(O Estado de S.Paulo)
No dia 11 de agosto, o Tribunal de Justiça de São Paulo recepcionou os integrantes do Grande Júri do 62.º Prêmio Fundação Bunge. Reitores, presidentes de instituições acadêmicas, sob a presidência do desembargador Dimas Mascaretti, homenagearam o lado bom do Brasil, elegendo laureados nas áreas das ciências agrárias e das ciências humanas e sociais.
A professora gaúcha Cláudia Lima Marques, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, foi a escolhida no ramo das transformações do Direito brasileiro e seus impactos na Teoria Geral do Direito. O jovem gaúcho Ivar Alberto Martins Hartmann recebeu o prêmio Juventude, no mesmo ramo.
Alysson Paolinelli foi o laureado na área das ciências agrárias (Desafios globais da sustentabilidade do agronegócio brasileiro). O jovem paulista piracicabano Marcelo Loureiro Garcia foi o escolhido na mesma área na categoria Juventude. Pelo 62.º ano consecutivo o Prêmio Fundação Bunge contempla duas personalidades pelo conjunto de seus trabalhos (categoria Vida e Obra) e dois jovens talentos de até 35 anos que se destacam em seu campo de atuação (categoria Juventude).
O lado bom do Brasil foi mostrado no salão nobre do Tribunal de Justiça paulista, contrastando com o apontado em recentes pesquisas de opinião: descrédito das autoridades e instituições, consequência dos péssimos serviços oferecidos aos cidadãos e aos escândalos noticiados com assustadora e preocupante regularidade.
A perniciosa corrente de tolerância com a corrupção, o empreguismo desenfreado, o compadrio, a irresponsabilidade com as verbas públicas, o conjunto de abusos que configuram flagrante desrespeito ao cidadão – enfim, a impunidade – exigem providências urgentes. Vale lembrar o famoso diálogo entre dois personagens do dramaturgo alemão Bertolt Brecht na peça A Vida de Galileu. Um deles afirma, enfaticamente: “Infeliz do país que não tem heróis”. E o outro rebate: “Não, amigo, infeliz do país que precisa de heróis”. Os intermitentes casos de corrupção e os problemas que acontecem no cotidiano nacional demonstram que o Brasil, apesar de todos os esforços e avanços verificados na ética e na valorização da cidadania, lamentavelmente ainda se enquadra no segundo caso.
Por isso o entusiasmo no Tribunal de Justiça na manhã do dia 11 de agosto, quando o trabalho sério e produtivo de brasileiros desfilou e foi laureado.
Seria muita ingenuidade supor que alguma nação consiga ter pleno êxito em suas metas de desenvolvimento, numa era cujo principal valor é a consciência ética, sem que seu princípio fundamental esteja fortemente arraigado em todas as instituições. À humanidade não interessam apenas as promessas de facilidades, progresso econômico, tecnologia de ponta e conforto contidos no ideário comunitário. Ser ético, correto e honesto é essencial.
De quem é a culpa pelo atual sistema político? Os principais culpados são os partidos que aceitam filiações irresponsáveis, funcionam como legendas de aluguel, abrem as portas aos arrecadadores de votos, meros candidatos iscas para robustecer a bancada partidária no Poder Legislativo. Os partidos políticos são cada vez menos representativos da comunidade. Representam a si mesmos. Vivem descolados da base social.
A indispensável reforma política em tramitação na Câmara dos Deputados está desapontando todos. A comissão que estuda a matéria sinalizou pontos altamente negativos: 1) seria criado um fundo público para financiar campanhas, o Fundo Especial de Financiamento da Democracia, que representaria 0,5% da receita corrente líquida. Para 2018, esse valor seria de R$ 3,6 bilhões; 2) o modelo seria o do distritão, no qual cada Estado vira um distrito eleitoral e os candidatos mais votados são eleitos para o Legislativo; 3) ministros do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, do Tribunal Superior do Trabalho, do Superior Tribunal Militar e do Tribunal de Contas da União seriam nomeados para mandato de dez anos; e 4) não seriam extintos os cargos de vice e a nefasta figura de suplente de senador.
Os políticos precisam se conscientizar de que “a cidadania virou gente”, na feliz expressão do professor José Murilo de Carvalho (Cidadania no Brasil).
A legislação pós-1985 foi liberal. Enquanto o regime militar colocava obstáculos à organização e ao funcionamento dos partidos políticos, a legislação atual é pouco restritiva. O número de partidos cresceu desordenadamente. Em 1979 existiam 2 partidos; em 1986, 29; e hoje são quase 40. É preciso corrigir a distorção regional da representação popular. Temas relevantes permanecem na pauta da reforma do sistema político eleitoral: redução do número de partidos; reforço da fidelidade partidária e da fidelidade ao voto; redução do mandato de senador para quatro anos e modificação do atual sistema de substituição e sucessão para o mais votado; e proibição de reeleição dos parlamentares após dois mandatos. Além disso, a introdução de um sistema eleitoral que combine o critério proporcional em vigor com o majoritário, aproximando mais os representantes dos seus eleitores e reforçando a disciplina partidária.
A verdadeira força de governantes, no dizer de H. G. Wells, não reside nos exércitos e nas Forças Armadas, mas no fato de os homens acreditarem que eles são inflexivelmente abertos, verdadeiros e legais. No momento em que se afastam desse padrão, o governo passa a ser apenas a “gangue no poder” e seus dias estão contados.
Tudo veio à mente no dia 11 de agosto, quando o lado bom do Brasil se fez presente no salão nobre do Tribunal de Justiça de São Paulo.