Fonte: Estadão – Opinião – 07/06/2025

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Cabe a todos os cidadãos responsáveis educar para a ética, em especial as novas gerações, e difundir esse conceito como contribuição para a edificação de uma sólida ponte de acesso a um futuro mais feliz

Acompanhei os trabalhos de elaboração da Constituição brasileira de 1988, integrando as Comissões Legislativas da Confederação Nacional da Indústria e da Federação e Centro das Indústrias do Estado de São Paulo.

Estive presente nas reuniões das Comissões da Constituinte e da sessão solene de sua promulgação, presidida pelo saudoso deputado Ulisses Guimarães, que no dia da promulgação afirmou: “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a Constituição da República Federativa do Brasil.”

No título I, dedicado aos Princípios Fundamentais, a Constituição brasileira estabelece que a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I – a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V - o pluralismo político.

A Constituição enfatiza que todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente.

O Papa Bento XVI, na Encíclica Caridade na Verdade, alerta para os riscos da confusão entre fins e meios. Essa preocupação não é recente. O Papa Paulo VI, numa Encíclica anterior, a Populorum Progressio lançada na Páscoa de 1967, propunha ações estratégicas e alertava que “as excessivas disparidades econômicas, sociais e culturais provocam, entre os povos, tensões e discórdias e põem em perigo a paz”.

Neste início de século, a escalada de conflitos entre países, etnias, comunidades religiosas, e setores da mesma sociedade encontra um fértil alimento na pobreza e nas desigualdades de todos os tipos. Para Paulo VI, a paz não deve se reduzir à ausência de guerra, mas constrói-se, dia a dia, na busca da justiça.

Bento XVI identifica o risco de a paz ser considerada um mero fruto de acordos entre governos. A isso, faz eco Paulo VI, que considerava os povos os autores e primeiros responsáveis pelo próprio desenvolvimento, num esforço que envolve, além dos governos, as famílias bem-estruturadas e instituições como as Academias, responsáveis pela tarefa educativa voltada à formação integral das pessoas.

As palavras dos pontífices levam à reflexão que o desenvolvimento econômico e social ficaria comprometido sem o respeito à verdadeira escala de valores ditada pela ética, cuja prática resulta na desejável união do progresso técnico e econômico.

Em síntese, desenvolvimento é o novo nome da palavra paz.

A ética deve ser parte da cultura das empresas e instituições, além de estar presente nos princípios da governança institucional.

É fundamental que as instituições promovam com clareza uma cultura de responsabilidade, além de mecanismos de controle e transparência nos processos e na tomada de decisões.

A governança corporativa tornou-se um pilar para garantir que as pessoas físicas e jurídicas operem de forma ética e transparente. Daí a necessidade de programas ESG (ambiental, social e governança). No âmbito do ESG, podem existir desde ações para preservar o meio ambiente, como priorizar o uso de energia limpa ou preservar a biodiversidade, passando por iniciativas internas de diversidade e inclusão, até a criação de canais de denúncia em casos de discriminação e assédio. Investir na ética e na motivação de seus profissionais é estratégia fundamental para garantir sustentabilidade.

O transcurso da morte do saudoso governador Mário Covas me fez lembrar o diálogo entre dois personagens do dramaturgo alemão Bertold Brecht (1898-1956) na peça de Galileu. Um deles afirma enfaticamente: “Infeliz do país que não tem heróis”; o outro rebate: “Não, amigo, infeliz do país que precisa de heróis”. Os intermitentes casos de corrupção nos cinco séculos de história e os problemas que se verificam no cotidiano nacional demonstram que o Brasil- apesar de todos os esforços e avanços hoje verificados na ética e na valorização da cidadania - lamentavelmente ainda se enquadra no segundo caso.

A grande lição de Covas ganha relevância numa era em que a sociedade valoriza a sustentabilidade econômica e social como pilar central da construção do desenvolvimento.

Cabe a todos os cidadãos responsáveis educar para a ética, em especial as novas gerações, e difundir esse conceito como contribuição para a edificação de uma sólida ponte de acesso a um futuro mais feliz.

A Constituição de 1988 deixa clara a definição e a adoção do Estado Democrático de Direito!!!

Opinião por Ruy Martins Altenfelder Silva

Advogado, membro emérito das Academias Cristã de Letras e Paulista de Letras Jurídicas