“Soberania é o poder incontrastável de querer coercitivamente e de fixar as competências”, ensinava nas Arcadas José Carlos de Ataliba Nogueira. E ao longo dos meus estudos de História do Direito, fui verificando que a noção de “Soberania” é incindível das noções, presentes no Direito Público Romano, de “Imperium”, “Majestas” e “Potestas.” A Soberania é um dos atributos do Estado como hoje o conhecemos, e que surgiu com o Tratado de Westfália. É óbvio outrossim que o Estado exercita a sua soberania, dentro das lindes do seu território. Por outras palavras, é dentro dos seus limites territoriais que o Estado aplica o seu Direito Positivo.

Diante do enunciado, uma pergunta se planteia: O Direito se esgota no “Jus Positum”? As normas às quais estão jungidos os cidadãos são somente aquelas baixadas pelo Estado, no exercício da sua Soberania? Se, ao contemplarmos o Universo do Direito, nos apoiarmos em Hans Kelsen, teremos que dar à pergunta uma resposta afirmativa: Sim, “Direito” é apenas aquilo que o Estado, detentor do Poder, afirmar que Direito é... Notemos que Kelsen, sem embargo de ter produzido a sua “Teoria Pura do Direito” no século XX foi, em tudo e por tudo, um autor do século XIX, pagando um tributo necessário ao reducionismo caracterizador daquela centúria... pois que, como é óbvio, o “jurista de Viena” reduziu o Direito à sua dimensão normativa. Um dos nefastos corolários da doutrina kelseniana é o de que, à luz dela, torna-se impossível distinguir entre o “legal” e o “legítimo.” Esta distinção, para Kelsen, seria um problema “metajurídico”... o corolário seguinte chega a ser sinistro: O Direito é algo axiologicamente neutro, com tudo o que de tal neutralidade deflui...

Coube a Miguel Reale, com a sua “Teoria Tridimensional do Direito”, demonstrar a inanidade da “Teoria Pura do Direito” de Kelsen. Com efeito, demonstrou o autor nacional que o Direito é também norma, porém não é apenas norma. Nele o fato, o valor e a norma se entrelaçam e se interpenetram, numa dialética de mútua implicação e polaridade.

Tercio Sampaio Ferraz Jr é partidário da opinião de que a História do Direito integra a “Zetética Jurídica.” E acrescentamos que a História do Direito é insuficientemente estudada no Brasil. Ora, ela revela que, ao longo dos séculos e dos milênios, o Direito não se reduziu ao “Jus Positum.”

Roma foi a pátria da Ciência do Direito. A ela os romanos deram um nome significativo: Chamaram-na “Jurisprudentia” nome que, para Miguel Reale, deve ser mantido por colocar em destaque uma virtude capital do jurista: A Prudência... embora distinta da Ética e da Política, a novel ciência era a elas subordinada... ora, ao longo da sua gesta imperial, os conquistadores do Lácio entraram em contato com a experiência jurídica de outros povos. E este contato foi altamente fértil. Por meio da cuidadosa e gradual recepção do Direito estrangeiro, surgiu o “Jus Gentium” --- literalmente “Direito das Gentes”, “Direito dos Povos” --- e que foi o embrião do moderno Direito Internacional. E, influenciados pela especulação filosófica dos gregos, em especial dos estóicos, os jurisconsultos romanos chegaram à noção do “Jus Naturale”, que estaria sempre acima da positivação de quaisquer normas por uma estrutura de Poder; “Jus Naturale” que deve ser sempre um modelo para o Direito Positivo.

A Soberania do Estado não é assim algo absoluto: Sempre que o seu Direito Positivo agredir as normas basilares do Direito das Gentes e afrontarem o Direito Natural, estará ele, Estado, sujeito a responder às sanções da comunidade internacional.

Suponhamos que em um determinado Estado, o Comunismo tome o Poder e, num gesto típico de prepotência ideológica, transforme os órgãos judicantes em uma “longa manus” da imposição do sistema bolchevista. A liberdade individual e de expressão passa a ser massacrada, os princípios do Juiz Natural, do duplo grau de Jurisdição e da presunção da inocência passam a ser letra morta, e assim por diante... ora, é evidente que, diante de um tal quadro, Estados estrangeiros passam a pressionar o Estado Infrator. E se este brandir argumentos de “defesa da soberania nacional”, tal atitude não passará de uma rematada hipocrisia, destinada a disfarçar a tirania...

*Acacio Vaz de Lima Filho, Livre-Docente em Direito Civil, área de História do Direito pela Faculdade de Direito de São Paulo (Largo de São Francisco), é acadêmico perpétuo da Academia Paulista de Letras Jurídicas, titular da cadeira de nº 60. Patrono: Luiz Antonio da Gama e Silva

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