(Correio Braziliense)

A assistência ao próximo é pratica antiga da humanidade. No Brasil do século XVII, era estreitamente ligada à caridade e exercida como iniciativas voluntárias e isoladas, quase sempre por ordens religiosas, e materializadas na forma de abrigos, alimentos e roupas. Somente na primeira metade do século passado, a presença do governo – antes difusa – se fez sentir de maneira mais efetiva, primeiro com a criação dos serviços sociais voltados aos trabalhadores da indústria e do comércio, que se aceleraria nas décadas seguintes e seria uma das sementes das futuras favelas, cortiços e inchaço das periferias.

A Constituição de 1988 consagrou a assistência social entre os direitos da cidadania, com o artigo 203 preconizando que ela deve ser prestada “a quem dela necessitar, independentemente da contribuição à seguridade social” (conceito que abarca saúde, previdência e assistência social). Começava ali o longo debate que desaguaria na Lei Orgânica da Assistência Social (Loas) e no Sistema Único de Assistência Social (Suas), ampliando a intervenção do Estado na prática das ações voltadas aos segmentos mais desfavorecidos da sociedade. Na esteira desse movimento, abriu-se espaço para grandes alterações na política nacional do setor.

O debate incluiu uma vertente centrada na discussão sobre limites da ação do Estado X o papel da sociedade na realização das ações sociais – promovidas por entidades filantrópicas. Os defensores dessas instituições de assistência social alinham, com propriedade uma série de argumentos a favor. Entre eles, destaca-se – além da atribuição constitucional dessa responsabilidade à sociedade -, o fato de que a soma dos esforços potencializaria os efeitos benéficos das ações inclusivas, tão necessárias num país que deve – e, mais do que deve, precisa – eliminar o profundo abismo educacional, de saúde e de qualificação profissional que separa os brasileiros.

Sem negar o valor da bolsa-família e outras iniciativas oficiais voltadas ao aumento da renda das camadas mais pobres, é preciso reconhecer também que a conquista da autonomia pelos beneficiados apenas virá com sua capacitação para atender as exigências do mundo moderno.

O estímulo às instituições do terceiro setor facilitaria um atendimento mais pontual e ágil, formatado de acordo com as necessidades das comunidades locais. O que aliviaria, adicionalmente, a pressão sobre os estados e municípios que enfrentam dificuldades orçamentárias até para dar conta de outros serviços públicos essenciais. Seria também uma contribuição para atenuar a pressão sobre os serviços urbanos dos grandes centros, cada vez mais insuficientes para atender à demanda da chamada “migração da miséria”, gerada pela atração que tais cidades exercem sobre pessoas sem aptidão profissional que lhe permita conquistar a sonhada vida digna e o protagonismo da própria história. As entidades filantrópicas se transformaram em centros de atendimento a carentes, desonerando os cofres públicos dos custos de bons serviços prestados nas áreas de saúde, da educação, da qualificação profissional e de tantas outras marcadas por fortes carências. Com um detalhe muito importante: para as entidades do terceiro setor, seu trabalho não é sinônimo de caridade, por mais nobre que seja essa virtude. Elas pretendem, isso sim, propiciar o acesso aos direitos de cidadania aos milhões de pessoas que a elas recorrem.

Por essas e outras razões não difíceis de identificar, uma visão moderna e nada paternalista indica que a assistência social não deve ser monopólio deste ou daquele segmento da sociedade. Ao contrário, deve ser objeto de um consórcio cidadão, coordenado e fiscalizado pelo governo, e composto por entidades filantrópicas, iniciativas nascidas da responsabilidade social de empresas e colaboração da legião de brasileiros voluntários dispostos a ceder tempo, talento e recursos financeiros para alcançar o sonho de um país mais justo e próspero. Até porque, a assistência social é um dever imposto pela Constituição ao governo e à sociedade, com o objetivo de resgatar os brasileiros mais vulneráveis das mazelas do presente e assegurar-lhes um futuro menos incerto.