Kiyoshi Harada
Existem no sistema tributário nacional quatro impostos de natureza ordinatória.
O imposto de importação e o imposto de exportação que se destinam a regular o comércio exterior.
O imposto sobre produtos industrializados que tem por objetivo regular o setor industrial, mediante aumento ou diminuição das alíquotas para aquecer ou desaquecer este ou aquele setor da indústria, de conformidade com a política industrial do País.
Finalmente, existe o imposto sobre operações de crédito, câmbio, seguro e sobre títulos e valores mobiliados, conhecido pela sigla IOF que, na verdade, abriga quatro diferentes impostos.
Todos esses quatro impostos estão livres das amarras do princípio da legalidade por não serem impostos de natureza arrecadatória, mas impostos para regular as matérias de competência da União em determinadas conjunturas.
Podem ter suas alíquotas reduzidas ou aumentadas por Decretos do Executivo, a fim de possibilitar rápida resposta do governo ante acontecimentos no cenário nacional ou internacional que exijam imediata regulamentação da matéria afetada por esses fatos.
Essa faculdade concedida ao Executivo não é discricionária.
Na forma do § 1º do art. 153 da CF o II, o IE, o IPI e o IOF “atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei” podem ter suas alíquotas alteradas por ato do Executivo.
E a lei referida no texto constitucional é a Lei nº 8.894/1994 que em seu art. 2º prescreve:
“§ 2o O Poder Executivo, obedecidos os limites máximos fixados neste artigo, poderá alterar as alíquotas tendo em vista os objetivos das políticas monetária e fiscal.”
Cumpre assinalar, de início, que o seguro não foi objeto de regulamentação pela Lei nº 8.894/94, pelo que, em relação a ele não pode ser exercida a faculdade de elevar o IOF por Decreto.
O que a Lei nº 8.894/1994 exige é a motivação para aumentar ou diminuir as alíquotas dos quatro impostos citados, isto é, indicação expressa das razões que levaram a regulamentação de determinada matéria pela superveniência de fatores que exijam imediata regulamentação por via de impostos regulatórios.
Tradicionalmente o IOF tem sido usado para suprir déficits de caixa da União, desnaturando a natureza ordinatória do imposto, convolando-o em um imposto de caráter arrecadatório, o que configura desvio de finalidade caracterizador do ato de improbidade administrativa, conforme previsão do inciso I, do art. 11 da Lei nº 8.429/1992. Esse inciso legal foi revogado pela Lei nº 14.230/2021 que veio tutelar a improbidade administrativa, e não a probidade como consta de sua ementa.
Desses quatro impostos regulatórios, a União tem-se valido apenas do IOF para cobrir as despesas desmesuradas sem cobertura orçamentária, porque os demais impostos impactam o mercado internacional, onde atua a OMC para impor limites.
Examinemos o caso concreto.
O Decreto nº 12.467, de 23 de maio de 2025, alterou o Decreto nº 6.306 de 14-12-2007 para aumentar as alíquotas do IOF incidente sobre as operações de câmbio em 3,5% e 1,10%, respectivamente, para fechamento de câmbio para transferência de recursos ao exterior, com vistas à colocação de disponibilidade de residente no País e fechamento de câmbio para transferência de recursos ao exterior com o fato de colocação de disponibilidade de residente no País, com a finalidade de investimento.
É claro que essas alíquotas foram fixadas mediante exame meticuloso de dados pelo Ministério da Fazenda para propiciar a arrecadação no exato montante necessário para suprir, mensalmente, o déficit de caixa da União.
O Decreto apenas citou como fundamento a Lei nº 8.894/1994, sem explicitar a razão do aumento do IOF, como exige a lei.
Não há sequer exposição de motivos numa clara confissão de utilização do IOF com caráter arrecadatório, tanto é que o Banco Central, responsável pelas políticas monetária e cambial, sequer foi consultado sendo pego de surpresa.
O Ministro da Fazenda agiu como se fosse um rei, na certeza de que o desvio de finalidade do imposto regulatório não mais caracteriza ato de improbidade administrativa.
Mas, cometer desvio de finalidade convolando um imposto regulatório em um imposto de natureza arrecadatória, sem respaldo do Poder Legislativo, certamente, não configura um ato de probidade administrativa, mas o contrário.
No caso, pergunta-se, o que o malsinado Decreto está regulando? O que aconteceu repentinamente no cenário nacional ou internacional que tornasse necessária a pronta intervenção do Estado por via do IOF?
Ora, o fechamento de câmbios para transferência de recursos ao exterior sempre existiram com regularidade desde 2008, quando ocorreu o aumento do IOF por Decretos nºs 6.339/08 e 6.345/08.
Na época foram ajuizadas as ADIs nºs 4002 e 4004 que restaram prejudicadas devido à morosidade do STF. Em ambas as ações o Ministro Redator aplicou o art. 12 de Lei de regência da matéria, deixando de apreciar o pedido liminar acarretando perda de objeto com o retorno das alíquotas ao patamar original.
O indigitado Decreto de n 12.467/2025, com toda certeza, extrapolou dos limites da delegação legislativa conferida pela Lei n 8.894/1994, autorizando o Congresso Nacional sustar, por meio de Resolução, o ato usurpador de sua competência, nos estritos termos do art. 49, V da CF:
“V – sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbite do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa”
Esse questionado Decreto violou, sem sombra de dúvida, o principio da legalidade tributária (art. 150, I da CF).
Na omissão do Congresso Nacional, as pessoas legitimadas a propor ação de controle concentrado poderão ajuizar contra o Decreto nº 12.467/2025 e a União a competente ADPF que atua no presente, passado e futuro ficando à salvo da eventual perda de objeto pelo retorno as alíquotas do IOF àquelas originalmente fixadas.
* Texto publicado no Migalhas, edição de n 6.110, de 30-5-2025.