Fonte: Conjur - 4/5/2020 - Opinião
Publiquei pela ConJur artigo em que expus minha opinião a respeito das funções do Judiciário de legislador negativo, ou seja, de decidir os casos que lhe são apresentados, sem ter, todavia, o direito de intervir em atribuições próprias dos outros poderes.
Por essa razão, apesar de reconhecer o valor do ministro Alexandre de Moraes, divergi do direito que se auto-outorgou em impedir a posse do diretor da Polícia Federal de policial que já dirigia a Abin, que participara da operação "lava jato" do Rio e contra quem não havia processos disciplinares ou judiciais e sobre o qual pesava apenas acusação de ex-ministro em pleno conflito contra o presidente.
Na publicação do caro amigo Márcio Chaer, ao lado de meu artigo, foi postado artigo que escrevera com conceituado jurista, entendendo que a divulgação de conversa entre os ex-presidentes Dilma e Lula pelo juiz Sergio Moro caracterizava desvio de finalidade na indicação para ministro, aparentemente havendo contradição nas duas posições.
Um breve esclarecimento faz-se, todavia, necessário. No áudio divulgado à época, a presidente Dilma mostrava-se preocupada com uma eventual prisão do presidente Lula e oferecia um ministério para deslocar a competência decisória para instância superior. Foi este aspecto claramente exposto no telefonema a que me ative, muito embora em outros artigos para a Folha de S.Paulo sempre tenha defendido que as prisões de execução em sentença só pudessem ser feitas após o trânsito em julgado da decisão condenatória, a teor do que dispõe o artigo 5º, inciso LVII, da Lei Suprema.
No presente caso, todavia, a questão é diversa. Duas teses jurídicas igualmente consistentes se opõem. A primeira, a qual defendo, é de que uma investigação policial deve ser sigilosa ao Executivo, ao Ministério Público e até ao próprio diretor da Polícia Federal, pois ele pode ser o investigado, com o que nem o presidente da República poderia ter conhecimento, enquanto em andamento. A segunda, é que sendo o condutor da nação, teria o presidente necessidade de tudo conhecer, como ocorre quanto aos serviços de inteligência das Forças Armadas, da Abin e das Corregedorias da administração pública, não tendo nenhum ministério com o direito de negar-se a dar-lhe informação.
Como se percebe, não há contradição entre o que escrevi e o que escrevera no passado, embora, em tempos de pandemia e de velhice, não tenha acesso aos artigos e entrevistas da época, por força do confinamento em meu lar, felizmente desprovido destes artefatos da modernidade, que muitas vezes prejudicam a convivência familiar.
Tais esclarecimentos eram necessários para que posições exclusivamente jurídicas não fossem interpretadas como de conveniência ideológica, muito embora, quanto mais revire meu passado, mais percebo que meu exercício de cidadania foi sempre de um cidadão politicamente incorreto.
Ives Gandra Martins é advogado e professor emérito da Universidade Mackenzie, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra.