Versando sobre o direito a silêncio o prestigioso Migalhas em sua edição nº 5.618, do dia 7-6-2023, trouxe três textos referentes a julgados do TJSP, do STJ e de instrução criminal conduzida por uma juíza de primeiro grau, como veremos mais adiante.

É costume dizer que o Direito comporta interpretações variadas.

Desde que razoavelmente fundamentadas em normas jurídicas todas as posições, em principio, são aceitáveis.

O que não pode, embora isso ocorra com relativa frequência, é a invocação de razões políticas ou filosóficas para decidir um caso concreto colocado à apreciação judicial.

É bom que se diga, o principio da independência do juiz e do livre convencimento do magistrado não é ilimitado.

O juiz não pode decidir contra texto expresso de lei a pretexto de exercitar o seu livre convencimento para propiciar a justiça. O juiz não pode substituir o critério de justiça adotado pelo legislador por seu critério de justiça, ainda que melhor do que o do legislador.

O juiz é escravo fiel da lei elaborada por outro Poder independente, tanto quanto o Poder Judiciário que aplica a lei em cada caso concreto.

Infelizmente textos cristalinos de lei vêm sendo ignorados pelos juízes de diferentes graus de jurisdição como demonstram a matérias publicadas no Migalhas.

Em passado não muito remoto o Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo reformou a escorreita decisão monocrática que absolvia o acusado de traficar drogas, porque a alegada confissão trazida aos autos pelos policiais não restou confirmada em juízo.

Entretanto, para o E. TJSP o silêncio do acusado deixando de confirmar a confissão que teria feito durante a abordagem policial caracterizou uma estratégia para evitar a condenação. Dito isso reformou a decisão de primeira instância condenando o acusado.

Em sede de recurso especial essa decisão ilegal foi reformada pela 6ª Turma do STJ que repeliu a utilização do silêncio para incriminar o acusado e ao mesmo tempo condenou a sobrevalorização do testemunho dos policiais que afirmaram que o réu havia confessado o crime ( Resp nº 2.037.491).

Vejamos o que diz o art. 186 do CPP:

Art. 186.- Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas. (Redação dada pela Lei nº 10.792, de 1º.12.2003)

Parágrafo único - O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa. (Incluído pela Lei nº 10.792, de 1º.12.2003)

 

A lapidar clareza do texto legal dispensa maiores comentários.

Há um velho provérbio que diz: in claris cessat interpretatio. É o caso!

Ao contrário do que decidiu o E. TJSP o silêncio do réu não importa em confissão, nem poderá ser interpretado em prejuízo da defesa.

Mas, para alguns magistrados o texto não seria tão claro assim.

Outro caso ilustrado pelo Migalhas diz respeito a uma juíza que durante a instrução criminal não se conformou com a fala de advogado de defesa no sentido de que o acusado só iria responder às perguntas da defesa.

Ponderou a magistrada que não existe direito a silêncio parcial: ou responde a todas as perguntas do juízo e do Ministério Público, ou deixa de responder, também, as perguntas da defesa. Assim, o silêncio já não seria um direito do acusado à medida que impõe condições para o seu exercício.

Ante a insistência do defensor sustentando que o STJ admite o silêncio parcial, a ínclita magistrada se exaltou e aos gritos encerrou a audiência on linve.

Ao invés de gritar a ínclita juíza deveria ter lido o art. 186 do CPP redigido com solar clareza.

Fosse uma divergência em torno de uma questão tributária, cuja legislação muda a cada dia, graças ao instrumento normativo denominado Medidas Provisórias, ou em função de atos normativos complementares (Portaria, Instrução Normativa, Ato Declaratório Interpretativo etc.) seria até compreensível.

O que não se pode admitir é ignorar uma norma processual inserida no Código de Processo Penal, Lei nº 3.689 que data de 3 de outubro de 1941 com raríssimas alterações posteriores.

 

SP, 12-6-2023.