No casamento o cônjuge é herdeiro necessário e não pode ser excluído da herança, podendo apenas ser diminuído o quinhão sucessório do marido ou da esposa, no limite da cota disponível, ou seja, até 50% dos bens que compõem o acervo patrimonial hereditário, o que pode ser realizado por testamento. Assim dispõe o Código Civil brasileiro vigente:
Art. 1.789. Havendo herdeiros necessários, o testador só poderá dispor da metade da herança.
Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.
Assim, se uma pessoa casada pelo regime de separação eletiva de bens, tendo um filho exclusivo, falece, o seu cônjuge tem o mesmo direito sucessório desse filho, salvo se houver testamento que disponha de 50% da herança; se a disposição testamentária for realizada em favor do filho, este herdará 75% e o cônjuge herdará 25% da herança. Reitere-se que esse direito à herança necessária do cônjuge existe inclusive no regime eletivo da separação de bens, que não se confunde com o regime da separação obrigatória que é determinada por exemplo nos casamentos dos maiores de 70 anos, como resulta do seguinte artigo do Código Civil:
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte.
I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares.
Esta foi a opção legislativa do Código Civil brasileiro de 2002, sob inspiração de legislações de outros países, como a portuguesa, que dispõe de modo assemelhado: atribuir à pessoa casada a herança necessária.
A opção do Código Civil de 2002 sobre direitos sucessórios decorrentes da união estável foi diferente daquela feita em relação ao casamento, de modo que esse diploma legal regulou os direitos sucessórios do companheiro sem atribuir-lhe herança necessária, ou seja, conservando-se a autonomia da vontade a quem vive nessa espécie de entidade familiar. Como se lê no art. 1845 do Código Civil, acima citado, o cônjuge está na relação de herdeiros necessários, mas o companheiro não.
Aliás, no Direito estrangeiro preserva-se a autonomia da vontade para quem escolhe viver em união estável, reconhecendo-se a distinção entre esta entidade familiar e o casamento. Realmente, com olhos na legislação de países da América Latina e da Europa, vemos que não é feita a equiparação de direitos entre a união estável e o casamento na dissolução em vida e muito menos na dissolução ocasionada pela morte.
No entanto, debateu-se no Supremo Tribunal Federal (STF) se os direitos sucessórios decorrentes de uma união estável deveriam ser iguais aos oriundos de um casamento, nos Recursos Extraordinários nº 646.721-RS e nº 878.694-MG.
Em representação da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS), na qualidade de amicus curiae, elaborei as manifestações associativas, naqueles recursos, sempre defendendo a autonomia da vontade.
É fácil concluir que quem se casa civilmente, via de regra, deveria conhecer os efeitos em vida e por morte do regime de bens escolhido, já que há formalidades prévias ao casamento. Mas, na união estável, não há formalidades prévias à sua constituição, trata-se de uma relação de fato, que se forma no plano dos fatos, sem que seus partícipes tenham informações prévias à decisão de viver dessa maneira, sem que saibam dos efeitos do regime de bens eleito.
E o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu razão em nossos argumentos e não equiparou o companheiro ao cônjuge na herança, mantendo a autonomia testamentária de quem vive em união estável, que pode atribuir toda a sua herança ao filho, no exemplo dado.
A tese de repercussão geral que se firmou no STF, oriunda daqueles recursos foi a seguinte:
É inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002.
Esse artigo 1829 do Código Civil, antes citado, estabelece a ordem de vocação hereditária, de modo que ocorreu a equiparação do companheiro ao cônjuge, ou dos efeitos sucessórios da união estável aos do casamento, sem retirar a autonomia da vontade de quem vive em união estável.
E, para que não houvesse qualquer dúvida sobre a não aplicação de outros dispositivos do Código Civil sobre herança oriunda do casamento à união estável, como o art. 1845, de modo que somente pudesse ser aplicado o art. 1.829 que versa sobre a ordem de vocação hereditária, mediante a interposição de embargos, a ADFAS se manifestou e realizou os devidos requerimentos, tendo sido explicitado pelo STF que:
A repercussão geral reconhecida diz respeito apenas à aplicabilidade do art. 1.829 do Código Civil às uniões estáveis.
Portanto, temos no Brasil a liberdade testamentária de quem vive em união estável, com a preservação do regime de bens escolhido pelos companheiros, mantendo-se os seus efeitos, desde que os companheiros tomem o cuidado de celebrar testamento que regule os efeitos sucessórios no falecimento, com a exclusão do companheiro.
*Regina Beatriz Tavares da Silva. Presidente Nacional da ADFAS. Mestre e Doutora pela USP. Pós-Doutora em Direito da Bioética pela Universidade de Lisboa. Advogada especializada em Direito de Família e das Sucessões e em Biodireito. Titular da Cadeira n. 39 da Academia Paulista de Letras Juridicas - APLJ.
ASSISTIR VÍDEO ABAIXO: