Medida não é proteção a mulher
O Projeto de Lei de atualização do Código Civil, em tramitação no Senado Federal (PL 04/2025), propõe mudança radical no divórcio por iniciativa de um dos cônjuges. Essa proposta, se aprovada, permitiria o divórcio por mera notificação no Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais (RCPN).
Após a notificação, pessoal ou por edital, em cinco dias os cônjuges estariam divorciados, sem mesmo haver tempo suficiente para o cônjuge notificado procurar um advogado e realizar os pedidos judiciais necessários à preservação de seus direitos.
Entre os prejuízos ao cônjuge notificado, estaria a possibilidade de sua exclusão imediata do seguro ou plano de saúde existente junto à empregadora do requerente do divórcio, bastando apresentar a certidão de casamento averbada com o divórcio. Além disso, poderia ocorrer a expulsão do cônjuge notificado do domicílio conjugal, se o imóvel pertencer exclusivamente ao notificante, sem que houvesse o tempo necessário para que o notificado buscasse nas vias judiciais a necessária proteção.
Quem recebe uma mera notificação de um cartório e corre para um advogado para tomar as medidas que assegurem seus direitos? O que se propõe é algo bem diferente de quem recebe uma citação judicial, decorrente de uma ação de divórcio, e tem 15 dias úteis para buscar assistência advocatícia e entrar no processo judicial, assistido por advogado, para fazer os pedidos cabíveis.
Quanto a terceiros, imagine-se a seguinte situação, que pode ser exemplo de muitas outras: a mulher é supostamente notificada, porque cabe sua notificação no projeto até mesmo por edital, e segue em suas negociações com terceira pessoa de compra parcelada de um veículo, apresentando-se como casada em regime de comunhão de bens, embora já esteja divorciada, sem saber de seu novo estado civil.
O vendedor do carro está tranquilo, porque sabe que poderá cobrar o valor do carro com base no patrimônio do suposto casal e exigir o valor da venda da compradora e do seu cônjuge. Mas, se não receber o preço da venda, somente poderá exigir o que tem a receber da mulher que o comprou e com base no patrimônio dela, porque o divórcio já ocorreu e está averbado no Cartório de Registro Civil, sem que até mesmo a mulher tivesse conhecimento disso.
Quando se fala em proteção da mulher, que não consegue se divorciar, como justificativa dessa proposta, isto é uma falácia porque a mulher que sofre violência doméstica precisa das medidas protetivas da Lei
Maria da Penha e não de divórcio por notificação em Cartório de Registro Civil. Não será o divórcio que impedirá a violência doméstica, que poderá continuar e até se agravar!
Note-se que o divórcio por pedido unilateral no sistema em vigor já é suficientemente facilitado e rápido. O divórcio pode ser decretado no início da ação judicial de dissolução do vínculo conjugal, após a citação do outro cônjuge, em que, embora o demandado na ação não possa se opor ao divórcio, ele tem a possibilidade de realizar os pedidos das medidas necessárias à preservação de seus interesses, como pensão alimentícia e permanência, ainda que temporária, no domicílio conjugal, na conformidade do Código de Processo Civil em vigor. Note-se que, embora existam algumas decisões que decretam o divórcio sem a citação do outro cônjuge, isto não altera a lei processual, sendo obrigatória essa citação.
Por essas, entre outras razões, digo não ao divórcio por notificação judicial em Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais ou divórcio express.
Em matéria originalmente publicada na Folha de S. Paulo, em 05 de julho, intitulada “A proposta do divórcio express no Novo Código Civil é boa?”, foram apresentados argumentos diametralmente opostos de Regina Beatriz Tavares da Silva, Presidente da ADFAS, (NÃO) e de Maria Berenice Dias, Vice-Presidente do IBDFAM.(SIM)