É legal a defesa da Presidente da República pelo Advogado Geral da União no processo de impeachment? Crime de responsabilidade de que é acusada a Srª Presidente da República, não importa se procedente ou improcedente, pressupõe em tese algum tipo de dano ao bem público, de natureza material ou moral.

Dispõe da Constituição Federal em seu art. 133 que “o advogado é indispensável à administração da justiça sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.

A palavra “advogado” prevista no texto constitucional é o gênero de que são espécies o advogado público e o advogado do setor privado.

O advogado público integra o quadro de servidores públicos em geral, aplicando-se a mesma política de administração e de remuneração prevista no art. 39 da CF com algumas peculiaridades. Assim são aplicáveis aos advogados públicos o disposto no art.7º, incisos IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX e XXX da CF podendo a lei estabelecer requesitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir.

Os membros da advocacia pública estão agrupados em torno da Advocacia-Geral ou da Procuradoria-Geral sob as chefias do Advogado Geral e do Procurador-Geral, respectivamente.

No âmbito da União, o órgão de cúpula dos advogados públicos denomina-se Advocacia-Geral da União – AGU – onde se encontra inserida a Procuradoria da Fazenda Nacional integrada por procuradores da Fazenda para representar a União nas causas fiscais, além da assessoria e consultoria no âmbito tributário.

Nas esferas estatuais e distrital, bem como na esfera dos Municípios, os advogados públicos recebem a denominação de procuradores e são geralmente agrupados em torno de uma Procuradoria-Geral. No Estado de Minas Gerais manteve-se a denominação de Advocacia-Geral com fundamento no art. 69 do ADCT.

A denominação do órgão é indiferente, porém, no dizer de José Afonso da Silva, os Estados não podem alterar as “suas funções de representação e de consultoria, nem a denominação de seus membros: Procurador do Estado ou do Distrito Federal, inclusive para o órgão com o nome de Advocacia Geral do Estado” 1

A AGU, nos termos do art. 131 da CF, é órgão de representação da União, judicial e extrajudicialmente cabendo-lhe, ainda, nos termos da Lei Complementar, as atividades de consultoria e de assessoramento do Poder Executivo.

A Lei Complementar referida é a de nº 73, de 10-2-1993 que define a AGU como instituição que representa a União judicial e extrajudicialmente, além da atividade de consultoria e assessoramento do Poder Executivo (art. 1º e parágrafo único).

No art. 4º dessa Lei que fixa as atribuições do Advogado Geral da União não se encontra a atribuição de defender os interesses do Presidente da República ou do Governo, judicial ou extrajudicialmente, que não se confunde com a atividade de consultoria e de assessoramento do Poder Executivo. Assessorar e exarar pareceres é uma coisa; defender a Presidente da República em processo de impeachment é coisa bem diversa. A atividade de consultoria resume-se na emissão de pareceres jurídicos e o assessoramento consiste em orientar a Chefia do Poder Executivo dizendo o que pode fazer e o que não pode fazer em termos de direito. Quando eu era procurador do Município de São Paulo, o então procurador municipal, José Eduardo Cardoso, na década de oitenta, elaborávamos pareceres na Consultoria Jurídica da Procuradoria Geral do Município de São Paulo ora, a favor ora, contra a pretensão do Executivo. A consultora, ao contrário da atividade contenciosa, é uma atividade imparcial devendo expressar livremente a opinião jurídica do parecerista.

A instituição AGU está voltada para a defesa dos interesses da União, constitucional e legalmente que, muitas vezes, são conflitantes com os interesses dos governantes.

Na apuração administrativa dos atos de improbidade, por exemplo, segundo a Lei nº 8.429/92 está dito no seu art. 16 que a Comissão Processante requererá ao Ministério Público ou à Procuradoria do órgão para  Curso de direito constitucional positivo. 22ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p.165. que “requeira ao juízo competente a decretação do sequestro dos bens do agente ou terceiro que tenha enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público.”

