Fonte: Folha de SP

Sim A legislação do jogo. Tributação evita que dinheiro vá para os criminosos

     Ives Gandra 2 37ff2Em 14 de dezembro de 1982 defendi, na Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie, a cão tese de doutoramento na área jurídica daquela instituição, coma presença do reitor da universidade, que completará, no ano próximo, um século e meio de existência.

     O tema escolhido foi a tributação sobre atividades que se encontram na linha limítrofe entre a legalidade e a ilegalidade, em visão mais abrangente de conformação da norma de imposição tributária como norma de rejeição social, pois, em todos os espaços geográficos e períodos históricos, os cidadãos pagam mais do que devem para permitir ao Estado a prestação de serviços públicos e para retificar os privilégios dos detentores do poder nas suas autoconcedidas benesses e na corrupção inerente — em menor ou maior escala a quem exerce o comando político.

     Na ocasião, procurei mostrar que a tributação dos jogos de azar seria a melhor forma de evitar que criminosos ficassem com todo o dinheiro do jogo ilícito — e, ainda, limitaria viagens de quem gosta de jogar. Dessa forma, dinheiro brasileiro não seria perdido no Uruguai, no Paraguai, nos Estados Unidos, no Principado de Mônaco e em outros países onde o jogo é permitido.

     Argumentava eu, na ocasião, que quanto a bebida alcoólica foi proibia nos Estados Unidos as “gangues” americanas se enriqueceram à custa da Lei Seca, tendo o Estado perdido dinheiro por não arrecadar tributos, assim como gastou recursos do contribuinte no combate a essa criminalidade, algo imortalizado para as futuras gerações coma obra cinematográfica “Os Intocáveis”.

     Acresce-se, na proibição à exploração privada de jogos de azar, uma falsa moralidade, pois se permite a loteria esportiva, a loteria federal, as apostas em cavalos. A possibilidade de que o jogo leve as pessoas à ruína se verifica, inclusive, nas corridas de cavalos, como registra o antológico tango que Al Pacino dança no filme “Perfume de Mulher” intitulado “Por una Cabeza”. Para conquistar uma mulher, o personagem da música aposta tudo num cavalo — e perde a mulher e a fortuna, pois seu animal não ganha a corrida por uma cabeça.

     Entendia e entendo que deveríamos legalizar o jogo com: 1 - Tributação mais pesada para os que gostam de jogar; 2 - rígido controle sobre os jogadores, a aferir capacidade contributiva e idade; 3 - vigilância da polícia; e 4 - definição de cidades próprias para o turismo do jogo, como ocorre em Monte Carlo. Deixaríamos, assim, de ser permissivos com o desvio de dinheiro brasileiro para outros países. Tiraríamos, ainda, 0 “gangsterismo” do controle do jogo clandestino no país e obteríamos maior arrecadação para o Estado, dinheiro este hoje destinado também para os que exploram criminosamente tais atividades sem que haja qualquer benefício para o povo e para o Estado.

     Na minha tese, sugeri que tais recursos tributários fossem destinados ao calamitoso sistema carcerário brasileiro, hoje verdadeira escola do crime, e não de reeducação do meliante para à volte recuperado para a sociedade, como idealizaram os especialistas em ciências penitenciárias.

     O antídoto para o veneno das cobras é tirado das próprias para salvar a vida daqueles que foram por elas picados. Assim defendi, à época, a liberação do jogo sob rígido controle e elevada tributação.

     Minha. resposta à pergunta formulada acima, pelos motivos atrás expostos, é de que sou favorável à abertura da exploração dos jogos de azar no país, sob as condições retro mencionadas.

Ives Gandra da Silva Martins Presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio-SP advogado e professor emérito da Universidade Mackenzie, da Escola de Comando e Estado-Malor do Exército e da Escola Superior de Guerra