A nova Lei de licitação e contratos administrativos, Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, que entrou em vigor na data de sua publicação manteve a vigência a LeiKiyoshi Harada 2 0e052 nº 8.666/1993 pelo prazo de dois anos.

Até lá os interessados poderão optar pela lei antiga ou pela lei nova, ou ainda, intercalar a aplicação da primeira lei e da lei nova, só não podendo misturar as normas de uma e de outra lei em um mesmo certame licitatório.

Ivan Barbosa Rigolin, conhecido administrativista, escrevendo à luz do então projeto legislativo aprovado pelo Congresso Nacional que viria ser sancionado como Lei nº 14.133/2021, afirmou:

“Então e assim sendo, o que se sabia de dispensa e inexigibilidade na lei de 1993 pode ser quase que totalmente aproveitado na nova lei. Assim reproduz-se, a seguir, a redação originária deste artigo, de 2000. Pois que sua inatualidade, em matéria de fundo, é mínima”. (Dispensa e de inexigibilidade de licitação. Todas as hipóteses são normas gerais também na nova lei de licitações, in Revista Síntese de Direito Administrativo, Ano XVII, nº 194, fev / 2022, p.9).

Não nos parece ser assim.

Senão vejamos mediante o confronto de textos da lei nº 8.666/93 e da Lei nº 14.133/21:

Lei nº 8.666/1993:

“Art. 25.  É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:

I - para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes;

II - para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação;

III - para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública.

  • § 1oConsidera-se de notória especialização o profissional ou empresa cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato”.

 Lei nº 14.133/2021:

 “Art. 74. É inexigível a licitação quando inviável a competição, em especial nos casos de:

I - aquisição de materiais, de equipamentos ou de gêneros ou contratação de serviços que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representantes comerciais exclusivos;

II - contratação de profissional do setor artístico, diretamente ou por meio de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública;

III - contratação dos seguintes serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação:

  1. a) estudos técnicos, planejamentos, projetos básicos ou projetos executivos;
  2. b) pareceres, perícias e avaliações em geral;
  3. c) assessorias ou consultorias técnicas e auditorias financeiras ou tributárias;
  4. d) fiscalização, supervisão ou gerenciamento de obras ou serviços;
  5. e) patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas;
  6. f) treinamento e aperfeiçoamento de pessoal;
  7. g) restauração de obras de arte e de bens de valor histórico;
  8. h) controles de qualidade e tecnológico, análises, testes e ensaios de campo e laboratoriais, instrumentação e monitoramento de parâmetros específicos de obras e do meio ambiente e demais serviços de engenharia que se enquadrem no disposto neste inciso;

IV - objetos que devam ou possam ser contratados por meio de credenciamento;

V - aquisição ou locação de imóvel cujas características de instalações e de localização tornem necessária sua escolha.

[...]

  • § 3º Para fins do disposto no inciso III do caputdeste artigo, considera-se de notória especialização o profissional ou a empresa cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiência, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica ou outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e reconhecidamente adequado à plena satisfação do objeto do contrato”

Como se verifica do inciso II, do art. 25 da Lei nº 8.666/93 classificam-se como profissionais ou empresas de notória especialização pela singularidade da atividade desenvolvida, isto é, único, sem correspondência com outro, distinto dos demais.

A nova lei em seu art.74, inciso III substitui a singularidade de que cuida a Lei nº 8.666/93, ainda em vigor, pela “natureza predominantemente intelectual dos profissionais ou empresas de notória especialização”.

Basta, agora, tão somente que haja uma atividade predominantemente intelectual não se exigindo a singularidade do serviço prestado, aliás, um conceito de difícil precisão quando se faz uma escolha entre especialistas do mesmo ramo de conhecimento jurídico. Entre vários profissionais ou escritórios de tributaristas, por exemplo, é muito difícil dizer qual deles presta um serviço único, sem qualquer correspondência com outro.

A nova lei acabou com essa fonte permanente de insegurança jurídica, ao adotar um conceito amplo – natureza predominantemente intelectual – para promover a dispensa de licitação na contratação de profissionais ou empresas para prestar serviços, de assessoria ou consultoria e auditorias financeiras e tributárias, bem como, patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas (letras c e e do inciso III, do art. 74).

Esse ponto de vista foi acatado pela 5ª Turma do STJ que absolveu o prefeito de Salto que havia sido condenado nas instâncias ordinárias pelo crime de contratação direta, mediante aplicação retroativa da lei benigna.

O Ministro João Otavio de Noronha, Relator do processo acrescentou que “não seria razoável exigir dos advogados públicos ou procuradores de municípios de pequeno porte que tenham competências específicas para atuar em demandas complexas” (AgRg no HC nº 669.347).