Fonte: ADFAS  abr 29, 2021

Regina Beatriz Tavares da Silva, Presidente da ADFAS é entrevistada por R7 sobre guarda e visitas na pandemiaRegina Beatriz Tavares da Silva 1 39 c02d7

A pandemia trouxe mais um problema para as mulheres já sobrecarregadas com trabalho, casa e os cuidados com as crianças: o risco de contaminação pelo novo coronavírus nos encontros entre os filhos e os pais que desrespeitam os protocolos sanitários de prevenção contra a covid-19, como uso de máscara, distanciamento social e saídas apenas para serviços essenciais.

Previstos em lei após a separação dos pais e definição da guarda das crianças, os encontros devem ocorrer, mas, com a quarentena, foram parar na justiça. As mães temem que os filhos se contaminem diante da irresponsabilidade de pais que continuam indo a festas, eventos, não usam máscaras, apesar de todas as restrições para barrar o avanço da covid-19.

Fátima* é mãe de um menino de 8 anos e tem problemas com o ex desde que começou a quarentena. “Ele é um negacionista, não acredita na vacina, nos protocolos de segurança, leva meu filho para casa de terceiros e voltava dirigindo bêbado. Expunha a criança ao coronavírus, mas também a situações de perigo que vão além da pandemia”, diz.

Ela afirma que pedia para o pai da criança cumprir o isolamento, tomar os cuidados, ainda mais com os casos de covid-19 que teve na família, mas ele a chamava de medrosa e dizia estar aproveitando a cidade como antes. Por diversas vezes, viu o filho se sentir envergonhado pelas atitudes do pai e, em todas, ela fez denúncias.

Em um dos encontros, o pai foi buscar o filho já com outras pessoas no carro, que não eram da família e estavam sem máscaras de proteção. A criança também relatava que o pai via amigos, frequentava eventos e que precisava pedir a ele para usar a máscara. Durante todo o período, Fátima reuniu provas, fotos e prints das situações vivenciadas.

“Depois de quase um ano de denúncias, elas chegaram à promotoria por meio do Gevid [Grupo de Atuação Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica]. Recebemos uma intimação para prestar depoimento e pediram que eu registrasse boletim de ocorrência na Delegacia da Mulher. No dia seguinte, foi concedida uma medida protetiva para mim, por causa das agressões verbais em mensagens, e a juíza suspendeu as visitas do meu filho temporariamente”, conta.

Desde o dia 14, os encontros estão proibidos. A mãe revela que o filho entendeu a situação e sabe que a medida é uma forma de proteção contra o vírus, já que a criança é asmática e mora com a avó, também do grupo de risco para covid-19.

De acordo com a advogada Regina Beatriz Tavares da Silva, que é presidente da ADFAS (Associação de Direito de Família e das Sucessões), em casos como este durante a pandemia, é preciso reunir provas e buscar um advogado.

“O interesse do filho deve prevalecer sempre. Se existe perigo de contágio, tem que suspender as visitas presenciais no período, pela preservação da saúde do filho, da mãe e dos parentes. É um crime ir a festas em pandemia, o que indica que ele não está apto a cuidar da criança e nem a ter a guarda compartilhada”, explica.

Judicialização

A busca por soluções judiciais cresceu muito na pandemia. “Se tínhamos uma consulta por semana sobre problemas de guarda e visita antes da pandemia, hoje são quatro ou cinco por semana. Aumentou demais este tipo de ação, é impressionante”, ressalta a presidente da ADFAS.

Rose* tem 34 anos, duas filhas e mora na capital paulista. Ela enfrenta problemas com o pai da mais nova, de 4 anos. Isto porque ele mora com a irmã, que tem frequentado baladas, mesmo que o pai dela já tenha ficado internado com covid-19. O ex tenta conseguir a guarda da filha e, para isso, costuma acusar a mãe da criança de maus-tratos.

“Fui responder no Juizado de Menores e fui aconselhada a reunir provas contra ele, que foram anexadas ao processo. Fiz um dossiê porque ele vai em festas em casas de família, faz viagens para praia, mas eu e minhas filhas moramos com meu pai, minha madrasta e a bisa de 90 anos, que está acamada. Fico com medo”, lembra.

Segundo Rose, ele tirava a máscara nos encontros e não barrava as atitudes da irmã. Por causa disso, ela conseguiu a suspensão das visitas entre pai e filha desde janeiro. O contato ocorre por ligação dia sim, dia não, por 5 minutos.

“Ele faz provocações, fala para a filha que a mãe não deixa ele ir. Se a gente não deixa ver, é alineação parental, se deixa, é irresponsabilidade pelo risco de contaminação. O ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente] diz que tem que proteger a criança, mas a justiça fala em alienação. É tudo muito contraditário”, afirma.

Segundo a legislação, alienação parental é uma interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores ou pelos responsáveis que cause prejuízo ao convívio e relacionamento com o filho.

