O ativismo judicial não se confunde com a judicialização da política muito embora haja uma conexão entre essas duas expressões.
Atualmente tornou-se uma praxe um deputado ou senador bater as portas do STF para tentar reverter o resultado da deliberação da Casa Legislativa, inconformado com o resultado da votação majoritária.
A Corte Suprema, ao invés de desconhecer o pleito do parlamentar, como se fazia antigamente, acaba proferindo uma decisão de mérito. Esse fato fez com que surgisse uma corrente doutrinária que considera o STF como um grande partido de oposição ao governo gerando atritos entre os Poderes.
Exemplo típico do que estamos falando é a determinação da Corte Suprema de o Senado Federal instalar a CPI da Covid-19 sob o fundamento de assegurar direitos à minoria parlamentar.
Dessa forma, questões que deveriam ser resolvidas no âmbito interno do Parlamento Nacional são levadas, por alguns de seus membros, descontentes com a votação majoritária, para a apreciação da Corte Suprema, buscando reverter o resultado proclamado pela Casa Legislativa. É a chamada politização do Judiciário.
Todavia, judicialização, por si só, não é um mal. Na judicialização a Corte Suprema age provocadamente e nos limites constitucionais e legais sempre procurando a melhor interpretação dentro da ordem jurídica global, para a solução do caso submetido à sua apreciação. Trata-se de buscar o sentido teleológico da norma para produzir o resultado pretendido pelo dispositivo legal ou constitucional, interpretando de conformidade com o art. 5º da LINDB, ou seja, de sorte a atender aos fins sociais do direito e ir ao encontro do bem comum a que se destina a norma. E assim o faz porque uma vez provocado não é dado ao Judiciário deixar de conhecer o mérito pretextando lacuna da lei, de conformidade com o art. 4º da LINDB que faz remissão à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito.
Por isso, na judicialização quer se trate de matéria política, quer se trate de políticas públicas não implica interferência nas áreas de atuação dos Poderes Legislativo e Executivo.
Todavia, não há negar que a judicialização da política representa um passo para se alcançar o ativismo judicial, que é caracterizado pela ação proativa do Judiciário, buscando uma solução reputada justa e adequada para dirimir o conflito sob exame, ainda que ultrapassando os limites do ordenamento jurídico e, portanto, envolvendo invasão de competência legislativa cabente ao Legislativo/Executivo. É noção elementar de direito constitucional que o Judiciário não pode agir como legislador positivo, mas, apenas como legislador negativo.
Porém, é certo que em todas as atuações do Supremo Tribunal Federal o que se busca é o resguardo dos direitos fundamentais do indivíduo. E nessa busca, muitas vezes, a Corte Suprema expande a sua atuação para além dos limites legais, criando um preceito que não existe ou suplantando o sentido que a norma interpretanda efetivamente representa.
É curioso observar que os críticos do ativismo judicial não atentam para o fato de que o Poder Judiciário só age provocadamente. Nunca a Corte Suprema deflagra de ofício a atividade jurisdicional para se imiscuir nos assuntos de alçada do Executivo ou do Legislativo.
Assim sendo, os responsáveis pelo ativismo judicial da Corte Suprema, em última análise, são as pessoas ou instituições legitimadas a propor ações coletivas de cunho constitucional (Ação direta de inconstitucionalidade – ADI – e Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF). Eventualmente o ativismo judicial pode ser provocado por meio de um mandato de segurança, por exemplo, para questionar o resultado de uma deliberação do colegiado na Câmara ou no Senado Federal, abordando não apenas vícios formais, como também o exame do mérito. Outrossim, o ativismo judicial pode resultar, igualmente, de uma ação de inconstitucionalidade por omissão, quando o Judiciário deve ou deveria limitar-se a dar ciência da omissão ao Poder competente para a adoção de medidas cabentes (§ 2º, do art. 103 da CF), sem qualquer resultado prático. Ultimamente, o STF, dentro da tese do consequencialismo jurídico, não só vem reconhecendo a omissão apontada na inaugural, como também, editando norma concreta para suprir a omissão reconhecida. É o que restou decidido recentemente com a determinação de realização do censo demográfico em 2022 pelo Plenário da Corte, pois, nos termos da legislação vigente o censo deveria ter sido efetivado no ano de 2020. A decisão monocrática do Ministro Marco Aurélio determinava a realização desse censo em 2021, com ou sem previsão de recursos orçamentários. Em tese essa decisão interfere na formulação e execução de política pública.
Na era da pandemia em que estamos vivendo a atuação do STF na área de política públicas voltada para a área da saúde intensificou-se sobremaneira, implicando, na maioria dos casos, uma inovação legislativa.
Uma maneira de afastar o ativismo judicial da Corte Suprema é de as pessoas legitimadas à propositura de ADIs, ADPFs e mandados de segurança, se absterem de provocar o Judiciário, procurando resolver os conflitos no âmbito interno de cada Poder.
É certo que antigamente a Corte Suprema recusava-se a conhecer da matéria que dissesse respeito, por exemplo, à atribuição do Congresso Nacional, determinando que o autor buscasse a solução dentro da Casa a que pertence.
Porém, isso já é coisa do passado. Hoje a realidade é bem outra com o Judiciário assumindo um protagonismo crescente decorrente, de um lado, da judicialização da política como dito de início, e de outro lado, como forma de participação do Supremo Tribunal Federal na concretização de fins constitucionais, na condição de intérprete máxima da Constituição, suprindo as normas faltantes, e, às vezes, decidindo em sentido diverso do que está no texto da Carta Magna para melhor atender ao bem comum.
SP, 11-10-2021.