Fonte: Jornal SP Norte - 4/3/2024
Estamos vivendo um momento de contradições entre ideias, ideologias e posições políticas. Utilizam-se vocabulários sem atenção semântica ao significado terminológico. Não sabemos qual o sentido que é dado às expressões do pensamento. Fala-se em democracia, mas à qual se refere: liberal, neoliberal, direta, indireta, marxista, social democrática, providencialista, a exposta, constitucionalmente positivada ou a pretendida subjetivamente e qual a obrigatória?
Conceitos: Devemos partir dos conceitos para termos consciência do que se pretende expor e do que devemos respeitar, como um direito imposto a todos.
Golpe – Estado Democrático de Direito: São expressões do cotidiano e cada parte oposta utiliza-se, das mesmas para atacar e defender-se. Partindo-se do conceito, o que é golpe? “Consiste no derrube ilegal de um governo constitucionalmente legítimo por uma facção política, militares ou um ditador “. Merece a análise se o derrube é ilegal; se os pretendentes possuem os meios e instrumentos para o êxito, ou se o crime é impossível; se houve a tentativa antidemocrática ou apenas um movimento pacífico; se o governo constitucionalmente legítimo e legal permanece ou se ocorreu desvio, etc. Da mesma maneira quanto ao Estado democrático de direito. Conceituar o Estado como uma “ordem jurídica soberana, que tem por fim o bem comum de um povo, situado em determinado território” e analisar todos os seus elementos. Da mesma forma a exegese da democracia posta como governo do povo, pelo povo para o povo, com o máximo de participação do soberano e o mínimo de censura em qualquer forma de restrições de direitos, em obediência ao princípio da isonomia. Não poderemos olvidar o que é o “direito, vinculação bilateral atributiva da conduta para a realização ordenada dos valores de convivência” e o direito constitucional “conjunto de regras concernentes à forma do Estado, a forma do governo, ao modo de aquisição e exercício do poder, ao estabelecimento de seus órgãos, aos limites de sua ação” (separação de poderes, federação, direitos fundamentais). São normas limites impostas a todos, inclusive ao Estado. Assim, estaremos vivendo no Estado Democrático de Direito.
O Mesmo critério deveremos adotar com a tortura, o terror, o medo, a ditadura, a tirania, o despotismo, o autoritarismo, o totalitarismo, o nazismo, o fascismo, o genocídio, o crime contra a humanidade, a liberdade e a censura. Saberemos, então, do que se está falando e se corretamente.
Todavia, lado outro, encontramos a insatisfação, o desvio, o direito de resistência, a desobediência civil, o contragolpe, o direito de mudar, previstos na doutrina, na lei infraconstitucional, na Constituição e na jurisprudência de vários países; RAWLS¹ (1971) define a desobediência civil como um ato público, não violento, consciencioso, político contrário à lei, usualmente com o alvo de trazer mudança no direito ou nas políticas de governo. Adverte, ainda, que aqueles que utilizam a desobediência civil para prestar contra leis injustas não estão preparados para desistir em caso de os tribunais não concordarem com eles, entretanto devem se satisfazer com a decisão oposta. A desobediência civil não se confunde com a ação militante. O militante é muito mais profundamente oposto à existência do sistema político. Sua ação não se prende aos limites de fidelidade ao direito, como a desobediência civil. BOBBIO², No “El Tercero Ausente”, afirma que o poder que pretende ser legítimo estimula a obediência e desalenta a desobediência. Há uma forma especial de desobediência adotada para manifestar, publicamente, a injustiça da Lei, com a finalidade imediata de induzir o legislador a modifica-la ou trocá-la; são necessárias justificações, por quem a pratica, para considera-la lícita, conveniente e seja tolerada pelas autoridades públicas.
Ao contrário da desobediência comum, cumprida com o máximo segredo, esta é civil e deve receber o máximo de publicidade. As circunstâncias para a desobediência civil são: lei injusta, ilegítima (promulgada por quem não tem poder para tanto); não válida (inconstitucional). Citando Thoreau e referindo-se ao risco de prisão de quem pratica o justo; “sob um governo que encarcera injustamente, a quem interessa cárcere é o único lugar adequado para um homem justo”. ANDRADE ESTEVES³. Lançou em Portugal o seu trabalho “A Constitucionalização do Direito de Resistência” e trata da matéria nas páginas 93 e seguintes. AUER4 afirma que questão polêmica é a de se interpretar o direito de resistência e a desobediência civil, como controle de constitucionalidade. Se podem ser utilizados como instrumentos contra atos estatais que violentam gravemente ou suprimem os direitos e as liberdades constitucionais, ou se devem ser exercidos apenas através dos mecanismos examinados previstos e nos seus limites; Lei Fundamental da República Federal Da Alemanha5 , em seu artigo 20, (1), (2), (3), (4) dispõe: “Artigo 20 (Princípios constitucionais – Direito de resistência), (1) A República Federal da Alemanha é um Estado Federal democrático e social, (2) Todo o poder estatal dimana do povo. É exercido pelo povo por meio de eleições e votações e através de órgãos especiais dos poderes legislativo, executivo e judiciário. (3) O poder legislativo está vinculado à ordem constitucional; os poderes executivo e judiciário obedecem à lei e ao direito. (4) Não havendo outra alternativa, todos os alemães têm o direito de resistir contra quem tentar subverter essa ordem”; o estado de defesa do artigo 136 e a garantia da lei e da ordem do artigo 142 de nossa Lei Maior – o primeiro em seu artigo 136, §3º, inciso IV, veda a incomunicabilidade do preso.
O DIREITO DE REVOLUÇÃO ocorre quando uma Constituição perde a eficácia e cria as condições para o estabelecimento de uma nova. É um ato revolucionário, porque substitui a Lei Maior por meios que ela não prevê, chamado veículo do Poder Constituinte. Surge o direito de revolução a favor do povo, como “última ratio”, quando inexiste outra alternativa da mesma forma que o direito de resistência e a aplicação da Lei Fundamental da Alemanha, artigo 20.4 e do artigo 142 da CRFB. Trata-se de revolução jurídica, pacífica, para evitar o emprego da força bruta.
É com essa interpretação gramatical, histórica, lógico – sistemática e teleológica, com o espírito desarmado, com vontade política, compreensão, renúncia e colaboração na busca da convergência, em paz, que encontraremos a caminho, a verdade e a vida, desejados pelo indivíduo, pela sociedade e o que é melhor para o Estado.
¹RAWLS, John. A Theory of Justice. Massachusetts: Harvard University Press, 1971.
²BOBBIO, Norberto. El Tercero Ausente, pp 116 e ss.
³ANDRADE ESTEVES, Maria da Assunção.A constitucionalização do Direito de Resistência, pp. 93 e ss.
4 AUER,Andreas. Les protections et les garanties constitutionnelles des droits et des libertés. Rapport General, Deuxième Congrès mondial. Association Internationale de Droit Constitutionnel. Paris – Aix em Provence, 1987, p. 13.
5 Lei Fundamental da República Federal da Alemanha, de 23 de maio de 1949, artigo 20; 1,2,3,4