Fonte: José Renato Nalini
Sintoma explícito de que a Humanidade cai de nível é a impossibilidade de se produzir outro exemplar da espécie que se possa comparar a Paulo Lébeis Bomfim.
Não falo de sua poesia que jorrou incessante por décadas, levando-o a conquistar por eleição o título de “Príncipe dos Poetas Brasileiros”, sucedendo a Guilherme de Almeida e a Olavo Bilac. Nem penso em sua fabulosa memória, capaz de recordar nomes inteiros de família, linhagem, origem, datas e estórias. Nem no seu fervor cívico, a defender São Paulo com galhardia e entusiasmo.
Tudo isso era Paulo Bomfim. Mas muito mais, para quem teve o privilégio de conviver com ele.
Conheci-o já poeta consagrado e eu, humilde redator de jornal do interior. Concedeu-me idêntica atenção àquela dispensada a figurões e a celebridades. E assim foi sempre, comigo e com os demais.
Polido, gentil, cordial, caloroso, profundamente simpático e de uma generosidade sem igual.
Quando nos é dado conviver com pessoas que se aproximam dos cargos e das funções, as quais encerradas, mostram a verdadeira face dos aproveitadores dessas efêmeras gloríolas, mais reverenciamos Paulo Bomfim. Ele sempre foi capaz de identificar a condição do que chamava “elite de alma”. Nunca foi cortejador dos poderosos. Quando detectava qualidades pessoais em qualquer ser humano, passava a cultivar uma amizade verdadeira. Não só preservava as amizades. Zelava por elas, regava com carinho e com a fidalguia de atenções hoje inexistentes na barbárie que regula os relacionamentos por interesse.
Incapaz de criticar ou de condenar semelhantes. Sempre encontrava um aspecto de excelência a ressaltar, ainda que o modelo não o facilitasse. Comprava as lutas de seus amigos. Leal e solidário, companheiro fiel, amigo de verdade.
Pude aquilatar todas as virtudes de Paulo Bomfim durante praticamente toda a minha vida funcional. Esteve ao meu lado quando perdi meu irmão, René. Depois quando partiu meu pai, Baptista. Participou de todos os aniversários de minha mãe, Benedicta, para quem escreveu bela página, quando completou 80 anos.
Foi meu Chefe de Gabinete na Presidência do Tribunal de Justiça, entre 2014 e 2015. Quando deixei a Magistratura, ao contrário de tantos, mostrou-se ainda mais presente. Insistia em que eu almoçasse todos os dias em sua casa, saliente a compensação pelo desaparecimento daqueles que perseguem qualquer espécie de autoridade e, fiéis discípulos da tática das homenagens, continuam a envolver os cargos, nunca atentos às pessoas.
Devo a ele muito do que sou. Aprendi a respeitar o próximo. A relevar as falhas. A perdoar. A tentar exercer a missão de tornar o mundo menos amargo, menos cruel e menos decepcionante.
Atribuo a ele o privilégio honroso e imerecido de integrar a Academia Paulista de Letras. Meu eleitor e cabo eleitoral nas duas vezes em que disputei. Tentando suceder a Odilon da Costa Manso, a cuja família me afeiçoara por inúmeras razões, quando perdi para Paulo José da Costa Júnior e na segunda vez, quando sucedi a Duílio Crispim Farina.
Era um acadêmico empenhado em fazer da Instituição aquela “Casa de bom convívio” acolhedora da diversidade e destinada ao florescimento do estudo, do aprimoramento contínuo, do debate e do diálogo civilizado.
Ainda recentemente, propus a ele escrevermos juntos algo como o “Anedotário da Academia Brasileira de Letras”, de Josué Montello, aplicado à nossa Academia Paulista. Havia aceito, porque não sabia recusar uma intimação de amigo. Teria sido uma obra esplêndida, tamanho o acervo de estórias, de curiosidades, de folclore que envolve o convívio dessa Casa que tem 110 anos e de que foi Decano por 56 anos!
_ José Renato Nalini é Presidente da ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS, devedor insolvente da excelsa generosidade de PAULO BOMFIM.