intensamente com os outros subsistemas da Teoria da Constituição Financeira, como sejam à da Teoria da Constituição Tributária e da Constituição Monetária. Está em relação íntima com a Teoria de Constituição Econômica e da Política, até porque, como já vimos, o superorçamento contemporâneo recebe a influência direta dos sistemas econômicos e políticos.”

Mais adiante, prossegue o autor: (3)

“Consequência da interdisciplinariedade é que a Teoria da Constituição Orçamentária devem ser feitos por juristas, economistas e sociólogos, em desejável integração. Aqueles se concentrarão nos aspectos principiológicos e sistêmicos do direito constitucional orçamentário; os economistas se preocuparão com o exame macroeconômico; os sociológicos estudarão a rede de interações sociais presente no processo orçamentário. infelizmente nem sempre tem sido assim: os juristas abdicaram dos juízos de valor e da consideração de lege ferenda e se apegaram a posições positivistas inteiramente superadas; os economistas, sob a capa de uma pretensa neutralidade científica, passaram a decidir sobre os aspectos valorativos, assenhoreando-se do discurso constitucional e legal do orçamento, ditando as políticas governamentais e importam do acriticamente os modelos estrangeiros; sociólogos e cientistas políticos abandonaram as pesquisas de campo e se puseram a dissertar sobre as sínteses de filosofia política e social.”

A concepção proposta, a qual se adere, nos leva forçosamente a concluir que a gestão financeira do Estado é elemento fundamental do bom governo, eis que, se inadequada, equivocada ou distorcida, as conseqüências para a sociedade e seu bem estar são geralmente trágicas, e, assim, é que se insere, neste contexto, a idéia da responsabilidade fiscal, cuja lei brasileira completa quinze anos, com o que podemos dizer que nestes quinzes anos, apesar de percalços, dificuldades e confrontações algo traumáticas, sem dado passos significativos na conquista do Bom Governo e na busca do direito fundamental a ele.

Responsabilidade Fiscal requisito de Bom Governo

Como se cogitou antes, o Estado Democrático de Direito em que vivemos e que se posiciona na busca permanente do bem estar, do bem comum, da promoção dos direitos humanos, no direito ao desenvolvimento, incorpora o Estado Fiscal através do princípio da ponderação e do equilíbrio, como o vislumbra Lobo Torres(4) ao observar:

“O Princípio do Estado Fiscal sinaliza no sentido de que o Estado Democrático de Direito vive de tributos que constituem o preço da liberdade, são cobrados de acordo com os princípios de justiça e de segurança e se distribuem segundo as escolhas orçamentárias fundada em ponderação de princípios constitucionais.”

O exercício do poder político governamental historicamente entre nós deixou em plano secundário as boas regras de governança financeira, abrindo espaço para desvios, mas, principalmente, para descuidos, inépcias e falhas, sempre supridas emergencialmente e de maneira improvisada e pontual, remetendo, invariavelmente, para um futuro incerto, a eventual correção das coisas, trazendo, com indesejável freqüência dois elementos altamente prejudiciais ao bom governo, o endividamento público estéril, feito se cuidado, objetivo e finalidade concreta, apenas para “tapar buraco”, e o descompasso entre o arrecadado e o despendido, construindo déficit sempre “saneado” por endividamento, com a transferência de ônus, encargos, desgaste político e problemas para os sucessores.

Na verdade e na prática, a ponderação razoável e equilibrada dos princípios constitucionais que devem obrigatoriamente orientar a ação estatal com a compatibilização entre o pretendido e o possível, jamais foi adequadamente realizada. Se constitui um hiato de descompasso entre ambos, o que mais agrava do que diminui problemas, principalmente pelo descolamento flagrante com a realidade.

Todo o substrato material da vida financeira do estado está na economia, daí, a planificação da ação estatal e a sua efetiva realização precisa curvar-se às disponibilidades de recursos com rigorosa observância à capacidade contributiva dos atores econômicos de sorte a que se obtenha o máximo de recursos, porém, sem a sufocação impiedosa do mínimo existencial, não apenas diretamente dos indivíduos, mas também das estruturas sócias e unidades produtivas. É fundamental o equilíbrio entre ambos, as demandas e a capacidade de gerar recursos.

