Fonte: O Estado de S.Paulo - 23/08/2022
Não se pode excluir que exista um vetor comum no qual confluem postulados da democracia e do Estado de Direito.
A inovação da Constituição de 1988, como salientado pelo saudoso Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia constituinte, foi dividir competências para vencer dificuldades contra a ingovernabilidade concentrada em um, possibilitando a governabilidade de muitos.
São Poderes da União, independentes entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
O professor José Horácio Meirelles Teixeira, meu mestre na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, ensinava que no campo legislativo deve ser observada a sua hierarquia, prevalecendo sempre no topo as normas da Constituição.
No tocante aos princípios constitucionais referidos no artigo 37, deve sempre ser observado que a administração pública direta e indireta obedecerá aos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade e da publicidade, e, também, os relacionados no referido artigo da Constituição e seus 50 incisos.
No Título IV – Da Organização dos Poderes, a Constituição federal de 1988 menciona, no artigo 44, que o Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.
O parágrafo primeiro do artigo 45 deve ser reavaliado, pois a proporcionalidade ali referida ofende o princípio constitucional da proporção.
O processo legislativo compreende a elaboração de emendas constitucionais, de leis complementares, de leis ordinárias, de leis delegadas, de medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções.
No tocante às emendas, a Constituição as disciplina no artigo 60.
Cabe crítica aos constituintes de 1988 que aprovaram e incluíram na Constituição as chamadas cláusulas pétreas, que engessam pontos relevantes e que, a meu ver, podem ser discutidas e eliminadas.
A Constituição, no seu primeiro artigo, estabeleceu que a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados, dos municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e, como tal, não se justifica a inclusão das chamadas cláusulas pétreas.
O Poder Executivo é exercido pelo presidente da República. O artigo 84, ao elencar os seus poderes, incluiu competência para a concessão de indulto e comutar penas. A meu ver, cabe uma restrição: desde que não tenha sido condenado por atos que ofendam o Estado Democrático de Direito.
O Capítulo III, Título IV da Constituição federal dedicou-se ao Poder Judiciário e seus órgãos. Discordo do poder que os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) têm de proferir decisões monocráticas, sem prazo para duração dos seus efeitos.
No que se refere aos Princípios Gerais da Atividade Econômica, a Constituição estabeleceu que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna conforme os ditames da justiça social, observados os princípios referidos em seu artigo 170, quais sejam: soberania nacional, propriedade privada, função social da propriedade, livre concorrência, defesa do consumidor, defesa do meio ambiente, redução das desigualdades regionais e sociais, busca do pleno emprego e tratamento favorecido para empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte.
O jurista Márlon Reis, no prefácio do livro Estado de Direito e Democracia, de autoria do jurista alemão Ernst-Wolfgang Böckenförde, menciona ser razoável compreender que a Constituição acolhe o princípio democrático, especialmente quando se considera a sua edição após a derrocada do regime de exceção iniciado em 1964. Buscou a nova ordem constitucional equilibrar a vontade da maioria com o respeito às minorias.
Böckenförde, no capítulo referente aos traços diferenciais da democracia e do Estado de Direito, nos ensina que: a democracia responde à pergunta de quem é o portador e o titular do poder que exerce o domínio estatal, não à de qual é o seu conteúdo; e, portanto, refere-se à formação, legitimação e controle dos órgãos que exercem o poder organizado do Estado e que levam a cabo as tarefas encomendadas a ele. É, assim, um princípio configurador do caráter organizacional e formal. O Estado de Direito, ao contrário, responde à questão do conteúdo, do âmbito e do modo de proceder da atividade estatal. Tende à limitação e à vinculação do poder do Estado, com o fim de garantir a liberdade individual e social – particularmente mediante o reconhecimento dos direitos fundamentais, a legalidade da Administração e a proteção jurídica por meio de tribunais independentes –, e, nessa medida, é um princípio configurador da natureza material e procedimental. Mas apenas da conexão entre ambos os princípios surge o Estado de Direito Democrático previsto pela Constituição. Em consequência, não se pode excluir que exista um vetor comum no qual confluem postulados da democracia e do Estado de Direito, e em virtude do qual ambos se encontram associados; daí que entre democracia e Estado de Direito exista uma afinidade (limitada).
Ruy Altenfelder é advogado e Presidente da Academia Paulista de Letras Jurídicas (APLJ)