E mais, em se tratando de ação ordinária por ato de improbidade administrativa, o art. 17 da Lei prescreve que a aludida ação seja “proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa Jurídica interessada” (União, Estados, DF e Municípios). E o órgão de representação judicial e extrajudicial das entidades políticas para a defesa de seus interesses só pode ser a AdvocaciaGeral ou Procuradoria-Geral desses entes políticos.

Em outras palavras, quando o ato de improbidade administrativa for praticado por agente público da União (Presidente da República ou Ministros de Estados) cabe à Advocacia-Geral da União propor a ação ordinária por ato de improbidade em igualdade de condições com o Procurador Geral da República.

Daí a absoluta ilegalidade da atuação do Advogado Geral da União na defesa da Presidente da República acusada de praticar crime de responsabilidade que pressupõe algum tipo de dano causado à União. Ao defender a Presidente da República no processo em que ela é acusada de cometer crime de responsabilidade, o Advogado Geral da União infringiu o inciso I, do art. 11 da Lei nº 8.429/92 que define como atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública: praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência. É o clássico desvio de finalidade tal qual o ato de nomeação do ex Presidente da República para o cargo de Ministro Chefe da Casa Civil.

A mistura generalizada do interesse público com o interesse privado conduziu igualmente à formação de uma confusão entre dinheiro público e dinheiro privado que são guardados em um caixa único, para o uso de muitos dos detentores do poder. Isso gerou aquilo que a mídia denominou de corrupção institucionalizada que faz com que os órgãos e instituições públicas deixem de cumprir os seus fins públicos em função dos quais foram criados.

Para explicitar o que implícito está no art. 132 da CF, regulamentado pela Lei Complementar nº 73/93, dispõe o art. 132-A da CF a ser acrescido por meio de Emenda Constitucional em discussão (PEC nº 82/2007), nos seguintes termos:

“Art. 132-A. O controle interno da licitude dos atos da administração pública, sem prejuízo da atuação dos demais órgãos competentes, será exercido, na administração direta, pela Advocacia-Geral da União, na administração indireta, pela Procuradoria-Geral Federal e procuradorias das autarquias, e pelas Procuradorias dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, as quais são asseguradas autonomias funcional, administrativa e financeira, bem como o poder de iniciativa de suas políticas remuneratórias e das propostas orçamentárias anuais, dentro dos limites estabelecidos na Lei de Diretrizes Orçamentárias.”

Na verdade, repita-se, a pretendida inserção do art. 132-A em nada inova a ordem constitucional vigente a respeito dos limites da atuação da Advocacia Geral da União. Apenas torna expresso aquilo que decorre de uma interpretação sistemática das normas constitucionais e que já está regulado suficientemente na lei complementar retromencionada.

Quando vejo meu ex colega de Procuradoria Municipal, o brilhante advogado e professor José Eduardo Cardoso fazendo a defesa apaixonante da Presidente da República, apesar lapidar clareza do texto constitucional e legal, a começar pela denominação do órgão que ele representa – a Advocacia Geral da União – acoimando aos brados de GOLPE um remédio constitucional que existe exatamente para afastar o governante que perdeu a legitimidade conquistada na urnas, fico deveras confuso, razão deste artigo que eu não teria escrito não fora a defesa feita em termos arrogantes ofendendo a Casa de representação popular e o STF que chegou a regular o rito processual a ser observado no processo de impeachment. Em sua fala exorbitante do ilustre titular da AGU ofendeu simultaneamente dois Poderes da República. Não há mais referência para nada. Não há mais normas constitucionais ou legais apontando o caminho a ser seguido. Não há mais regras jurídicas para nortear as atividades do homem e, por conseguinte não há previsibilidade do que pode acontecer hoje ou amanhã. Em outras palavras, não há mais segurança jurídica para coisa alguma. Tudo está entregue ao arbítrio de cada autoridade que decide, quando, onde e como quiser.

Não está na hora de a soberania popular exigir mudanças?