crédito: Jornal O São Paulo - Angela Vidal Gandra Martins -
No dia 1º de fevereiro, perdemos o grande filósofo franco-americano Germain Grisez. Apaixonado pela teoria de Tomás de Aquino, ainda que por meio de uma releitura própria, levantou questões essenciais sobre a natureza humana, seu agir e liberdade. E, como católico praticante, ao ritmo de “ Fides e Ratio ”, aprofundava na metafísica do ser, hoje e agora, secular, mais do bem do que do mal, como é próprio do ser, que é uma afirmação e não uma negação, porém sem perder sua vocação à eternidade. Como escreveu, por ocasião de sua morte, John Grondeslski, acadêmico americano que se inspirou em sua obra: “que possa continuar sendo uma luz para os jovens pensadores que desejam empreender um sério trabalho intelectual para encontrar respostas satisfatórias para uma verdadeira ‘vida boa’ sustentada por uma saudável ética social”.
Grisez, desde que defendeu seu doutorado na Universidade de Chicago, sentia-se comprometido em auxiliar a comunidade acadêmica a refletir. Como comentou, em artigo recente, o jusfilósofo de Oxford, John Finnis: “desejava ajudar a descobrir o bem; o outro; a abertura à verdade e à própria fé”. Grisez, por meio de sua profissão e como filósofo, sentia-se responsável por servir e despertar o amor pelos verdadeiros valores éticos.
Ainda que não compartilhe de todas as suas posturas, admiro profundamente sua defesa da lei natural como denominador comum das relações sociais, base do autêntico pluralismo. De fato, falar hoje sobre uma lei natural como denominador comum da vida em sociedade evoca, muitas vezes, um posicionamento preconceituoso, desde o superficial politicamente incorreto, passando erroneamente pelo permissivismo naturalista ou identificando-o com uma postura religiosa.
Será possível que diferentes concepções possam conviver concordando sobre princípios provenientes de uma lei natural? Sim, pois compartilhamos uma mesma natureza. Ainda que praticamente 90% da vida em comunidade possa ser opinável e dependa de decisões da maioria, há alguns pilares sobre os quais se edifica o diálogo, que devem ser respeitados, como, por exemplo, o direito à vida, à liberdade ou à verdade: ninguém gostaria de instituir a mentira ou a infidelidade como regra de convivência social... Por sua vez, os direitos deles provenientes não estão sujeitos à vontade arbitrária dos que governam, cabendo-lhes simplesmente reconhecê-los.
É nesse sentido tão prático que Grisez e outros filósofos que explicam o Direito Natural aprofundaram nas bases teóricas e científicas que fundamentam as relações humanas e que demonstram também empiricamente o verdadeiro caminho para a felicidade, já preconizado desde Aristóteles, ainda que hoje, infelizmente, a prova é contrária, já que vivemos no século mais depressivo da história da humanidade, por desafiar esses parâmetros naturalmente evidentes.
Como afirmou Bento XVI em sua iluminadora Encíclica Spes Salvi (n.25), cada geração deve fazer sua própria contribuição para estabelecer estruturas convincentes sobre a liberdade e o bem, que possam auxiliar a próxima geração, como um guia orientativo para o uso adequado da liberdade humana. Dessa forma, sempre dentro dos limites humanos, oferecerão também uma certa garantia para o futuro. Grisez foi uma luz nesse sentido, ao promover os sábios limites positivos da natureza, como a aeronáutica respeita a lei da gravidade para voar cada vez mais alto. Que ele nos ajude a todos a entender melhor e sublinhar o que nos une como seres humanos, para alavancar nossas relações pessoais e sociais, bem como um Direito justo, e, assim, poder efetivamente cruzar os céus sem limites.
crédito imagem: Arte: Sergio Ricciuto Conte