A advocacia está passando por um período marcado pelo desrespeito à profissão; não reconhecimento de sua imprescindibilidade e incompreensão do seu papel. Eu diria estar havendo uma preocupante crise de identidade da profissão em face da sociedade e das próprias instituições do Estado.
Os advogados estão sendo vistos, na área penal, como colaboradores do crime, quase cúmplices ou coautores. Quem assim pensa ignora ou finge ignorar, que nós não defendemos o crime, mas sim, somos porta vozes dos direitos e das garantias constitucionais e legais dos acusados.
Zelamos pelo cumprimento dos princípios que insertos na Constituição Federal emprestam legitimidade à atuação punitiva do Estado e impedem que esse venha a cometer excessos que possam atingir a dignidade da pessoa levada a julgamento.
Esses direitos e garantias são por nós defendidos não só em nome dos acusados, mas sim de qualquer cidadão. Não se deve esquecer que o crime é um fenômeno social, razão pela qual ninguém em sã consciência poderá afirmar que jamais cometerá um delito, ou se verá acusado injustamente de tê-lo praticado. Na verdade, a realidade do sistema penal está repleta de exemplos de inocentes que se sentam nos bancos dos réus. Ou ainda, há uma infinidade dos que embora culpados, se tornam alvo de acusações mais graves do que a sua efetiva responsabilidade.
Em quaisquer dessas situações, todos os cidadãos brasileiros, repita-se, poderão ser protagonistas da cena judiciária. Pois bem, nessa hora precisarão ser defendidos e o serão por nós advogados, os únicos habilitados a exercer a defesa técnica, perante os Tribunais. E, saibam, sem defesa não haverá possibilidade da propositura de ação penal e nem da instauração válida do respectivo processo. E o advogado formulará a defesa com base nos fatos e no rol daqueles referidos princípios constitucionais, necessários para que seja realizada a justiça no caso concreto. Dentre esses princípios devem ser realçados os da ampla defesa, do contraditório, do devido processo legal, da igualdade de tratamento entre as partes e o da imparcialidade dos juízes.
Saliente-se, ainda, que os advogados são imprescindíveis não só na esfera penal. Quaisquer conflitos de interesses na área cível, envolvendo direito de família, direito de propriedade, societário, tributário e todos os demais ramos do direito, só podem ser resolvidos pelo Poder Judiciário, que sendo inerte, é provocado pelo advogado que exerce a capacidade postulatória, com exclusividade, em nome de terceiro. Portanto, ele só é movimentado quando por nós acionado.
Pois bem, essas breves considerações foram feitas em face de recente revelação de manifestações de um juiz e de um procurador sobre suas atividades. O advogado, essencial a todo e qualquer processo foi absolutamente esquecido, desprezado, como figura menor da relação processual. Até para simular alguma legitimidade os diálogos ou mensagens poderiam ter mencionado a outra parte ou o seu advogado. Não, nenhuma consideração, nem para criar um simulacro de legalidade a uma chocante situação de ilegalidade.
Lamentavelmente, para alguns membros do judiciário o advogado atrapalha. Esses juízes nos consideram desnecessários. Apenas nos toleram porque a Constituição exige a nossa presença para a administração da justiça.
No entanto, a advocacia está mesmo em crise, conhecida e lamentável crise. Saberemos superá-la, como outras já foram superadas, segundo nos mostra a história da profissão. Mais grave, porém é a crise de legitimidade que atinge o sistema judiciário e o próprio Estado Democrático de Direito, agora posta à luz do dia.
A revelação dos e-mails trocados entre um magistrado e um procurador federal mostra-nos que de uma só pernada a Constituição Federal foi rasgada e o sistema de proteção dos cidadãos investigados ou processados foi violentado.
Nós advogados e as centenas de homens e mulheres que se transformaram em acusados nos últimos anos, já intuíamos e fortemente desconfiávamos que se instalara na justiça penal brasileira uma relação promíscua entre alguns magistrados e alguns membros do ministério público. Promiscuidade no sentido da mistura, da confusão, da intromissão e da desordem. Infelizmente passamos a conviver com autoridades que se arvoram em guardiães da sociedade e combatentes messiânicos do crime. Para desempenharem as suas missões entendem que os fins justificam os meios e se afastam do ordenamento jurídico e da promessa inicial que fizeram de respeito à Constituição e às leis do país.
O exemplo recentemente vindo a público bem ilustra essa situação que contem aberrante ilegalidade.
Antes de explicar o assombroso atentado às normas e aos princípios penais, presto um esclarecimento. A atividade jurisdicional é exercida por juiz, advogado e membro do ministério público. Constituem uma pirâmide onde o juiz ocupa o ápice e os outros personagens estão na base da pirâmide, rigorosamente no mesmo nível. O juiz deve manter equidistância das partes, bem como tratá-las de forma igualitária. Desta forma, estará mantendo o requisito essencial para o correto desempenho de suas funções: a sua imparcialidade.
Agora esclareço a anomalia acima referida. Quando as normas que regem o relacionamento dos componentes da pirâmide são quebradas instala-se a confusão, a intromissão indevida, a desordem, enfim a promiscuidade que conspurga a imparcialidade do juiz.
Ao aconselhar, sugerir estratégias e medidas a serem adotadas, o magistrado demonstra uma tendência favorável a uma das partes. Dá sinais de já estar com a sua convicção formada. Em tal hipótese, as provas e os debates processuais serão inúteis. O processo se transforma em uma farsa montada para atender as exigências legais, nada mais.