Fonte: Estadão – Espaço aberto – 23/12/2022 – Ruy Altenfelder e Claudia Buzzette Calais
As atenções do mundo no final deste ano estiveram voltadas para o Egito, onde ocorreu a 27.ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, a COP-27. Diante do impacto já perceptível das mudanças climáticas, lideranças de todo o mundo se reuniram para um balanço dos resultados das atuais políticas ambientais e, principalmente, para debater as metas das próximas décadas, essenciais para o presente e o futuro do planeta Terra.
A agropecuária teve lugar de destaque nessa discussão. O desafio de conciliar a segurança alimentar do planeta com uma lavoura que não contribua para a devastação florestal, a emissão de gases do efeito estufa, o consumo excessivo de água ou a degradação dos solos é algo que certamente continuará instigando pesquisadores, produtores e gestores públicos. A sobrevivência do planeta e de seus 8 bilhões de habitantes – marca atingida no mês de novembro passado – depende, em parte, da solução que daremos a essas questões.
Diante disso, há a certeza de que a ciência é nossa maior aliada. A inovação tecnológica aplicada à lavoura, da digitalização dos sistemas de monitoramento à implementação de novos métodos de plantio, torna-se cada vez mais crucial para a consolidação de um agronegócio sustentável. E essa é uma área em que a ciência brasileira tem protagonismo global.
Os estudos em saúde do solo ilustram bem isso. Pesquisadores brasileiros desenvolveram métodos pioneiros de medição e monitoramento da erosão do solo nas lavouras por meio de drones. Tradicionalmente, essa análise era feita apenas por amostragem, ou seja, uma porção do terreno era cercada para que se pudesse medir o quanto de solo é perdido para as intempéries climáticas. Já o monitoramento por drones opera por fotogrametria, com milhões de imagens combinadas para formar um modelo em 3D de determinada área. Com isso, o monitoramento se torna muito mais preciso.
Há, também, experimentos com sensores mais sofisticados acoplados aos drones, o que permitirá monitorar lavouras de copa densa (nas quais não se pode fotografar o solo por vista aérea), medir níveis de irrigação e adubação ou, ainda, coletar amostras sem a necessidade de expor uma equipe. O cruzamento de todos esses dados, por meio da inteligência artificial, tem proporcionado aos produtores maior previsibilidade em previsões meteorológicas e, consequentemente, na produção agrícola.
Mais amplamente, estamos reaprendendo quais são as potencialidades do solo, deixando de entendê-lo somente como o suporte da lavoura, mas sim como um sistema complexo que pode beneficiar muito o planeta, inclusive na redução do efeito estufa.
Pesquisas mais recentes mostram que o solo captura três vezes mais carbono do que a vegetação que está acima dele, o que costuma ser mais eficiente e duradouro do que, por exemplo, a de área reflorestada. O manejo adequado do solo pode revolucionar o modo como encaramos as políticas de compensação ambiental, além de colocar nosso país em posição de destaque no novíssimo mercado de créditos de carbono.
Há vários cientistas brasileiros debruçados sobre essa questão, promovendo avanços em áreas que vão dos sistemas integrados de produção agrícola – isto é, a combinação harmônica de lavoura, pecuária e vegetação nativa numa mesma propriedade – à criação de técnicas mais eficientes de irrigação, passando pelo uso de microrganismos como substitutos aos tradicionais fertilizantes químicos. A microbiologia brasileira vem demonstrando que é possível substituir esses insumos por bactérias que realizam a fixação biológica de nutrientes no solo, inclusive de maneira mais eficiente, diminuindo a dependência brasileira das importações de materiais que não produzimos internamente em quantidade suficiente.
A lista de realizações da ciência brasileira poderia continuar. O mais importante, porém, é destacar a importância do investimento em pesquisa, no fortalecimento de nossas universidades e centros de pesquisa, na garantia da estrutura técnica e financeira para que nossas melhores cabeças possam continuar encontrando soluções inovadoras para os grandes dilemas ambientais do nosso tempo, além de receberem o merecido reconhecimento, como faz o Prêmio Fundação Bunge, que chegou este ano à sua 66.ª edição, premiando Mariângela Hungria e Maurício Roberto Cherubin, em Agricultura Regenerativa e Crédito de Carbono, e Carlos Alexandre Crusciol e Bernardo Cândido, em Inteligência Artificial e Uso das Águas e do Solo. São pesquisadores nacionais que mostram, por meio de suas obras e seus estudos, que é possível produzir mais e melhor no Brasil com ciência, respeito ambiental e inclusão social.
Que a COP-27 sirva, aqui, no Brasil, como um lembrete de que o futuro da agricultura brasileira depende desta aposta firme no poder transformador da ciência.
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Ruy Altenfelder: Advogado, Presidente da Academia Paulista de Letras Jurídicas e Curador dos prêmios da Fundação Bungue.
Claudia Buzzette Calais: Diretora-executiva da Fundação Bungue.