Crédito: Jornal SP Norte -
Vivemos um período de confusão de poderes ao invés de separação funcional dos mesmos. É certo que a nossa Lei Magna diz no artigo 1º, parágrafo único: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. No artigo 2º, expressa: “São poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Apesar da determinação funcional para o primeiro legislar, o segundo executar as normas e o terceiro julgar o que é também executar ao aplicar as leis nos casos, que lhe são levados, existem na Lei Suprema, várias permissões para um poder exercer, excepcionalmente, funções de outros poderes. São autorizações previstas no Texto Maior, por isso não se trata da invasão de um poder em funções que não são suas. O respeito à separação dos poderes impõe-se como limitação no exercício das funções do poder, para não ficarem centralizadas e concentradas nas mãos de um só, contra o poder absoluto, conforme esboçado por John Locke no “Segundo Tratado do Governo Civil” e sacramentado por Montesquieu no “O Espírito das Leis”. Mas já dizia o sábio francês: “Serei mais lido do que compreendido”. Parece que profetizou o que vem ocorrendo no Brasil hodiernamente.
A Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988, completará 30 anos. Permite a interpenetração dos Poderes, nas suas funções, em casos determinados. Poderemos exemplificar com as medidas provisórias, decretos autônomos, pelos quais, o executivo pratica atos do legislativo, o contencioso administrativo é o executivo julgando. Por outro lado o decreto legislativo dispensa o veto do executivo, o legislativo julga como no caso do impeachment, o judiciário pratica atos da administração e legisla nos casos de integração do direito para preencher lacunas, omissões no julgamento ou pela iniciativa de projetos. Entretanto, acima do aceitável, encontramos abusos contra a visão teleológica de cada uma das instituições constituintes do Poder e todas como um todo.
Apenas para exemplificar, citamos alguns casos recentes de invasão de um poder em funções de outros. O artigo 84 da Lei Máxima diz: “Compete privativamente ao Presidente da República: I- nomear e exonerar os Ministros de Estado”. Por ser competência privativa e não exclusiva, poderá delegar, mas não o fazendo é sua. Apesar do texto expresso houve interferência do judiciário em caso de nomeação para o Ministério do Trabalho. Em consonância com inciso VI, do artigo citado, é da competência privativa do Presidente da República, “dispor, mediante decreto, sobre: a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos”...Verificamos uma incomensurável amplitude. Por exemplo, o chamado “decreto dos portos” envolve uma quantidade enorme de empresas interessadas, com capacidade técnica e financeira, exige vultosos investimentos materiais e humanos, conhecimentos específicos, retorno para os empreendedores e tempo para realizá-los. As dimensões ocupadas, os recursos aplicados, os serviços complexos exigidos poderão ser distintos e realizáveis em tempos, períodos maiores ou menores a serem apurados. Evidentemente o Poder Executivo tem as equipes especializadas para os estudos e as análises necessárias, para licitação e concessão, considerando individualmente, estabelecendo uma igualdade proporcional e oferecendo um tratamento impessoal, como manda o artigo 37, da Constituição Federal. Não está preparado o Poder Judiciário, tecnicamente, para contrariar as legislações estabelecidas, constitucional e infraconstitucional, por um Poder Constituinte e posteriormente ordinário, composto de 513 deputados e 81 senadores, que certamente errarão menos do que 11 Ministros do Supremo Tribunal Federal. Mais um exemplo é o indulto, cuja competência privativa do Presidente da República, está estabelecida pelo inciso XII, do artigo 84, nos seguintes termos: “conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei”. Portanto, é o executivo que possui os órgãos capacitados para análise e concessão, bem como a infraestrutura para uma política prisional.
Finalmente, como disse Montesquieu um poder não poderá estar ligado a outro, sob pena de opressão e de arbítrio, contrário aos objetivos de limitação do poder contra o absolutismo, mas tem razão quando profetizou que seria mais lido do que compreendido.