Ora, a busca deste equilíbrio passa pela percepção e acompanhamento permanente da atividade econômica e suas oscilações próprias e cíclicas, às variantes internas e externas, às implicações políticas e sociais que aumentem ou diminuam a solidariedade social, a disponibilidade de a sociedade suportar mais encargos, ou exigir sua diminuição.

Com efeito, esta atividade política é complexa, trabalhosa e difícil, mas, está no centro da natureza da administração política e governamental do Estado Contemporâneo.

A dinâmica da vida social e econômica dos nossos dias não mais se compadece da improvisação, na resposta descolada e pontual, antes exige planificação estratégica, explicitação e pactuação política desta planificação, com a ponderação dos princípios como antes referido, que se converte em requisito “sine qua non” da governabilidade, entendida como a capacidade de exercer com eficiência o poder governamental em interação permanente com a sociedade e com a capacidade de superar a conflitividade natural ínsita nas relações humanas, utilizando o ferramental das instituições existentes na ordem estabelecida e em conformidade com a ordem jurídica.

A descrição veemente de Régis Fernandes de Oliveira espelha com fidelidade a situação que antes era mais grave e perturbadora, e hoje, ainda que o seja, se vem reduzindo gradativamente:

“A experiência brasileira, em todos os planos de governo, mostra que há um verdadeiro descalabro no tocante a gestão da coisa pública. O dinheiro público é confundido com o particular. Políticos inescrupulosos cuidam do dinheiro oficial como coisa particular. Destinam-no aos mais diversos fins, longe daqueles de atingimento das finalidades públicas. O endividamento alcança as raias do absurdo. É comum que se onere o Município ou o Estado, porque está em vias de terminar o mandato do governante. O Outro que pague. Os restos a pagar sobejam nos orçamentos. A emissão de títulos dá-se acima dos limites permitidos”.

Este quadro de certa forma apavorante, e que traz consigo um universo de problemas gravíssimos, com a ineficiência da ação governamental, a supressão de efeitos úteis para o bem comum, a deterioração das condições de vida dos indivíduos e da sociedade, precarização e fragilização das atividades econômicas, chagando, não raro, e até com indesejável freqüência a comprometer a estabilidade das relações sociais e das instituições.

Na evolução histórica do processo, o Brasil, por influência de organismos internacionais, deu passos que se reputam importantes na direção da correção de rumos, embora sendo verdade que muito ainda falta, quando acolhe o princípio da responsabilidade fiscal na sua ordem jurídica, regulamentando, ainda que parcialmente, ao nível infraconstitucional, a vida financeira do Estado, direcionando-se àquilo que Lobo Torres (6) observa ser “O Estado Democrático Fiscal é sobretudo um Estado de Responsabilidade Fiscal.” acerca do qual aduz:

“O principio da responsabilidade fiscal, de longa tradição no direito fiscal anglo-americano, adquire extraordinária relevância nos últimos ano da legislação da Nova Zelândia e de outros países da OCDE. Começou a entrar no Brasil por intermédio da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/00). O princípio da responsabilidade fiscal, que Diogo de Figueiredo Moreira Neto prefere chamar de responsividade, corresponde ao conceito de accountability. O princípio da responsabilidade fiscal imanta o Estado Democrático Fiscal, desde a elaboração e aplicação do direito tributário até a confecção da leio de meios, a gestão dos recursos e o controle das contas públicas.”

É uma mudança significativa na condução das coisas públicas entre nós, já dissemos antes que a mudança não é completa e nem alcança a todos os pontos necessários, porém é forçoso reconhecer que se trata da incorporação de elementos de boa governança no processo da administração pública, como observa Régis Fernandes de Oliveira, a pronunciar-se sintetizando consideração geral sobre a lei nos seguintes termos:

“O objetivo primeiro da lei é fixar a responsabilidade fiscal como um dos princípios da gestão pública. Não se destina apenas à fixação de agente responsável. É muito mais que isto. É redefinir a cultura da atividade pública no País. É não apenas dar contorno jurídico ao comportamento político. É uma verdadeira evolução conceitual, de forma a que o agente público saiba que exerce, não apenas um mandato ou uma função, mas que é integrante de uma ordem completa de preservação dos valores sociais.”

