Kiyoshi Harada

O IPTU progressivo no tempo é um dos instrumentos tributários de intervenção na propriedade urbana, para fazer com que o imóvel cumpra a sua função social.

O fundamento constitucional dessa tributação progressiva extrafiscal está no art. 182, § 4º, II da CF:

 

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executado pelo Poder Público Municipal conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

[...]

  • 4º É facultado ao Poder Público Municipal, mediante lei específica para a área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado ou subutilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:

I – parcelamento ou edificação compulsórios;

II – imposto sobre a propriedade parcial e territorial urbana progressivo no tempo.

 

Quatro são os requisitos para a deflagração do IPTU progressivo:

  1. Inclusão do imóvel a ser tributado progressivamente na área abrangida pelo plano diretor da cidade;
  2. A definição da função social da propriedade urbana pela lei específica que aprova o plano diretor da cidade, que é impositivo para municípios com mais de 20.000 habitantes;
  3. Concessão de prazo para o proprietário construir ou lotear o imóvel incluído no plano diretor da cidade.
  4. Somente depois de descumprido o prazo para apresentação do plano e de sua execução é que o município fica legitimado a lançar o IPTU progressivo no tempo.

 

Cumpre assinalar, desde logo, que a progressividade do imóvel é apenas para o proprietário do solo urbano não edificado ou subutilizado não se aplicando, por exemplo, a um imóvel abandonado.

Solo urbano não utilizado é aquele não destinado a qualquer tipo de atividade econômica. É o terreno vago de forma permanente.

Quanto ao conceito de imóvel subutilizado, conforme § 1º, do art. 5º da Lei Federal nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade) é aquele cujo aproveitamento seja inferior ao mínimo definido no plano diretor ou em legislação dele decorrente.

A lei federal remete à legislação local o conceito de solo urbano subutilizado.

Segundo o § 2º, do art. 201 da Lei nº 13.430/2002 (Lei do Plano Diretor Estratégico) considera-se subutilizado o terreno com área superior a 250m2, onde o coeficiente de aproveitamento utilizado não atingir o mínimo definido para o lote na zona em que se situa, excetuados os imóveis utilizados como instalações de atividades econômicas que não necessitam de edificação para exerce a sua finalidade; os imóveis utilizados como postos de abastecimento de veículos; e os imóveis integrantes do Sistema de Áreas Verdes do Município.

Segundo o art. 5º, § 4º, II da Lei nº 10.252/2001, de aplicação cogente em âmbito nacional, o prazo para dar início à execução do projeto, a partir da data de sua aprovação, é de dois anos, sob pena de lançamento do IPTU progressivo no tempo (art. 7º) durante cinco anos, não podendo a alíquota exceder a duas vezes o valor referente ao ano anterior (§ 1º, do art. 7º)

Atingida a alíquota máxima de 15% sem que o proprietário confira função social à propriedade urbana, essa alíquota será mantida até que se processe a desapropriação com pagamento prévio do justo preço em títulos de divida pública.

É de capital importância distinguir o conceito de imóvel não edificado ou subutilizado, conforme legislação municipal, com a realidade fática do imóvel, examinada à luz do fato gerador do IPTU.

O fato gerador do IPTU é a disponibilidade econômica do imóvel em 1º de janeiro de cada ano, ensejando o lançamento anual do imposto (art. 32 do CTN).

Cumpre assinalar que o imposto não grava a propriedade, o domínio útil ou a posse, nem o título jurídico da propriedade, mas, apenas a disponibilidade econômica do imóvel.

Por isso, o contribuinte do IPTU pode ser o proprietário, o titular de domínio ou seu possuidor (ar. 34 do CTN) que detenha a disponibilidade econômica do imóvel.

O lançamento do IPTU não pode ser feito discricionariamente pelo agente fiscal, mas, só em relação àquele que detém a disponibilidade econômica do imóvel dele extraindo as utilidades, sob pena de afrontar o princípio da capacidade contributiva e incidir na violação do princípio constitucional que veda o efeito de confisco.

No imóvel gravado com usufruto, por exemplo, somente o usufrutuário pode ser o contribuinte do IPTU, e não o nu-proprietário que nada usufrui, porque transferiu a posse direta da propriedade imobiliária ao usufrutuário.

Dito isso, é preciso verificar se o imóvel não edificado ou subutilizado tem ou não condições para sua exploração econômica, ou seja, se o seu proprietário detém ou não a disponibilidade econômica.

Imóveis existem que, apesar de se enquadrar no conceito de imóvel não edificado1 ou subutilizado, não podem comportar lançamento do IPTU progressivo no tempo, porque não tendo a disponibilidade econômica, o próprio IPTU singelo não é devido.

São os imóveis situados no topo de um talude, sem possibilidade de acesso à via pública, como alguns daqueles existentes em certos trechos da Marginal Pinheiro em que o valor comercial desses imóveis é ZERO.

Outros imóveis existem que estão entalados entre viadutos e escadarias construídas pelo Município que praticamente não possibilita o acesso a não ser a pé.

Enfrentamos essa questão no imóvel com área de 952,18m2, localizado na Rua Álvares de Carvalho, travessa da Avenida Nove de Julho, praticamente, encravado de baixo de dois viadutos, o Viaduto Nove de Julho e o Viaduto da Rua Major Quedinho, situação essa agravada com um paredão de acesso à Avendida Nove de |Julho constituído pela Prefeitura, além da presença de uma enconsta onde se alojaram os moradores de rua. Nesse imóvel, sem nenhum valor comercial estava sendo lançado o IPTU progressivo no tempo, atingindo a alíquota máxima de 15%. Segundo a Lei de Uso e Ocupação do
Solo Urbano do Município de São Paulo, no referido imóvel seria possível a construção de um prédio com 13.983,51ms para dar-lhe o aproveitamento máximo.

É como exigir que os proprietários de imóveis localizados na Cracolândia promovam o adequado aproveitamento da propriedade, sob pena de lançamento de IPTU progressivo.

Aliás, a Câmara Municipal de São Paulo apresentou o Projeto de Lei nº 448/2023 que se converteu na Lei nº 18.065/2023 sancionada pelo Prefeito, que isenta do IPTU 5.000 imóveis da região de Cracolândia, exatamente porque seus proprietários perderam a disponibilidade econômica desses imóveis.

Concluindo, é preciso confrontar o potencial construtivo de determinado imóvel no plano abstrato de conformidade com a legislação municipal vigente, com a realidade fática do local em que não há nenhuma viabilidade econômica para qualquer tipo de atividade (construção de prédio ou de garagem). Na prática a teoria é outra.

 

SP, 13-1-2025.

 

* Texto publicado no Migalhas, edição nº 6.017, de 14-1-2025.

1 O art. 24, III da Lei nº 6.989/66 do Município de São Paulo considera não construído o imóvel “cuja área exceder 3 vezes a ocupação pelas edificações quando situado na 1ª subdivisão da Zona Urbana.