Ética, reitero como voz a clamar no deserto, é a única matéria-prima em falta neste Brasil onde tudo sobra. A ciência do comportamento moral do homem na sociedade é a baliza segura para que o convívio deixe de ser a luta livre em que todos se devoram.
Lamentavelmente, o estudo da ética foi praticamente abandonado. É pouco dizer que foi apenas negligenciado. Os poucos adeptos a essa religião moral falam para si mesmos. Ou têm de formular artifícios para serem ouvidos, pois a menção ao verbete “ética” afugenta raros ouvintes.
O universo em que ela deveria estar mais entranhada, é aquele que reflete, emblematicamente, a falta que ela faz. O Brasil em que proliferaram as Faculdades de Direito, a ponto de possuir – sozinho – mais unidades do que a soma de todas as outras existentes no restante do planeta, ainda tem a ética no discurso, mas a despreza na prática.
Os recorrentes exemplos de conduta bizarra no âmbito dos Tribunais são consequência direta e imediata da falta de noção do que seja a ética. Já houve tempos mais favoráveis à consideração que tal ciência deve merecer. Recordo-me da atuação do saudoso Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, fervoroso líder na implementação da grande ideia das Escolas da Magistratura, ao inserir o tema ética em todos os incontáveis eventos que promoveu.
Insistia na urgência de um Código de Ética da Magistratura Nacional, que foi editado pelo Conselho Nacional de Justiça em 2008 e que prevê a entrega de um exemplar de seu conteúdo a cada novo juiz. Prática de cuja efetividade não tenho notícias.
A Escola Paulista da Magistratura, criada no mesmo ano da Constituição Cidadã, contava em seus primórdios com um núcleo deontológico. O primeiro curso promovido para os magistrados resultou em livro com textos de vários dos expositores e que, durante alguns anos, foi referência para os candidatos a concursos de Ingresso à carreira.
Com o passar dos anos, a ética saiu de moda. Justamente quando ela se mostra mais necessária. A tônica é a técnica. Prodigalizam-se estudos sobre o direito instrumental. Todas as novas leis são objeto de detida análise e variegada leitura. A ética foi para os subterrâneos do interesse institucional.
Contudo, dir-se-á que o Brasil é hoje mais ético? O direito tem sido aplicado de forma ética? Ainda se pode falar em “mínimo ético” no espaço jurídico?
Haverá condição para a reabilitação do refletir moral, para recuperar a ideia de que o direito, se não for conforme com a busca do bem, não é senão uma técnica sofisticada, capaz até de perpetrar injustiças?
A ética integra a Filosofia, que não pode percorrer, errática, as sendas de um racionalismo neutral, suscetível de radicalizar o subjetivismo e o empirismo cético, quando abandona as incontestáveis certezas da natureza humana.
No presente estágio da vida social, em que a verdade é vilipendiada e reveste as mais inesperadas formas, a ética seria o antídoto à disseminação da mentira. Não a mentira caridosa, de quem pretende esconder ao enfermo terminal sua real condição. Mas a inverdade interesseira, com vistas à obtenção ou perpetuação de vantagens as menos decorosas.
Paradoxal o curso da humanidade, a desvendar mistérios, a aprimorar a ciência e a extrair dela tecnologias que produziram profunda mutação na sociedade, mas em acelerado retrocesso ético. No estudo da ética e na prática ética.
Os antigos – ou nem tão antigos assim – podem nos inspirar. Em sua clássica obra “A Verdade na Moral e no Direito”, Giorgio Del Vecchio assinala: “Conhecer significa tender para a verdade e compreendê-la. E o que é a verdade? Reside em nós, fora de nós, ou nos dois lugares a um tempo?”.
Responder a essa indagação nos poderá fazer enxergar o quão nociva é para a humanidade, perdida em egoísmo e alheia ao que se passa fora de sua órbita estrita de interesses individualistas, a expulsão da ética das cogitações dos que têm a obrigação de estudar a cada dia, para minorar a aflição dos injustiçados.
Alguém vislumbra a recuperação do interesse pelas supremas verdades éticas, que deveriam residir em nossa mente em caráter de necessidade, eternidade e universalidade? Ou continuaremos atentos às aparências efêmeras, vítimas das mutáveis impressões fabricadas por não se sabe quem, nem com que interesse?