Decorre como imposição desta mutação louvável, a marcha para a elevação da qualidade dos gastos públicos, seja porque possibilita melhor controle deles, seja porque viabiliza mais eficiência e produtividade, seja porque induz algum grau de planificação racional e de ponderação de princípios constitucionais para a fixação das prioridades.

É um passo no sentido de elevar o padrão governamental no que respeita a gestão, apontando o alvo do Bom Governo, e em nosso ver isto se remarca por haver sido gestada esta formulação em momento de grave crise econômica que alcançou a todo o mundo e fez surgir a necessidade de uma resposta consentânea, materializando a tese do amadurecimento que a sociedade problematiza quando está em condições de responder, foi exatamente o que aconteceu, veja-se a preciosa descrição do jurista Marcus Abraham:(8)

“Nas últimas décadas do século XX, o papel do Estado começou a ser redesenhado em boa parte do mundo ocidental, na busca de melhor desempenho econômico, através de reformas fiscais, orçamentárias e de gestão pública, adotando-se mecanismos rígidos de controle de despesas e do endividamento que levassem a um desejado equilíbrio fiscal. Tais políticas logo se disseminaram e passaram a ser propagadas por instituições internacionais como o FMI, o Banco Mundial e a OCDE.”

A mudança dos tempos força o redesenho do Estado da virada do século, especialmente diante da constatação do fato de que o Estado não pode tudo e de que os recursos são finitos e limitados, que o grande guarda chuva do estado paternal é inviável porque a realidade mostra que a sociedade não tem a capacidade de produzir a riqueza suficiente para a construção da sociedade ideal, impondo-se, assim, que, através da ponderação de princípios, sejam estabelecidas prioridades e escalonados no tempo as ações governamentais promocionais, investimentos e dispêndios, tendo sempre em vista as limitações materiais da disponibilidade de a economia gerar as riquezas capazes de proporcionar a arrecadação necessária.

Para tanto, há que se considerar que a linhas gerais das escolhas políticas da sociedade estão contidas no pacto político instrumentalizado pela Constituição, onde se inserem os fundamentos e objetivos gerais da sociedade, componentes essenciais do bem comum estabelecidos pelo consenso democrático, ínsito ao pacto. Daí, a grande tarefa posta ao governante e ao administrador é a de sopesar os princípios, e, a partir desta ponderação, fixar a ordem de prioridades, a projeção temporal e a planificação estratégica de suas ações concretas, ganhando, assim, eficiência, racionalidade e mesmo legitimação política para suas escolhas, pois como observa Lobo Torres.: (9) e (10)

“A ponderação, como sopesamento de princípios e valores, freqüenta não só o discurso de aplicação do direito como também o de justificação ou legitimação. O princípio da ponderação passa a ser um dos princípios de legitimação do próprio ordenamento jurídico.”

Deriva da constatação da necessidade de responder às demandas da época, não apenas o redesenho do Estado dos nossos dias, como também a revisão das suas ações e atividades, incorporando caráter mais técnico, consequente e voltado à obtenção de resultados concretos e objetivos.

O ferramental jurídico foi construído e incorporado de sorte a tornar possível este novo estágio do processo de governança estatal, que, se ainda não está onde se deseja, significa aproximação considerável disso.

A indispensável compatibilização realista entre o disponível e o desejável impõe a revisão de objetivos e meios, de formas de ação e de escalonamento de objetivos, de forma a viabilizar a atividade estatal em favor da sociedade, contornando ou superando o quadro muito bem apontado por Marcos Abraham: (11)

“As sucessivas crises no mercado financeiro internacional, que geraram a contração do crédito global ao longo da década de 1990; o crescente endividamento do setor público, que alimentava o fantasma da moratória por uma temida impagabilidade das dívidas interna e externa; os elevados níveis de inflação existentes no período, que camuflavam a deterioração das contas públicas e que representavam uma forma perversa de financiamento do setor público, ao impor o chamado “imposto inflacionário” às camadas menos favorecidas da população, que não tinham acesso a a moeda indexada; e o galopante déficit nas contas previdenciárias, que estava por inviabilizar o pagamento de aposentadorias e pensões – todos estes foram fatores político-economicos decisivos para a criação de normas para disciplinar o ajuste fiscal tão necessária diante de um iminente esgotamento de recursos financeiros imprescindíveis para a execução das políticas públicas.”