Na avaliação da advogada Regina Tavares, no caso de Rose, quem pratica alienação parental é o pai. “Os pais não podem se atacar mutuamente na frente dos filhos. A criança deve ser comunicada de forma que não crie uma imagem ruim de um ou de outro. Se isso ocorrer, a conversa deve ser gravada e levada ao juiz para pedir a suspensão das visitas ou até da guarda da criança”, detalha.

“As mulheres morrem de medo de perder a guarda, mas a alienação parental não é assim que funciona, precisa ter provas e ser aplicada pelo juiz com seriedade. É quando a pessoa faz a ação de propósito, com dolo, intenção de prejudicar a relação com o filho. Uma mulher preocupada com a saúde da criança na pandemia não se enquadra nisso”, ressalta a especialista em Direito de Família.

Não só as mães vivenciam a situação. O oposto também acontece. Em todos os casos, o genitor deve procurar um advogado, munido de provas, depoimentos, prints e solicitar a suspensão das visitas presenciais.

Os encontros virtuais devem ser mantidos, e os presenciais podem ocorrer à distância, pelo portão, de máscara, em alguns casos.

Guarda compartilhada

A legislação definiu que a guarda compartilhada dos filhos é a divisão de poderes entre pai e mãe na educação das crianças e nas decisões que impactam o dia a dia delas, como escolha da escola, plano de saúde, cursos, entre outros. Ela não significa que os pais tenham tempo igual de convivência com os filhos.

Para conseguir a guarda compartilhada, ambos devem ser considerados aptos, apesar de este ser um conceito amplo.

Maria* tem 38 anos, mora em São Paulo e tem duas filhas, de 5 e 8 anos. Ela tenta na justiça provar que o ex está desrespeitando as regras impostas pelo governo na pandemia, mas até agora só conseguiu barrar uma viagem recente que ele faria com as meninas. As crianças passam mais tempo com ele do que com a mãe.

“Ele vai em casa de amigos com elas, socializa como antigamente. Eu tô super isolada, só meu namorado que eu vejo sem máscara. Minha mãe, que me ajuda com elas, fica receosa por causa do comportamento dele. Ele bloqueou o WhatsApp delas porque está nervoso e tá me prejudicando claramente”, conta.

Segundo Maria, ela mostrou fotos deles em festas na pandemia, mas a juíza teria dito que “a mãe deve confiar que o pai faz o melhor quando está com as crianças”.

“Isso não é imaturidade emocional. É questão de saúde, do pai que não está fazendo o isolamento. Isso está acontecendo com muitas mulheres na pandemia. Ela é vista sempre como a coitada do divórcio. Peço que o Judiciário olhe para nós, mães, e responsabilize os pais. Não usamos as mágoas para punir as crianças”, enfatiza.

Preocupada com a situação e tentando chamar a atenção do Judiciário para o problema, foi criado um formulário no site Ocupa Mãe para que outras pessoas divorciadas relatassem as dificuldades enfrentadas na pandemia. Em uma semana, 20 depoimentos foram enviados, todos anônimos. Pais também mandaram reclamações, alegando que as mães impedem os encontros por ciúmes.

Sem alternativas

Há mulheres que não têm a opção de recorrer à justiça para barrar os encontros porque precisam dos pais para dividir o tempo com o filho. É o caso de Beatriz*, moradora de Divinópolis, em Minas Gerais. Ela não tem condições financeiras de contratar uma babá para cuidar da filha de 4 anos enquanto trabalha.

“Nossa guarda é compartilhada, então chamo ele para a responsabilidade e dividimos o período para ficar com ela. Não tenho alternativa. Eu perdi contato com familiares porque o comportamento dele é inadequado e não posso colocar em risco a minha mãe. Com as escolas fechadas, não tenho com quem contar a não ser ele”, justifica.

Desde o início da pandemia, o pai tem frequentado festas, ido a boates com até 250 pessoas e só se acalmou um pouco quando começou a namorar em fevereiro deste ano. Mesmo com sintomas da covid-19, ele quis ficar com a filha: “Ele disse que não tava bem, mas achou que era ressaca. Eu quis matá-lo, xinguei e disse que se ele foi irresponsável de ir à festa, não deveria chegar perto da filha ou da mãe dele, que é cardíaca”.

Por 14 dias, Beatriz teve de ficar em isolamento com a filha, que teve contato com o pai contaminado. Um mês depois, o homem foi para a praia de Pipa (RN) e confraternizou no Réveillon com milhares de pessoas e em fotos escreveu: “Chupa covid”. Em fevereiro, comemorou o aniversário com 40 convidados.

“Nossa convivência não é pacífica. Quando ele está com ela, não sei para onde vão. Tive que ceder para poder manter meus compromissos profissionais. Durante o lockdown, peguei férias, mas tive que voltar sob pena de perder meu emprego”, confessa.

*Todos os depoimentos relatados ao R7 são anônimos e os nomes que aparecem no texto são fictícios.