Fonte: Migalhas

O impacto da digitalização e das redes sociais intensifica o distanciamento humano, cria isolamento e desafia a solidariedade social.

A alienação não é um conceito novo.

Karl Marx a descreveu como um processo pelo qual os trabalhadores, em um sistema capitalista, são separados do produto de seu trabalho, do próprio ato de trabalhar, de sua própria natureza humana e de seus semelhantes.

Em sua essência, era a perda de controle sobre a vida e a dignidade.

Mas o que seria a alienação coletiva hoje?

A alienação na era digital

Se Marx se preocupava com a alienação na fábrica, hoje, nossa alienação coletiva está nas redes sociais, nos fluxos de informação e nas bolhas ideológicas.

Na verdade, somos alienados:

Da realidade: Imersos em uma realidade virtual, a fronteira entre o real e o simulado se desfaz. Consumimos notícias falsas, distorções e narrativas que, muitas vezes, não têm relação com a nossa vida.
Do outro: A conectividade superficial das redes sociais nos afasta do contato humano genuíno. Cultivamos amizades virtuais, mas nos tornamos ilhas, incapazes de empatia ou de uma escuta profunda. Vemos e assistimos o sofrimento do outro através de uma tela, o que o torna menos real, menos urgente.
De nós mesmos: Nossas identidades são moldadas por algoritmos, por aquilo que curtimos ou compartilhamos. Buscamos a validação de estranhos, e nossa autoestima passa a depender de "likes" e de visualizações. A vida se torna uma performance, e nos esquecemos de quem somos quando o palco virtual se apaga.
A gênese dos desprotegidos

E é nesse cenário de alienação coletiva que os desprotegidos emergem. Diferente dos marginalizados de outrora, que eram excluídos pela pobreza ou pela raça, os desprotegidos de hoje são vítimas de uma exclusão não somente cultural, mas também existencial.

Eles não são apenas os que vivem nas ruas ou os que não têm acesso à educação. Eles são igualmente os que, embora em tese tenham tudo, se sentem invisíveis, incompreendidos e, acima de tudo, alienados.

O idoso isolado: Mesmo cercado por sua família, ele é "esquecido" no universo digital. Ele não entende as novas dinâmicas sociais e se sente alienado, perdendo seu papel de transmissor de conhecimento.
O jovem perdido: Imerso na cultura de hiperconsumo, na busca incessante por uma identidade digital perfeita, ele se sente vazio e deprimido. Embora conectado, ele está mais sozinho do que nunca.
O trabalhador precarizado: No modelo do trabalho por aplicativo, ele é e se sente parte de uma engrenagem descartável. Não tem vínculos, não tem direitos, não tem a segurança de um coletivo que o ampare.
Sua dignidade parece estar corroída e sua força de trabalho, alienada.

A crise de empatia e a solidariedade em crise

A alienação coletiva nos rouba algo fundamental: a empatia.

Ou seja:

Ao nos tornarmos desapegados da realidade do outro, nos tornamos incapazes de nos indignar com sua dor.

A miséria, a injustiça e a violência se tornam meras imagens, estatísticas frias que passam por nossas telas em um piscar de olhos.

Sem empatia, a solidariedade se esvai.

A responsabilidade social é terceirizada ao Estado ou a ONGs.

Olvidamo-nos que a proteção do outro é um dever de todos.

Como ajudar?

A solução não está em abandonar a tecnologia, mas sim em usá-la com consciência crítica.

E para minimizar e eventualmente para reverter esse quadro de alienação e proteger os desprotegidos, precisamos:

Fomentar a reconexão humana: Promover o contato real, os encontros face a face. Resgatar o diálogo, a escuta, a presença.
Educar para a empatia: Nas escolas, nas famílias e nas comunidades, precisamos ensinar a nos colocar no lugar do outro, a ver além da tela.
Construir pontes: Criar comunidades que acolham os desprotegidos, que lhes deem voz e lhes devolvam a dignidade. O trabalho não é só do Estado, é de cada um de nós.
A alienação coletiva é uma doença social, e os desprotegidos são seus sintomas mais visíveis.

Porém, se formos capazes de nos reconectar, de exercitar a empatia e de agir em solidariedade, teremos a possibilidade de construir um mundo onde ninguém se sinta invisível.

Gilda Figueiredo Ferraz de Andrade
Migalheira desde abril/2020. Advogada, sócia fundadora do escritório Figueiredo Ferraz Advocacia. Graduação USP, Largo de São Francisco, em 1.981. Mestrado em Direito do Trabalho - USP. Conselheira da OAB/SP. Conselheira do IASP. Diretora da AATSP.