A escolha das sociedades ocidentais, especialmente daquelas dos estados chamados de emergentes, os antigamente denominados de “em vias de desenvolvimento”, foi a de reconhecer a necessidade da planificação mínima de suas ações, com atenção especial à dimensão financeira, sendo pertinente relembrar a exposição de motivos da Lei de Responsabilidade Fiscal.

À respeito, é interessante o magistério de Régis Fernandes de Oliveira (12) quando observa que imposição de grau de planejamento na ação estatal, de maneira clara e transparente, com lógica e coerência, rompendo com a tradição e o com o costume arraigados de improviso, de soluções precárias e “ad hoc”, ao dizer:

“A ação planificada pressupõe a identificação de objetivos, com o traçado dos rumos a seguir. Não deve haver mais a improvisação, o amadorismo, o “achismo”. Impõe-se que seja apontado o objetivo e que se fixem rumos e caminhos a seguir. Deve estar presente um procedimento para o atingimento dos fins.”

Ingressamos, sem dúvida, na idade da gestão fiscal e esta se funda em planejamento, e este “novo estágio da civilização” (como o vemos) importa em avanço significativo, pois, como comenta Carlos Valder do Nascimento: (13)

“A ação do Poder Público vincula-se ao conjunto de instrumentos que norteia o planejamento governamental, delineada em normas jurídicas estruturadas em sintonia com o texto constitucional. São eles: o plano plurianual, a lei de diretrizes orçamentárias e a lei orçamentária anual. Nesta estão compreendidos o orçamento fiscal, o da seguridade social e o de investimentos. Com isso o Estado busca ordenar suas atividades, bem como estabelecer as prioridades na persecução dos seus objetivos primordiais. De modo que o planejamento constitui ferramenta básica para que o Estado alcance o seu fim último – o bem comum. Como nem sempre se pode dispor de bens e serviços para todos em abundancia, é necessário saber lidar com a escassez, implementando programas. Assim, deve o governo agir como agente do desenvolvimento e da justiça social.”

Na leitura que se faz, insere-se no painel do Bom Governo o tema responsabilidade fiscal, entendendo que a gestão técnica, planejada, cuidadosa e consequente da vida financeira estatal é requisito essencial do bom governo, e, como tal, vai ao encontro do direito fundamental ao bom governo.

CONCLUSÃO

Como se fixou ao norte, o bem estar, a segurança social, o razoável espaço para o desenvolvimento humano são constituintes essenciais do bem maior, que é a dignidade do ser humano. Exatamente por este motivo, o bem estar, individual e coletivo, dentro dos limites reais e razoáveis das possibilidades materiais, é direito fundamental,

Assim, tudo o que, direta ou indiretamente, contribua para tais finalidades vem a ser promoção e proteção de direito fundamental.

Neste contexto, sendo o Estado o instrumento de manutenção, organização, preservação e promoção da sociedade e da vida social, lhe é deferido o exercício de poder político através de seus agentes (governantes), para que desenvolva as atividades e ações voltadas às finalidades de atingimento dos objetivos e escopos fixados no pacto político da sociedade, constitucionalmente estabelecidos, inclusive com a capacidade de impor coercitivamente condutas aos indivíduos, grupos e instituições da sociedade.

Como tal, se lhe exige responsividade, na qual está incluído o dever de eficiência, racionalidade, capacidade real de produzir resultados. Este elemento fundamental, que é a governabilidade, legitima-se pela capacidade de identificar e escalonar prioridades e meios de buscá-las.

O desenvolvimento deste mister, essencial à vida social, envolve a necessidade de vultosos recursos que a sociedade disponibiliza conforme a sua capacidade econômica e o desempenho governamental, gerindo estes recursos, precisa ser controlado e obedecer a rígidos parâmetros de eficiência, economicidade, lisura, produtividade – responsabilidade fiscal.

