Inicio estes breves comentários reportando-me à lição do saudoso Professor José Pedro Galvão de Sousa, o qual afirmava que o que havia feito a grandeza da Monarquia na Idade Média, havia sido a existência dos chamados “grupos intermediários” que impediam a excessiva concentração do Poder nas mãos do soberano. Ainda de acordo com o mesmo autor, esta “Monarquia Temperada” do Medievo diferia totalmente da Monarquia Absolutista da Idade Moderna... monarquia absolutista que era uma corrupção da genuína ideia monárquica.
Entre tais “grupos intermediários” da Idade Média avultavam as chamadas “Corporações de Ofício”, que agrupavam os profissionais de um determinado setor , velavam pelos interesses da categoria, e disciplinavam os trabalhadores, do ponto de vista ético. Cumpre acrescentar que as corporações eram soberanas no que lhes dizia respeito, dispondo de autogoverno, e não estando jungidas ao Poder Político. Nesta ordem de ideias, e evocando o ensinamento do ilustre Cláudio De Cicco, o Estado Fascista, que se proclamava “Corporativo”, alterou a essência das Corporações de Ofício, ao sujeita-las a ele, Estado...
A Ordem dos Advogados do Brasil é em grande medida --- até em seu nome --- uma sobrevivência das Corporações de Ofício medievais. E o que fez a sua grandeza no passado, ao longo de toda a nossa História, foi o dado de sempre ser livre relativamente ao Poder Político. Esta independência, corporificada nos vultos de gigantes de Sobral Pinto, Prado Kelly e Noé Azevedo, para ficarmos com apenas três nomes, possibilitou que a Ordem dos Advogados sempre denunciasse, com desassombro e ânimo viril, os desvios de conduta eventualmente praticados pelos tribunais do Brasil, sem a exceção do próprio Supremo Tribunal Federal.
Ao se referir à coragem que deve exornar os advogados, Prado Kelly, em “Missão do Advogado”, afirma que eles são o que, na Tragédia Grega, era o Coro, símbolo do Povo, em face do Rei, encarnação do Poder. E conclui Prado Kelly: Por isto, desde época remota, os advogados se dirigiram aos fortes e poderosos, como nunca os humildes ousariam lhes falar.
A lição do grande Prado Kelly é atualíssima, no momento em que, diante de sucessivas e imperdoáveis violações da Constituição por parte do Pretório que devia ser o seu guardião, a Ordem dos Advogados do Brasil se cala, com este mutismo renegando a sua própria essência. Aqui tomo esta palavra no sentido que lhe dava meu mestre Goffredo da Silva Telles Junior: “Essência é aquilo pelo que uma coisa é o que é, e pelo que se distingue das demais coisas.” Ora, é da essência da Advocacia, e pois da Ordem dos Advogados do Brasil, a defesa de alguns valores considerados atemporais na Cultura do Ocidente. E um destes valores dotados de sacralidade, é a liberdade de expressão, garantida no texto da Lei Maior...
A Ordem dos Advogados do Brasil, com o seu silêncio tumular, tem coonestado a ação de um Pretório dócil ao projeto de poder dos adeptos de uma ideologia --- o Comunismo Internacional --- que foi em toda a parte o arauto da miséria econômica, da repressão policial e da censura dos meios de comunicação.
Parecem não perceber, os dirigentes da Ordem dos Advogados, que o Marxismo, inspirador do Comunismo, é antitético relativamente ao Direito. Para Marx, o Direito não passa de uma superestrutura ideológica, que serve para justificar a exploração dos trabalhadores pela “classe dominante.” Como é óbvio, a visão de Marx era acanhada, e compatível com o reducionismo que marcou todo o pensamento do século XIX!... o Direito é muito mais do que isto, como o perceberam aqueles homens chamados de “empíricos geniais” por Pietro De Francisci: Os jurisconsultos romanos.
Ao renunciar à sua independência intelectual e moral, subordinando-se a um projeto totalitário e autoritário de poder, a Ordem dos Advogados do Brasil, além de renegar o seu passado, desserve a classe que representa. E, mais grave do que isto, atraiçoa as tradições do povo brasileiro...
*Acacio Vaz de Lima Filho é Livre-Docente em Direito Civil, área de História do Direito, pela Faculdade do Largo de São Francisco