Fonte: Correio Braziliense - Opinião - 6/6/2020 - Patricia Iglecias

''Erra e prejudica o Brasil quem busca colocar em extremos opostos a proteção ambiental e a atividade econômica''

Patricia Iglecias b793aCelebrado em 5 de junho, o Dia Mundial do Meio Ambiente foi criado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 15 de dezembro de 1972, na abertura da Conferência de Estocolmo, na Suécia. Desde então, muitos aspectos da temática têm recebido destaque: de um olhar mais voltado para o meio ambiente natural até o reconhecimento de que as atividades industriais e o agronegócio também integram a verdadeira visão do conjunto ecologicamente equilibrado.

Em momento histórico, no qual se acompanha uma série de manifestações contra o licenciamento ambiental afirmando-se que o excesso de burocracia prejudica o desenvolvimento sustentável e desejável do Brasil, é crucial que haja ponderações de ordem prática, contextualizadas com dados reais que apontam em sentido contrário.

Qualquer ação humana tem impacto no meio ambiente: a produção de alimentos, a construção de moradias, o transporte de pessoas e mercadorias e até o simples viver. Sendo assim, protegê-lo não é impedir qualquer intervenção nos recursos naturais — verdadeira utopia. É, isso sim, garantir que haja um processo de licenciamento capaz de avaliar, de forma correta, os impactos de cada atividade, determinando as medidas necessárias para mitigar e compensar os impactos.

Vale o exemplo da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), responsável pelo licenciamento de grande parte dos maiores empreendimentos do país. Criada há 52 anos, foi a primeira agência ambiental brasileira, considerada a melhor da América Latina e uma das mais exigentes.

Em 2019, ultrapassou a marca de 60 mil solicitações de licenciamento atendidas, superando em 16,5% os melhores índices de eficiência anteriores. Isso representou aporte de R$ 13 bilhões para a implantação de projetos de obras de grande vulto, além das licenças da indústria e do agronegócio, com reflexos diretos na economia e no aumento do mercado de trabalho.

O resultado foi obtido com respeito à legislação e à preservação do meio ambiente. O licenciamento, convém lembrar, é procedimento que permite realizar novas atividades econômicas levando em conta aspectos primordiais da proteção dos recursos naturais. Na prática, busca conjugar proteção socioambiental e eficiência no processo produtivo.

Não só. O órgão licenciador deve considerar os aspectos necessários para dar segurança jurídica ao empreendedor, de forma que a licença concedida prevaleça em caso de questionamentos técnicos e jurídicos. Novas práticas têm de ser buscadas e, por isso, o órgão pode e deve auxiliar o setor privado, incentivando novas tecnologias e modernizando as regras do licenciamento com rapidez e eficácia.

Exemplifica-se aqui com o setor sucroenergético que, recentemente, apresentou à Cetesb a possibilidade de aplicação direcionada da vinhaça no plantio de cana-de-açúcar. A nova técnica, desenvolvida para aumentar o rendimento agronômico da vinhaça usada como fertilizante, tem efeito positivo também na minimização de impactos ambientais.

A diminuição do volume aplicado e seu direcionamento reduzem ao mínimo os riscos de erosão, contribuem para o controle de insetos ao eliminar áreas de empoçamento e permitem uma ação mais precisa. O novo processo, após a análise, foi incorporado às regras do licenciamento. Com isso, estimulou a disseminação de prática mais adequada ao ecossistema.

Erra e prejudica o Brasil quem busca colocar em extremos opostos a proteção ambiental e a atividade econômica. Erra quem deposita, na falsa ideia de que as normas do licenciamento não atendem as nossas necessidades. Problemas estruturais, de gestão, de política ambiental merecem correção.

Nunca é demais lembrar que a Comissão Europeia prepara um plano para responsabilizar empresas importadoras pelos prejuízos que vierem a causar por negligência nas relações comerciais com outros países. Nesse sentido, o consumidor europeu também será informado, por meio de rotulagem e certificação, sobre a origem do produto e o risco de provocar danos ambientais.

Mais uma razão para que o licenciamento seja reconhecido como instrumento positivo para alcançar cada vez mais eficiência e segurança jurídica nas atividades econômicas, além de garantir que o Brasil mantenha a posição nas exportações de commodities. 

Patrícia Iglecias é Professora associada da Faculdade de Direito da USP e ex-secretária do Meio Ambiente do estado de São Paulo, é presidente da Cetesb