Transcorreram-se quinze anos do passo inicial que nosso País deu no sentido de imprimir algum grau de racionalidade na gestão financeira pública. Sem dúvida muita já se caminhou, bons resultados se tem colhido; verdade é, porém, que muito ainda precisa ser feito, longo trecho ainda há a percorrer.

Outros setores da gestão financeira e econômica precisam ser regulamentados e marcados pela responsividade, mas reconheçamos, toda grande caminhada começa com um primeiro passo e os primeiros foram dados, o que nos leva a repetir o grande Afonso Arinos, na introdução do seu clássico Documentos Constitucionais, quando disse: “Não se pode ser otimista como cultor do direito público sob pena de ser pateta, mas, não se pode ser pessimista, porque há que se crer no ser humano.” O mestre tinha razão.(14) e (15).

 

(1) Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário, vol.1, p. 19, ed. Renovar, RJ, 2009

(2) in.op.cit., vol.5, p.357

(3) cit.op.cit.vol.5, p.24/25

(4) op.cit.vol.1,p.547

(5) in Curso de Direito Financeiro, ed. Revista dos Tribunais, 2015, SP, p.717

(6) op.cit. vol.1, p.554

(7) cit. 729

(8) in Curso de Direito Financeiro Brasileiro, ed. Gen Forense, 2015, RJ, p.329

(9) op.cit.loc.cit

(10) Ricardo Lobo Torres vislumbra o Estado da Segurança Fiscal, dizendo: “O Estado Democrático Fiscal é o Estado da Segurança Fiscal, em simetria com o Estado Democrático de Direito, que é um Estado de Segurança. Já não é mais o Estado que garante apenas a segurança dos direito individuais, mas que protege também a segurança social (seguridade social) e a segurança preventiva. O Estado de Segurança Fiscal se apóia em novos princípios de legitimação: transparência, responsabilidade, custo/benefício e ponderação. Nele os princípios específicos de segurança (legalidade e tipicidade) passam por momento de flexibilização no concerto dos tributos contraprestacionais.

(11) op.cit.loc.cit.

(12) op.cit.loc.cit.

(13) Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal, Orgs. Ives Gandra da Silva Martins e Carlos Valder do Nascimento, ed. Saraiva, SP, 2008, p.17

(14) op.cit.p.728

(15) Daí a vinda da denominada Lei de Responsabilidade Fiscal (L.C.101/2000) que: “pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange à renuncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade social e outras, dívidas consolidadas e mobiliária, operações de crédito, inclusive com antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar.”

 

BIBLIOGRAFIA

ABRAHAM, Marcus. Curso de Direito Financeiro Brasileiro, ed. Gen Forense, 2015, RJ,

NASCIMENTO, Carlos Valder do. MARTINS, Ives Gandra da Silva. Orgs. Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal. ed. Saraiva, SP, 2008.

OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Curso de Direito Financeiro, ed. Revista dos Tribunais, 2015, SP.

TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário, vol.1, p. 19, ed. Renovar, RJ, 2009

*PUBLICADO EM Revista Brasileira de Direito Tributário e Finanças Públicas. , v.1, p.56 - 66, 2015.

 

*FRANCISCO PEDRO JUCÁ. Juiz do Trabalho Titular da 14ªVT/SP. Mestre, Doutor em Direito Privado pela PUC/SP e Direito do Estado pela USP. Livre-Docente em Direito Financeiro pela USP. Pós Doutorado na Universidade de Salamanca – Espanha. Professor Titular de Direito Constitucional da Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo – FADISP, do Corpo Permanente do Programa de Pós-Graduação Stricto Senso (Mestrado e Doutorado). Pertence à Academia Paulista de Letras Jurídicas – APLJ, Cadeira 7, Patrono Sampaio Dória. Da Academia Paulista de Magistrados. Sociedade Paulista de Direito Financeiro e da Asociación Hispanobrasileña de Derecho Comparado. Associação Brasileira dos Constitucionalistas Brasileiros – Instituto Pimenta Bueno. Instituto Brasileiro de Direito Constitucional e Associação Internacional dos Constitucionalistas.