Fonte: Estadão - Fausto Macedo - 13/10/2022
Uma relação paralela a um casamento é adultério e não gera efeitos familiares. Isto parece óbvio. No entanto, movimento em prol da poligamia e da atribuição de direitos ao cúmplice do adultério acabou por produzir a falsa ideia de que haveria espaço no Brasil para as relações chamadas de paralelas. Um amante deveria ter os mesmos direitos da pessoa casada, na comunhão de bens, na herança e na pensão previdenciária.
O Supremo Tribunal Federal (STF) bem reagiu com a fixação de duas Teses de Repercussão Geral em razão das normas constitucionais e dos anseios da sociedade sobre a preservação da monogamia.
A primeira teve origem no Recurso Extraordinário (RE) 1.045.273/SE (Tema 529). O STF fixou a seguinte Tese de Repercussão Geral: “A preexistência de casamento ou de união estável de um dos conviventes, ressalvada a exceção do artigo 1723, § 1º, do Código Civil, impede o reconhecimento de novo vínculo referente ao mesmo período, inclusive para fins previdenciários, em virtude da consagração do dever de fidelidade e da monogamia pelo ordenamento jurídico-constitucional brasileiro”.
A tese deixa expresso que inclusive para efeitos previdenciários, ou seja, para todos os efeitos, sejam familiares, sucessórios e demais oriundos de uma relação de família, a existência de casamento ou de união estável impede o reconhecimento de outro vínculo familiar no mesmo período. A única exceção para quem vive uma relação com outra pessoa casada é aquela do art. 1723, § 1º do Código Civil, que exige a inexistência de comunhão de vidas no casamento.
A segunda originou-se do RE 883.168/SC (Tema 526). Foi fixada a seguinte Tese de Repercussão Geral pelo STF: “É incompatível com a Constituição Federal o reconhecimento de direitos previdenciários (pensão por morte) à pessoa que manteve, durante longo período e com aparência familiar, união com outra casada, porquanto o concubinato não se equipara, para fins de proteção estatal, às uniões afetivas resultantes do casamento e da união estável”. Nesta tese foi observado que até mesmo a relação de longa duração paralela a um casamento não gera efeitos familiares, sucessórios e previdenciários.
Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou um caso em que uma mulher conviveu durante três anos com um homem solteiro, sendo que mantiveram o relacionamento por mais 25 anos após o casamento dele (Recurso Especial n. 1.916.031/MG). Aquela mulher pleiteava partilha de bens em “triação”, como se tivesse mantido uma união estável durante os 28 anos de relacionamento, ou seja, a divisão em três partes: uma para ela, outra para o homem casado e outra para a respectiva esposa.
Foi decidido pelo STJ que uma relação paralela, mesmo que tenha longa duração e tenha se iniciado antes do casamento, não dá direito àquela divisão de bens, porque não existe “triação” no direito de família. Quem mantém esse tipo de relação chama-se concubino, como estabelece o art. 1.727 do Código Civil, e não tem direito, por presunção de esforço comum, a uma parte dos bens adquiridos durante o casamento de seu amante.
Não poderia ser outra a decisão tomada pelo STJ, ainda mais em face de duas Teses de Repercussão Geral firmadas pelo STF, em que a Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS), como amicus curiae, demonstrou a impossibilidade de reconhecimento de direitos previdenciários, familiares e sucessórios ao concubinato.
Se situações como aquela retratada no processo julgado pelo STJ não fossem freadas pelo Direito estaria escancarado o portão da poligamia. A monogamia é o princípio que estrutura todos os efeitos de Direito de Família, Sucessórios e Previdenciários. Se assim não fosse haveria total desmantelamento das regras que organizam o núcleo essencial da sociedade e seria dada proteção a um ato ilícito, que é o adultério, autorizando-se a bigamia.
*Regina Beatriz Tavares da Silva é doutora em Direito pela USP. Presidente da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS). Sócia-fundadora de Regina Beatriz Tavares da Silva Sociedade de Advogados