(Correio Braziliense)
Ruy Martins Altenfelder Silva
O tema da desregulamentação ganhou destaque na agenda internacional como resposta ao excesso de normas que emperram a atividade produtiva. Para conhecer as razões de tal fenômeno, é necessário voltar no tempo e buscar a gênese da regulamentação. Apesar de o Velho Testamento e o direito romano mencionarem preços máximos e limites para taxas de juros, foi mais recentemente que esse fenômeno tomou contornos mais precisos. As funções tradicionais e básicas do Estado sofreram profundas alterações a partir do surgimento do problema populacional, como nos aponta Michel Foucault, na Microfísica do Poder.
A necessidade de cuidar do saneamento das cidades, da educação, da habitação etc. fez ampliar o leque de motivações da estrutura estatal então vigente. A partir daí, temos assistido ao progressivo incremento das funções estatais, com a substituição do Estado liberal pelo Estado social, e à sua participação em grande número de setores, desde a educação e a saúde até o desempenho direto das atividades produtivas, passando pela disciplina das atividades econômicas, a chamada “regulação” ou “regulamentação”.
Inicialmente, tais regras tinham como objetivo corrigir falhas do mercado, tais como os monopólios e oligopólios, ou a concorrência destrutiva, do que decorreram normas de proteção aos produtores, visando resguardá-los dos efeitos danosos de tal competição. Daí em diante, em especial no caso brasileiro, passou-se a tomar como pacífico que, se existe algum problema, basta que o Estado edite algumas normas e a questão estará resolvida. A instabilidade de regras é fator de perturbação do setor produtivo em geral. Na falta de políticas definidas a longo prazo, a contínua intervenção do governo, não poucas com visível teor casuístico, cria um clima de incerteza que afeta a normalidade dos negócios e retrai investimentos.
É necessário incrementar a luta contra o processo irracional da excessiva regulação, que obstrui os mecanismos naturais da produção, comercialização, financiamento e capitalização. Essa profusão de leis, medidas provisórias, regulamentos, portarias, instruções e ordens de serviço, constituindo-se num autêntico cipoal legal em todos os níveis, é frequentemente alterada, gerando insegurança e tumultuando as relações normais do processo produtivo. Não figuro entre aqueles para os quais o Estado é a fonte de todos os males. Repudio, entretanto, a tese de que a regulamentação e outras formas de intervenção estatal sejam a panaceia universal para nossos problemas.
Quando, na teoria política, surgiu a questão do Estado, algumas correntes advogaram sua extinção, em razão de apresentar uma ameaça à liberdade humana; já os liberais, por sua vez, reconheciam os riscos de ele vir a tornar-se um perigo. Porém, em vez de proporem seu aniquilamento, sugeriram seu controle, seja pelas formas legais, seja pelo equilíbrio e harmonia dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, de modo a aproveitar suas potencialidades, sem ferir a liberdade dos indivíduos.
Creio que a atitude, frente à regulamentação, deva ser semelhante. Caso ela se torne necessária em algum setor, a sociedade deve exigir que ela cumpra a finalidade pela qual foi criada e que os custos sejam compatíveis. Além de regular muito, o Estado regula mal. As agências reguladoras, no caso brasileiro, salvo raras exceções, não atingiram seus objetivos, por indevidas influências políticas.
Mais do que conceitos (ou preconceitos) ideológicos, interessa ao Brasil a verificação concreta de quanto se paga por essa estrutura e se esses gastos oferecem retorno satisfatório. Além da questão econômica, não podemos ignorar, nesta reflexão, o papel de nossa formação histórica, de corte ibérico, que resulta em suposta necessidade de controle permanente das atividades privadas, na qual a regra é a desconfiança a priori em relação aos agentes. Daí a pletora de órgãos com funções mal definidas e muitas vezes superpostas, cuja eficiência é reduzidíssima e com enorme custo. Veja-se, por exemplo, as dificuldades para se realizar uma reforma administrativa.
Creio que os primeiros passos para a desregulamentação e para a liberação da produção passam pelo debate desses temas, de modo que tenhamos um background de dados confiáveis, aptos a fundamentar decisões que, de um lado, liberem as atividades produtivas de encargos inúteis e dispendiosos e, de outro, quando constatar que regulamentações sejam necessárias, cumpram-se os requisitos da democracia em sua concepção, eficiência em sua implementação, durabilidade no tempo, coerência interna e avaliação periódica e isenta de sua aplicação. O desenvolvimento econômico e social precisa de regras claras, previsibilidade. Liberdade para o desenvolvimento.